Perfecção

Minha vida é um haiku
Folha solta ao vento
Ave em primevo vôo.

Minha vida não é minha
É a vida dos ventos livres
Que não voltam nem repetem.

A vida é um tempo astuto
Escapando nobre ao estulto
É toda noção de economia.

O tempo é o sabor sentido
É o sentimento firmado
Firmamento da desdita.

A sabedoria é infantil
E a maturidade inalcançável
Sonho louco da vigília.

Damos nomes pra escapar
Olhamos horas pra impensar
Botamos preços pra preguiçar.

Sou uma bobeirada
Em desatino apressado
Contagem regressiva agressiva.

Vestes rasgadas felizes
Somos filhos do amanhã
Dando força à mãe terra.

Improvisão

Larga dose de moralina
Depacotaram Elis Regina!

Rumo ao universo paralelo
Troquei cocaína por copaíba
E não destroco mais não sinhô!

Andirobas e janagubas
Babaçus ah cura milagrosa
Meu sangue é leite de coco adocicado
O momento implode silencioso a aurora massoterapêutica.

Me banho com sabão
Que sabonete é coisa de fresco
Quero alma lavada
Parcerias livres retas firmes como eu
Como o não eu infinitesimal do buda
Quero jade lapidado polido a gema mais rara
Traduzir o arrepio
Quero troçar em termos minha alegria violenta
Minha libertinagem truculenta
Deixando àtrás a inveja frígida do cristão repressivo
Quero desenhar em linhas abstratas a mônada de minha atividade
Pintar surrealista os borrões coloridos da fronteira entre sonho e real.

O máximo de mim
Por favor
É o que peço ao vazio.

O máximo de mim
Sempre
É o que peço à espacialidade incerta
Ao silêncio que talvez tem olhos e ouvidos
Preciso do máximo de mim
Que meus amigos me ajudem
Me ignorem e sigam colossais
Se notarem que me desleixo
Que me relapso das vovós sagradas a que sou grato.

Quero falar lá no alto
Alto e claro
Como lêsse grandes letras escritas no céu
Pra todos me entenderem
Preciso ser entendido
E preciso te entender!

Vagabundo
Fala alto e claro
Grita sem rasgar
Grita grave sem arranhar
Sem caretas
Seje macho
Fale grosso porra!

Irmandade espartana
Amaciamos escudos e espadas
No cotidiano fútil das encenações
Gastamos solados cingimo-nos bolhas doídas
Lascamos dentes vertemos sangue e ossos precavidos
Mutilações morosas que nos permitimos em nome da suprema dureza.

O fraco aponta-me meus erros
Mordo-lhe fora o dedo imbecil!

Mastigo juntas degusto o sumo
Ele agora reclama arrepende-se de julgar
Covarde cozinhando gastrites sem cura
Destroçando a sapiência renal
Perdendo a chance de ser sol e água cristal
Deixando de lado a suposição mais corajosa.

Suposição da liberdade
Ilusão de domínio da ação
Nosso controle é mínimo
Quase completamente desprezível
A opção que temos é quase nenhuma
É contrair-se revolto à inanição
Espasmo rígido de toda fibra
Ímpia expansão em todas direções
É repousar inerte em mãe terra cheirosa
E levantar-se com a força pura do olhar
Do foco que seleciona e magnetiza
Observação ativa que faz ímã
E une à obrigação os predestinados.

Endomorfismo

Quando duas pedras se fundem
Além dos confrontos faiscantes
Quando duas pedras penetram
Casam e combinam pedra nova.

Os raios coloridos num coração transparente
Elementos diversos que alteram o cristalino
Ela cravou em mim novo mineral fez forja
Ruiva sarará deu tom diverso ao pedregulho.

Depois ela se questiona se duvida
E eu pergunto serei só eu certeiro?
Devo eu estar sempre em certeza
E ignorar a fraqueza sobrepujá-la?
Devo ser carrasco que não ouve
E fingir não sentir o medo dela?
Ser só eu o completo inteiro
Sempre a restaurar a insegura?

Mas daí ela quer crer em liberdade
Quer dizer que há escolha decisão
Então deixo que ela reflita o medo
Quem sabe a ilusão acalme aceite
E sejamos só um par de pássaros
Sentados num galho antes vago
Um par de pinguins determinados
Empurrados pela inescolha viva.

À Mão

Escrever à mão
Tem seu encanto
Gostinho de coisa da vovó
Aquele bolinho de fubá incomparável.

Vê-se bem
Se o autor vem em flocos
Crocante ou mais redondiço
Como a caligrafia acusasse mais intimidade
A garranchada fizesse sentido mais humano
Que hoje em dia nem toda prosa tem seu original
E quem sabe aos poetas do futuro
Em épocas um pouco mais distantes
Seja incompreensível a maisvalia do manuscrito
Que se se esqueça o porquê dum pequeno pedaço de papel arranhado poder vir a valer milhões em museus.

Que se se esqueça a noção soberba de eficiência e economia possível
Que a criança apreende quando é forçada a caber numa folha finita
E ela ainda tem tanto a dizer
Mas as linhas se exiguem e vem o sonho
Escrever em letras menores
Mais detalhadas
Legíveis
Mínimas
Querer expremer o máximo da eloquência ainda secreta no branco da página.

E já não pula mais linhas entre estrofes
Adota símbolos para transcrição posterior.

E começa a abreviar palavras
E a usar vagas na seda virgem até então jamais tocadas
Aqueles contornos horríveis entorno das espirais da cadernetinha.

E glozo comigo
Querendo ver valer o verde posto ao chão
Que habita este seminal embrulho
A agenda inusada.

Então solução
Compressão
Menos é mais
Sempre
Sim
Pouco mais precisa ser dito
É o milagre.

Como me dissessem que só poderei dizer mais mil palavras em meu espírito
Que diria então?
O que?

Que amo a tudo e todos
Que todos merecemos ser felizes
E que isso é muito fácil
Se a gente leva a sério toda aquela antiga lengalenga
Sobre o caminho do bem
Da paz
De ajudar o outro a se sarar e alumiar
É tarefa dos mais maduros a de alimpar e ensinar
Pois sem estas simples obrigações
Como pensaremos um futuro digno ao homem?

Não posso mudar o passado.

Mas vivo por ele e por tudo que me tocou
E por todo futuro que também viverá pelo passado como vivi.

E hoje agora será um dia o passado inspirador
Que não
Não
Mil vezes não!
Não deixou esquecer que o que mais conta
Vai ser sempre a alegria de trocar alegrias com os outros.

Negócio

Abrir bem todos olhos
Aprumar-se ereto pétrio
Equilibrar verbos e hálito
Genética e fenética cósmica.

Tensão desenrolada em eixo
Arrepio assustador denunciando a natureza de energia
De biomassa ululante suave sutil
Ondulantes chapadões plásmicos cristais
Ressurreições de ventos e águas refrescantes
A brisa do mar
Um vizinho de condomínio usando a serradeira contra algum cobre
O ventilador no três
Fortaleza incrível ô meu Ceará!

Relaxar as mãos
Relaxar o coração das mãos
Respirar o sal da fêz viva
Ai tiros em meio da rua!
Ai balas perdidas da esquina violenta
Mulheres gritando socorro estridente
À beira oceano
Caboclos descontrolados da grande esquina
Pânico e furor dominam o horizonte
Ai sarrafas de espoleta
Ai medos desgovernados da imprevisão
Brasil escorraçado
Chibateado ao osso
Brasil feliz ignorante fechado em arcondicionado
Vacilando entre frízeres ambulantes chiques
E a oblonga tropicalidade
Vera ardência transparente equatorial
Sopra fétida decomposição das toneladas de caranguejos camarões e lagostas
Se nado sempre enfrente dou com caras em Mama África!
E a histeria das vítimas dos assassinos de aluguel em plena Santos Dumont
Passa esmagada sem testemunho
Silenciada nos jogos virtuais.

Talvez preguiça
Que não deixa corrigir
Que prefere abandonar intocado
Ou euforia vergonhosa
Desencanando do imaginário
Desencantando
E cantando
Ah sempre cantando!

Cantando e fingindo
Verdades e mais verdades
Finjo verdades mentidas
Porquê só assim nascem as verdades
Do seio da ilusão
Sempre do inebriante
Do psicodélico alucinante as mil cores do sultão supremo
Da cauda do pavão transmundano
Oblíquio sóbrio com seus chás maternos
Engolindo choro
Desfazendo o bico
Abrir todos os olhos
Venham todas as imagens!
Ai denso torpor!
A que me levo?
Sou mãos destravadas distraídas
Gozando sanha enssoletreio!
Suor que não vem mais à tôna
Ah santa guilhermina ah santa ana de todos os santos
Teus lábios vermelhos de batom degustado
A cigarrilha carregando larga cinza
Ah santa engraçada
Teu despudor levou à santidade da dureza
Provou as formas e as cores do sonho real.

E a fome no fim da tarde
Lembra o estômago que ainda não viu feijão
A felicidade está em cada canto
Sem escolhas
O clímax de cada pranto
Ai bebam água!
Ai por amor bebam tanta água translúcida quanto puderem!
Ai se pudesse fazer sentir minha angústia
Por este mundo que se coze
Cuzcuz de gente salsando na frigideira
E no fundo azul no teto do céu
Todos comprazidos franzem sim
A felicidade sem escolhas
Róseo fluxo do vívido
Faces ruborizadas
Tônux infinitus
O volúvel
Ao lar.

Aquele querer dizer mais alguma coisa
Aquele não parar de mugir suspiros
Necessidade ferrenha de cutucar mariscos
Petiscos ariscos ah que causamos de rebuliços!

Barbárie banal
Que mergulham
Com golfinhos.

Da Fome De João

Caução ao mofo
Mizifí
Atenção redigo-lhe
Areje arestas
Ventile cada esquina
Água sanitária às paredes
Deixe repousar.

Raspe a pele
Crosta suja
Arranque o ranço
Ânsia escrota
Tire este azedume de tua língua purulenta
Por céus vadios
Por todos os santos imorais
Destroça este ardido horrível de inanição
E dá tinta nova ao lar
Com todos antimofos permitidos
Passe-lhe dez demãos se aprouver
Se o orçamento eventualmente permitir.

Ai rasgado João
Na cidade pensam que o Brasil é de hoje
Pensam que nosso povo está por dentro
Mas quem viu o sertão
Quem vai e volta no ribeirão
Bem sabe do abandono
Também bem sabe dos sorrisos sutis
Superando a lamúria interminável do abandonado
Sem estradas
Sem luz nem água encanada
Cantam graças aos céus a caipirada
Já disseram
É o em torno que conta
Sem paisagem certa não há alegria.

Viciado em pessoas
Elas me afrontam
Ai quando a ofensa é morosa
O caçôo fraterno.

Consigo perdoar quem me decifre?
Mais
Consigo perdoar um mais forte que eu que me decifre?

E então que será perdão?
Condescendência pra com minha mesma fraqueza
E ainda orgulhosa condescendência
Aguardando perdões
Pra só então poupar a vingança
Ai dialeto ignóbil
Entre ursos coiotes águias e leões
Faunaflora de amizades mundanas
Plantas e fantasmas
Gutural habitual
Me recosto
Incrédulo
Fazendo risco à quebradiça bibelô
Bailarina mascarada
De porcelana frágil
Deixei-a cair
Porquê sei que não devo destruir
E por um instante destruí
E gozo do torpor triste
Destilo a ira
Fadas rasta me resgatam
Ah ruiva lilás vívida prima
Primeva Ariadne
Pisoteando vinhas em meu ventre
Encarcerando em mogno meu mel
Bebo o vinho da idade
Estou velho de súbito
Ai cabelos brancos
Ai minha vida que correu
Que correu em imaginação
E me fez agonia
Ai salvação do verbo
Me dou de novo ao novo
De presente o presente
Tenso e inútil como é
Refulgente perfeito como é.

Remembro

Amor funesto
Sangrara irado
Infeccionou-se de sua própria saliva
Ao provar do cabal
Vermelhidão inócua
Metálica alcalina
Fluído de nossas baterias etéreas
Quânticas
Multiversos em cada ponto indivisível.

Pernas fremiam
Pudor alegre
Ardor da raiz
O coração ordenava desdém
Fazia central o sangue
Objetivizava até a mãe de todo gozo
Nuclear
O arco pulsava
Distendia-se e ragava o ar
Denovo e denovo
Flechas com pontas de amazonita
Esculpidas mortíferas
E uma dose fatal de kambô à extremidade.

A cura infligia ânimos
Solertices
Alertismos
Sinapses esfuzionantes
Infinitesimalmente doudas
Sanhadas sagradas e tresloucadas
Ah assanhada
Ah jardim florido em pleno oblivion
O rága do rasta
Que bem ah quão bem arrasta
As lições de vida profundas
Íntimas pessoais
Sensíveis
Quando se vive momentos sem destruir
Sem destruir o fractal tão sutil
Da presença úmida
Do barro em composto magnético
Mares e lagunas pele adentro
A superfície suspira
Cadela prenha
Resmungando rumores dum futuro lindo
Cobrando ceias fartas com suas tetas inchadas incobridas no carpete peloso viralata.

Em invernos
Vez ou outra alguém se contentava por uma vida
Ao ver a olhos nús no arlivre o azul de fundo e os ouros solares
Ai benção exclamam
E o calor sobe
E sabe-se que o amor queima na grande fogueira duma irmandade
Faz em fumo
Vapor sumiço
Que leve seu tempo
E o tempo some
As arestas e frestas das janelas se espaçam
Se engolem
E não resta senão a grande borboleta.

Cronicália

Era límpida manhã no trópico
Mariasfedidas acasalavam sobre casco de pitangueiras
O suor pórtico da glória musical abençoara os despertos
A imaginação ingênua genuína aprisionava o poeta travesti
A argamassa do presente social pulsava em fétida e alegre criolina
E um poucado engravatado sem rosto nem nome dava as ordens ao maquinário pesado.

Sem opções
Inútil dispensável
João carregava formigas mutantes em suas veias
População que tirava-lhe proveito
Em troca de obediência
Até que certo dia
João pediu aos insetos por paz mundial
E noventenove centézimos da população humana
Foram devorados por libélulas e lagartixas ensandecidas.

Criança em cruzada astral
Nascera com quatro braços coordenados
Aprendeu a voar livre
Latejava amor infinitesimal trapézio adentro
Esquadro monumental
Rota das índias infalível
Sagrado ohm silente
Os trinta dedos tensionaram
Em vôo solo à citara
Espargiu-se em luz invisível
Depois tornou em cera e seda.

O médico doutor tossia asco
O estudo corrompera-o
Fizera-o sádico irrazôneo
Estresse funesto o messias trocara as linhas
O grande experto em anatomias
Tomou gosto cruel perverso
Envenenava dolorosamente seus pacientes
Com receitas que jamais seriam decifradas.

O que mergulhou de crânio em rocha
De oito metros acima
Não morreu mas esqueceu
Esqueceu segredos vitórias e lamentos
Amnésia violenta que o libertara
Diz que só fazia o bem depois do incidente
Tomara o blecaute por dádiva
Decidira dar-se uma chance
De ser quem sonhava ser.

Milagre da dona de casa mestiça
Negra desprezada de nossa terra
Dando-se à prole fazendo fé
Pondo lenha ao fogo da água
Paridora
Que nunca terá um retrato publicado nos jornais
Nem no dia de sua morte
Inválida
Mãe feroz do futuro valente
E empregadinha honrada
Cabisbaixa à patroa patrícia
De bocetinha azedinha marcomida
Desleixo burguês ordenando a gentalha
Mundo injusto se dizia
Primeiras revoltas.

A hora da estrela do circense
Pobre jovem confusão
Lançara-se sem aviso ao abismo
Sonhara planar
Mas trocara sentir por saber
E a mente mentiu
A casa caiu o circo faliu
Quis que a ânsia fosse pronúncia
E se perdeu na denúncia
Deixou o prazer por amor
Fez rinha por carinho
Beijinho pra resolver a dor
Que antes de casar sara.

Na Berlinda

Benção do vazio
Espaço vago dissoluto
Tudo que lhe restava
Era saber respirar.

Os grandes olhos da criança carente
Encaravam a pior resposta concebível
O silêncio mortiço amargor da injustiça.

Mas ah sábado incomum
Num protesto pacífico
De krishnas e haribôs
Indigentes largavam-se tranquilos à calçada
Sastifeitos da prachada vêgan grátis
Consagrada em plena avenida paulista.

A índia palhaça salvatriz
Mãe de luz na procissão
Alegrou sorrisos na sem lar
Fez dourados até as horas
E sob suplícios de não se vá
Chorou por ter de ir embora
Ter de tirar a maquilagem
E deixar de volta a criança
No anonimato da estatística.

Faniquitos

Liberdade
Ilusão e trégua minha
Cegueira que me parte
Estilhaça
Em truculências da ginga orgástica.

De onde esta ojeriza contra a merda?
Perguntara denovo encolerizado
De onde vem este nojo abominável?
E então calmo
Ouvia gatos em cio
Rodeando suas núpcias tão naturais.

Eram inaugurações
De templos inefáveis
Mentes despertas
Brilhando nas estrelas dos sorrisos das grandes boas venturas.

E a memória vive ainda
Explode em matreirice
Nossos pés fugazes rogam
Pelo coração do cego
Que conhece o mundo pelo tato
Pelo faro
Pelo monocromo do canino
As mil vistas da abelha
Todo infravermelho orgânico que nos permeia
Ai espiral tão perfeita
Sou a ira do tufão nefasto
A maldade do tirano ignóbil
Ah materna gratidão
Ah meiodia de minha surpresa
Fiz sonhar
E tento e tento
O tempo é o grande sonho
Não tenho nada e possuo meu tempo
Tempo meu que é todo meu espaço
Ah vôo platinado
Maturado
Ai foice que poda
Ai vinhedo maturado de minha discórdia
Quero ser a luta pela vida
Pelo lilás que me honra
O renascer da emoção.

Ah alvorada do inesperado
Fizeste-me chorar
Desacalentado
Num assento banal de condução pública
Agarraste-me
Na voz dum cantor mendicante
Estiraste-me no pranto redentor
E a figura daquele homem vive agora em mim
Palco móvel interino
O latino cantou dandaras e odaras
Depois passou com o chapéuzinho
Três canções durante talvez quatro paradas
Mas ah tenro eterno
Sagrada lição
Hermetismos em cada esquina
Somos o povo com a batuta na mão
Pois que segredo-lhe comparsa
À tôa
A evolução do mundo é o samba.

Inconveniente

Por que eu tinha que amar o que mais dói?
Por que eu tinha que perder curiosidade por tanta coisa só porquê me apaixonei por algo tão distante?
Por que minha vida tinha que ficar triste porquê eu te conheci?
Tinha outro jeito?
Será que eu posso estar alegre com tudo isso?
Por que eu tinha que ser um idiota perdendo tempo com imaginações românticas?
Por que eu tinha que me desgastar pensando nela só porque estou desocupado?
Será que não é melhor eu ir trabalhar pra esquecer?
Inventar qualquer diabo de ocupação sem sal só pra me esquecer?
Esquecer pra ter paciência e deixar a dor curar?

Dor de que afinal?
Eu não sou nada pra ela
Nada
Sou só uma esperança estúpida fora do lugar
Uma criança chorona que não sabe querer
Quem sabe se eu sou alguma coisa pra ela?
Talvez só um ser confuso vidrado naquela pinta que ela tem no rosto?
Ou um inconformado sem salvação amargando o impossível dum desencontro?

Nada
Nada
Sou pó ao vento
Uma personagem uma caricatura
Que talvez enquadre neste ou naquele sonho dela?
Mas ainda assim só uma imagem idealizada
Não alguém que ela quer
Talvez só um bando de traços que por sorte ou azar fizeram-na pensar
Pensar que podia ser
Daí eu fui me deixar pensar nela
Fui me deixar ter esperanças
E pra variar
Melhor era ter feito silêncio
Ter evitado a ilusão
Assim não tinha me tornado tão insensível ao prazer que me rodeia
Não tinha deixado pra escanteio a paixão ao pé de mim
Pelo sonho duma incerteza triste.

Cale a boca
Cale a boca idiota
É o que peço pra mim mesmo
Cale essa boca ignorante
E faz o que deve
Deixa o tempo passar
Não adianta chorar
Ela está longe
Ela é só uma imaginação afoita
Que você se permitiu moldar
E agora ela te odeia e sofre também por isso
Porque ela quer ser ela e você você
Mas assim não funciona
Porque amar não quer dizer que as coisas dão certo
Só quer dizer que é amor
E caraca a coisa é complicada viu
Eu queria esse prazer
Ai idiota
Não consigo abandoná-la
E me exaspera não saber
Se ela precisa de mim
Em algum nível
Se ela ao menos acha que precisa deste nada infantil
Sentimental inútil apaixonado
Talvez seja egoísmo imenso achar que ela me faria feliz
Que tem ela com minha felicidade?
Coitada
Que tem ela a ver com meu sofrer?

E se sofro por ela
Por tê-la ou não tê-la
Ainda assim que tem ela com isso?
Deixe-a respirar insolente
E vá desaventar
Faça barulho em seus tambores
Fume até fazer lágrimas pelas orelhas
E esquece
Esquece um pouco pra que possas viver
Esquece que teu grande sonho está bem aí
Esquece que teu grande desejo está a sorrir pra ti
Esquece que ela existe pra que possas de novo te sentires banal meu filho
Esquece pra que possas retornar ao banal da emoção
E não mais queira se afogar em angústia juvenil
E não mais sufoque o destino dela com tua fraqueza humana.

O Frescor

Gargalhada gozada
Ê atulhada santa dona desgovernada!

Pânicas e pêias
Piras prolongadas por pernas longilínias
Lótus loucas lisas sedas
Azuis anís sutis ardis
Olés rastapés parangas e raparigas.

O sono sonso do sem sonho
Sina sacana trétrébacana
Úi rima enrrasgo ruidosa
Tudo ruindo e o rico rindo
Patacos escorrentes de titica!

Xânas cheirosas estremilicantes
Chama inflama imensa paixão
Linhos lilázes lázulis louváveis
Secretos reclusos mistérios leais
Verdades veredas vinhedas virgens
Voltagens vontades ohms impedâncias.

Sofrido sufoco
Densa ditosa fonte
Fome firça fúria foco
Finas facas foices fumos
Broca trocas força fossas
Moça torta louça crica
Despertos apertos.

Crise crônica da crítica
Contra versos controvérsias
Canções cansadas caladas
Sangue suingando suor
Ardor sem dor dom de amor.

Vou voar
Vil vadio vigorar
Vai vir valor
Virá vento vão
Sopra o sopro ancião.

Cantiga candanga
Falácia mulamba
Cortina curtida
Mel cruel ao papel
Viço vasto vicioso
Arrisco arisco
Ponto em ponte
Conto me conte
Deonde praonde?

Mutualismos

Não ouvira a voz de seu ármario
O jovem desatento esbarrou
Fez roxo à coxa
Quase se faz coxo
Mas não ouviu o aviso tão claro da mobília
Que dizia tende cuidado
Seje mais calmo
Não esbarres à toa
Em teus espasmos de ações gratuitas.

Não ouvira a voz do semáforo
O trêbado atropelou a criança
Passou batido nem viu
Que socorro que nada
Ele desconexo estava atrasado
Corria pro tempo de ver o pontapé inicial
Da partida de futebol duma quarta-feira imbecil
E o vermelho
No farol em alerta e na rua em sangue
Passou sem voz.

Ignorara o mofo e o musgo
Em sua goela perdiguenta
O banqueiro ria
E seus olhos azedos de traição ardiam
Nobre vingança do verde
Não regozijava realmente em sua chamada alegria
Ela era um espirro catalítico
Que o fazia odiar-se mais e mais
E por isso destruição era sua única saída
E lutava contra a umidade inerente
E pessoas morrendo.

Códigos impostos à força
Uma sociedade cega de bilhões
E todo niilismo arrefecido num bom banho de sol de meiodia tropical.

Que as hortas familiares hão de continuar
E vamos como sempre passar por de banda
Contornar esta manipulação genética decrépita
Que a Pindorama perdida há de sobreviver
Não vamos sucumbir ao envenenamento de nossa comida
Não vamos nos dobrar à proibição de toda cura natural
A Terra Brazyw tem a farmácia no quintal
Não vamos trocar os aceroleiros de nossa mãe
Pela palidez dos ciborgues adictos do fastfood.

Fastfood
Yeah
Mas a digestão é lenta
Lenta como a burrice aspartâmica
Lesmática.

Punhado de sal sobre esta nêura
Vejo a lesma derreter
Ah bela vingança poética
Não é o homem que é sutil mas sua crueldade.

Crueldade alegre
Do caçador brincando com a caça.

Pensam eles que brincam conosco
Peões em seus jogos de conquistar o mundo
Jogatinas da politicagem
Pensam eles que brincam conosco
Mas é diverso
Enfim seremos nós os últimos a rir
Pois a felicidade do amor segue
Dobra eternidades torna e segue sempre
Mas a felicidade do bastardo ganancioso
Esta nem nunca chega a nascer.

Da Majestosa

Finas linhas
Caules de flores invisíveis
Desabrochamos em esferas infinitas
Parceiros no crime.

Crime de amor
Violência à avessa
Armada de carinhos
Escuderia de respeitos
Estratégia humilde.

Vislumbro algo em mim que é comum ao próximo
Um pensamento secreto partilhado
No toque sensível da relva
Desliza a pequenina
À brisa
Sente-se em pleno vôo em sua corrida infantil
Sua alienação sincera dotando-a de magias
Coração clandestino.

Ela talvez nunca tenha sabido
Ou talvez nunca se tenha lembrado
Ela talvez não possa se lembrar
De quão vera e profundamente bela é
E amo-a desconjurada
Indefesa uma rainha
A pele branca tenaz
Teu olhar sério inquiridor
Esqueceste-te de inquirir a si mesma incomparável musa
Ou quem sabe saibas
E sejas tão correta de não te levares tão a sério?

Quem sabe saibas de tua mesma beleza
Mas não te leves tão a sério pra que possas viver?
Pra que possas respirar enfim a normalidade dos teus dias?

Santa esquecida
A flor mais bonita do mundo
Que ninguém nunca parou pra olhar bem.

Paro e fito-a eu agora
Fito-a à distância
Tú quase desconhecida amada
Estás dentro de mim
Como um sol acolhedor e curioso
Que faz sempre despontar ao céu.

Não te esqueça mulher
O dinheiro todo que roda
A máquina com que e à que se sujeita
Toda balbúrdia de maus temperos
Nada importa quanto a límpida saliva que reluz em teu olhar
Desfaço-me do mundo
Música é tudo que me resta
E bailando a canção da natureza em mim
Deste-me a mão
E pensei que sorte
Pensei comigo comovido
Que sorte a nossa.

Esparrado

Zune o jato luzente
Creme de magnólias
O bege fértil explode do ventre varonil.

Gozo incontível
Malícia alegre cuspindo glória seminal
A tromba sagrada aponta ao fundo
Falo em talo buscando entalar
Pilar de mármore moreno
A flôr máscula em mácula
Logo quer brincar mais um pouco.

Retração do sucesso
A liberação exige força
O novo tirano impõe curas
Quer o tanque cheio novamente
Quer outra vez a gula felina
À espreita de donzelas delgadas
Quer o amor verdadeiro engatando a quinta
Aos pimpolhos que rogam por ver o dia.

Missões perigosas
O amor elevado recompensa
Com bravura e sentimento
E nos labirintos de origamis modernos
Calçadas atulhadas de bichos bípedes
Sob o sol de esplendor de todas as manhãs
O relaxamento alienado dum sonhador
Esperdícios imponderáveis
Ode visceral dum esporro lúcido.

Mundança

A folha ainda está branca
É o princípio desta vida
Fantasia inequívoca
Tudo muda no mundo
Mudo em dança o mundado.

Inventam dúvidas caducas
Neste templo de asas livres e claras como água
E sempre me aturdiu perguntar-me se a vida valia a pena
Era-me como uma traição infantil questionar-me.

Ai intensa paixão
Decantada na inocência da intimidade
Laços com que nos enlaçamos
Olhares desgrenhados na meialuz da lascívia
Hálito sutil do horizonte vespertino
Enfunando as velas largas dos sentimentais
Cotovias e picapaus cinzentos cantarolam
Pau no ganho da suprema verdade de Miles Davis!

Ai glória moderna
Afogando a faunaflora em cornetas elétricas
Mastigando tudo com mandíbulas de gruve violento
Meus pés humanos loucos rogando por fumaça violeta
Rouquidão trespassada da alegria dum amor infinito.

Olho pras palmas de minhas mãos absorto
Linhas ingênuas descrentes descrevem hábitos facínoras
Em simbiose com tudo e nada
Quero o peso da ânsia avassaladora
Desdobrado na angústia da cumplicidade
Escolhas que nos escolhem
A vida é o estrondo.

Bem já me esqueço do que dizia
E em devaneios reencontro a alvorada do pórtico agora.

Alva eterna reluzência pórtica do agora inefável
Reencontro-te sempre como um filho meu
Como um filho que gerei sem nunca saber
E que de repente bate à minha porta
Vem-me dizer que sua mãe morrera
E que este pai desconhecido é tudo que lhe resta
Só que este filho
Ai filho meu
Sou eu
Marmanjo datando quarto de século.

Mas tudo bem hei de dizer
Antes tarde que nunca!

Dou-me oi
Olá eu mesmo
Sou múltiplos
Ai cilada escabrosa
Sou todos
Sou tú leitor inesperado!

E tanta cultura humana aglomerada
Este zeitgeist ianque da mitologia dos direitos civis
Pondo em venda no mesmo camelô budas e cristinhos
Quanta religião ainda animando disposições sionistas
E no coreto pagão de minha pracinha
Uns doidões batucam djembes djiridus gaitas e cabaças.

E me lembro da musa amada
Musa que não sei quem é
E que são tantas em mim
Ah mulher
Ah santa safada tímida e destemida
Mulher úmida e cadente
Salsaricando sumo acredoce do perdão
Testando fertilidades em pompoarismos desencapados
Ah mulher faladora
Que quando cala faz todos tristes preocupados.

Tenho sede
Estou ao deserto
Saára nublado de minha ganância.

Tenho o ouvido direito ferido
Pelo sônico furor de minha folia
E talvez a intuição demasiado relegada
Busco novamente o instante presente
E sou mil borboletas brotando dos casulos
Sou cipó etéreo verde esgazeando vitalidade em odes rebuscadas
O azul claro cintilante das boas lembranças
O calor duma fogueira ímpia clamando sacrifício de virgens
Amor solar
Escondido sob a fina camada da superfície
Ascese honesta e foragida
Sou um cão saído do mar sacudindo todas as juntas pra me secar.

A Treva

Invisível e palpável
Treze juntas vinteum dedos
Vintedois quem sabe contando com a dorsal dois patinhos na lagoa.

O que chamamos cópulo
Duas aves numa mesma
E mundamente às vezes inté mais
Orgias apocalípticas à mansão de Hugh Heffner
Salafrários bancários e outras bancas opacas
Esqueço-me de tudo ruim
Abençoado desapego
Que desagrega o preconceito
Que desdenha a morte e o número
Que quer ver em tudo senão inédita impetuosidade
Que quer entoar o cântico dos mestres de si
Os melancólicos criadores que inventam úteros guerreiros em suas entranhas
Pobres simples humildes universais às margens da discórdia da imprensa e da pólvora.

E o infinito todo é um único objeto
Sonho privado e alheio um único objeto
Vida privada e alheia um único objeto
Numa mesma espiral doce fulgurante
Toda inanição e todo sentimento que há
Nos multiversos transpsicanalíticos de toda latejação molecular viva
E então o cosmos todo como algo estranhamente vivo
Cada ponto indivisível de tudo como uma papila auricular esfuzionante
Cada mínima partícula invislumbrável da existência como uma pequena audição altinossante autocontida
Um olhar em cada tudo de cada nada
A eterna liberdade do sustento de toda rede indefinível.

O coração pulsa
Exige atenção
Quer ser ouvido
Atentamente.

Máquina frágil de meus rins
Ah pérfida beleza da carne crua transpirante!
Ah incrível mormaço da nostalgia technicólor
Tons e jérris pernalongas e patolinos de nossas origens insondáveis
Geme
Mas não lamentes
Suspira lança-te mas de olhos abertos forasteiro!

Fanfarrão
Alienado
Ouvindo pipocos à esquina
Metido a ter medo de balas perdidas
Gaya arrota rúculas e agriões envenenados
E tudo mais que não se sabe dizer
E um agradecimento descartável
Grato mui grato obrigado amigos
Obrigado primos tios afilhados
Obrigado a tudo que é gente que sente gratidão
Agradeçamos
Ao inerte do núcleo do foco
Instinto de fleuma pneumático
Neutro pagão em sofisma tranquilo.

Aquilo que chamaram sentimentos
Se abre com o expandir-se das costelas
Gesto inócuo de espaçar as fronteiras da métrica.

E quando se aprende o amor
Quando se se esforça pelo aprendizado da vera magia do profundo amor lúcido
Não resta senão atender aos chamados
Sair à rua
À estrada
À cata do com que se mexer.

Da Efemeridade Irretocável

Consagro-me à poetiza
Nua musa e trovadora numa mesma
À que clama à cura do toque
Refinada aristocracia babando nas pernas abertas
Consagro-me à musa despersonalizada
À musa eterna que em tantas habita
Que roga ousadias e encara dura e alegre ao fauno em marasmo.

Estética falida
Sou a falência dos termos
Quando estou a escrever e penso em que me fascina
E transcrevo anônimo as linhas dos lábios rosados
Fazendo do ventre salivante o zéfiro estonteante
Útero de magias gingadas
Fontes confluentes desembocando em oásis fugidios
O pensamento inspira truncado
Por sobre a letargia dos chocolates.

Lançava em vôo seus dragões
Parafernália rítmica que o perseguia
Mais
Tonalidades pusilânimes empurrando-o
Ferozes alegrias musicais autocontidas eternas em cada segundo
A resultante de suas apreciações
Sua diretriz era uma sinopse reciclável
Curta diversa e divertida melodia que o empurrava
A afirmação de sua presença era uma canção a si mesma
Por si mesma
Era um improviso lúgubre e certas vezes doentio
Epiderme catastrófica suando sangue de escaravelhos
Seu caldeirão fumegava gânas excelsas e era pura progressão harmônica
Seu coração dava o pulso
As cadeiras caminhavam as cadências
E seus pêlos e cabelos em arrepios sutis ditavam croniquetas sazonais.

Perspiros

Ar perene
Dum templo de sonhos renovado
Novas infrestruturas
Tudo nos trinques sem exagero.

Bem maneiro
Tento maneirar
Sem tanto maneirismo
Sou o condensar natural
Grafo translúcido em treze fractais
As grandes cordas dançantes nas fórmulas químicas de enteógenos e psicotrópicos
Nossa psiquê tropical
Tropicália psíca
Anormal semidemente abominável
Hordas de gafanhotos mutantes acabando com as agroindústrias do mundo
Chuvas de raios gama beta alfa zeta tétas e ademais
Terra mundo já unificada
Globalização espiritual verdadeira
O amor achou seu caminho
A vida sempre dá seu jeitinho.

Blogalização transcendantal
Troça escorrente pataco
Munheca rompida
Criança mimada
Choque analifático
Disfarces dispersos
Poesia em eixo radial
Vá de trem ao gueto se esbaldar.

Quer-se o samba e não vergonha
Quer-se a estafa o friquesfrique
Não a inanição não a impotência
Só sou o que sou
E isto às vezes me importuna mas só por eu ser tão vadio.

Ai somos tanto
Não te abandona solitário
Goza a sorte de tua noite
Trevas adentro faz júz ao dengo e à audácia de teus ancestrais
Ascendente
Fio da vida àrriba
Tece a teia e escala-a jovem sedução
Faz do sotaque da gíria a antemão
E não desesperes na fome de tua monotonia
Tão vasto é o mundo
Louco imbecil
Enclausurado
Veste-te e testemunha a vida que te alimente praga desleal
Vai de encontro ao ocaso em teu acaso
Acaso tão único cristalino infinitamente pesado.

E no buraco negro em descompasso
Me vejo correndo pro abraço
Quieto
Quero a dança
Quero o cassino os bordéis quero meu tupiniquim destroçado.

Lucidez

O amor é a ardência
O passo de dança mudo
Os interruptores ligados.

O amor é foco sutil
Que faz mudar toda vida
É a liberdade doce de despertar
A constância da luz que aquieta
A atrocidade estelar que regenera.

O amor é a fome do saciado
É a maria das dores que quer ver todos em harmonia
Que quer sentir paz pra sempre
Mas uma paz louca sacana e safada deslumbrada.

O amor é o ódio do desgastado
É a calma alerta do confiante
A rubrica divina inconfundível.

O amor é a fé cética do maturado
Sobriedade deslanchante do dançante
É a coragem séria do pirofagista
Riso estranho solto do que vive de arte e amizade
É a batucada incendiada interrompida pela intolerância
É o pesadelo sangrento que ensina a reciprocidade.

O amor é a interdependência universal
É a ponte viva entre tudo que é vivo
É a inteligência do instinto degolador
As mãos calosas do gênio escultor
A boca seca do maratonista vencedor.

O amor é o bom futuro partilhado
Frutos da colheita unificada
É a pimenta e a banana no arroz com fejão
É todo beijo dado em hora e lugar certo
É a tristeza inelutável do espontâneo.

O amor é o brilho no olhar
É a cumplicidade de todos os sorrisos
Núcleo pulsante de toda boa emoção.

Cafuné

O jovem calado
De ouvidos tapados
Ouvia apenas os baques graves dos passos que andava
Às vezes parado
Num momento tranqüilo
Ouvia o tambor do coração e a ventania na cabeça oca
Em seu trajeto entre o rio e a música
Ouvia o sangue correr e a mente rutilar
Afogava a sede em cloro imperdoável
E tornava à ardência da cadência
Ouvia o silêncio da música
O perfeito silêncio criativo aflorando em mãos musicais.

O hálito sussurrava envolto em si
Uma psicologia orgânica a si mesmo
Problematizava-se pelo prazer de ver-se como solução
Dobrava as esquinas das indagações
Pelo estardalhaço do sucesso lógico
Fazendo folclore ultrajante além de deuses e demônios
Além de crenças em oposições de valores
O hálito era um cobrador indecoroso aborrecendo-se
Um habitante impacientando-se do desleixo da morada
Um descaso juvenil satisfazendo-se em ascese profana.

As cores empurrando o mundo pra dentro dos poros
O ar cheio d’água inundando o olhar presente
Plasma eufórico a desfibrilar a tensa farsa
A loucura rangia rancores
E o amor sempre terminava por resumir os nomes de todas boas coisas na vida.

Inesperâncias

Vai
Desgarra-te!

Desaflige-se presto
Siga o sonho
Jamais desista
Persista na ilusão
No erro da alegria.

A vida é curta
O mundo é tão grande
Mas não lamentes
Diga sim
Desfrute o poucado que resta
É assim pra tudo e todos
Melhor é não estar apaixonado
É viver a certeza neutra
Duma morte pagã.

Sem pompas
Anti-herói patético
Siga o sonho
Esqueça os limites
Permita-se sua dose de veneno e mistério
Abrace ainda o horror que te acalenta
Seja forte
Abra-se ainda
O medo que pulsa implica vida
A dor que lateja implica vida.

Avante
Sorria jovem!

Sorria
É tudo que tens
Gesto espiritual libertário
Sorria acima de si mesmo
Que cada um muito pouco é
Mas tudo em si é tanto que faz cada um valer.

Os amores vêm e vão como florações e primaveras
E em teu seio o palpitar do coração comociona
O ir e vir do alento do hálito breve
Toma conta de teu ritmo bom vivã vigia-te
Espaça bem teus passos
Cuida tornar-te pedra e mata a sede aos beijos.

Não há consolo ao atormentado
Não há salvação ao convicto
E o erro será sempre apenas interpretação pessimista
E a falta será sempre apenas esclerose e cobardia
Que a perfeição é imanente
E o fluxo é eterno.

Adorna-te colorido
Vaidoso em tua discórdia
Glorifica-te por tua insônia
Por teu ódio tua ganância
Ah pérfido sonhador
Ah santo tardio podador cruel
Entrega-te ao suplício
Mas em silêncio
Desfaz-te em angústia
Mas em solidão
Pra que sejas águia em renascimento
Pra que sejas maçã na boca da serpente.

A vida está escondida
Secreta pra nós
Encoberta pelas estórias do mundo
A vida ardente
É muda
Está reclusa na mudez -
Faz-te mudo então bailarino
Honra teu vício e cala-te
Cala-te e não te arrependa de nada!

Cala-te e não odeies para trás
Odeie para frente odeie a si mesmo agora destrua-te a ti mesmo agora
Mas não odeies para trás.

Vê surgir no horizonte longínquo
Aquilo a que chamais tua esperança
Aquilo indefinível e inimaginável
Que quereis cunhar tua altíssima fé -
Vislumbra na distância indifirente
No toque frio da platina negra do vazio
O devir imprevisível que te faça suspirar
O futuro incerto do humano que queremos semear.

Se fizeste tua parte
Se te couberam grandes feitos
Se foste seta indicadora
Ou suíno na lama -
Aceita-te assim como foste e como és
É o mínimo que fazes.

Encara tua putrefa face
Admite teus pestilentos estanques
E se tens tempo ainda
Sorri e faz justiça ao passado
Sorri e abre a janela do espírito
Pra que ainda uma vez banhe-te a luz sutil
Pra que ainda uma vez sinta dentro de ti o inconfundível instante corrente.

O tempo corre solto
Corcel furioso indomável
Pra tu e pra tudo
E por isso digo-te outra vez
Sorri
E corre
Pra que não esfries desatento
Pra que o vento de tua alma bafeje sempre quente.

Vai
E não te esquece jamais
Que de tudo que fizer não há recompensa senão mais vida na vida
Depois de toda obra pronta todo estudo feito
Não hás de tirar de teu esforço nada senão tua mesma biografia.

Lumenescência

Verdade alumiadora
Vôo de ave canora -
Que são teus segredos?
Que és teu que chamas teus segredos?
É o que proponho.

Quero ler um mesmo livro vinte vezes
Pra poder carregá-lo em mim
Ó bela arte decoreba
Imagens em que me fixo mais e menos profundamente
Transes em que me permito adentrar
Busco a inocência inerente
A inescapável inocência de que tudo que há.

E mais que cifrar em minh'alma prediletas
Mais que ter merecidamente forjado um relicário de sonhos marfim
Fui além e quis o silêncio
Quis o pior egoísmo
Mago ensandecido comandando uma caridade estrangeira
Quis ser mãe
Pai e mãe de si
Quis ser o juiz e o carrasco
E o silêncio refulgia toda impedância inextrincável
Enfim cansei de resistir
Aceitei o descontrole
A inevitável irresponsabilidade.

Quis amar
Sim quis amar a tudo que não podia evitar
E em fé desvairada cingira-se extramundos élficos agartas inesquecíveis.

Ninguém podia explicar
Era isto que o confortava
Via no melhor a cristalina capacidade de explicar que o essencial não se devia explicar
Exatamente por não se poder explicá-lo -
E fazia-se ouvir
Ah ohm sagrado
Marés de vida que correm em meu sangue
Tantos mundos este em que vivo
Tantas vidas belas com que convivo
E a isto tudo que dou nomes e verbos e gostos
Este mundinho de letras que chega a me fazer pranto
Esquinas sideradas duma crônica íntima
Sou as estradas que percorri
Distâncias que galgos aos pés ou aos vôos.

E ah como voamos
Mal o notamos
Sóbrio braseiro
Araras floridas
Em lunações contando dias
Ai loucos que somos
Somando em números as vivências
Prevendo em tabelas os partos e vacinas
Ai também pródigo besta que sou
Nego isto e aquilo mas não nego a realidade
Ou enfim o preconceito do que se chame real
A ilusão do que generifique substância ação e composição
Afirmo este que quer que seja
Que não sei bem o que seja
Mas que inequivocadamente afirmo que é
Pois sou
Seje como seje
Infindas partes indivisíveis duma única coisa indefinível
Ou individuum mortalis solertis urbanus
Etimologia sacrílega à tôa
Ah como voamos
E mal o notamos
Bastardos prolixos que somos
De diafragmas falidos e coragens mornas
Ressequidos de foligens ratos perdidos que somos
Nós gradecidamente os esperançosos.

Duvidosos e desconfiados
Mas também firmes confiantes
Avesso das falácias de valores comuns
Cousa douda sem fundo
Desbundo da imensidade cósmica estriquinante
E tudo num feixe azul e rosa de atepê
Ou prâna
Fique o cardápio de lâmpadas aos sequiosos
Somos vagalumes bem legais
Na ilegalidade em certos ângulos
Mas enfim os caras bem legais de hoje em dia.

Psicodelia turva
Passadismos pop e ruminares de contraculturas
Nosso século novo esbalda de horror
E também estrupa sem matar -
E na sorte sem nome
Redenção desinteressada
De gírias roucas dialetos trouxas
De alegrias recondidas nas alegrias desconhecidas
Que partilhamos como segredos
Letras feias e bonitas que cunhamos coisa nossa
E que não são senão propriedade irregovável do frio parado do negrume vivo do estender-se universal.

O supremo desenrolar
Naturalidades vivazes
Fartamo-nos sagazes de amizade séria
Séria tensa e rígida
Estrondosamente pétria e alegre em sua tensão
A gargalhada desgovernada entre párias
Pondo a dor junto com o gozo puro da partilha entre leais
Fazenho vinho em água
Pra curar os descabidos
Fazendo aço da pedra
Pra circunscrever a espada na insistência da atenção
Fazer dum ponto de leito de terra
A Arma Secreta
Sabre de luz mundana
Ceifando sonhos a valsar
Foice abrupta da amnésia.

Desambiguações

Tudo são flores
Elas e eles são flores
Tudo que é vivo são flores.

Vida em qualidade de pedra e água
Vida em característica de carbono composto
A vida é tudo ao mesmo tempo
Por isso tudo é vivo -
Que me discerne da pedra e da água?
Em se falando de técnicas excrusive
Que matéria que me forma que é tão diversa da do ar?

A escolha o controle
A inteligência humana
Quanta pompa não se faz entorno de tais nomes
Sisudez sem graça
Geral quer afirmar que é livre que é justo que pensa
Ai galera desencana que a vida engana.

Ouço pela planta dos pés
Danço abanando as orelhas
Mãos adentro o fio o lume a nutrição quântica sônica.

Vejo com os olhos
Mas olho com o espírito
Foco infinitesimal
A grande sinapse da alegria
Nervos de aço coração tumescido
Um grande desprezo pra limpar o pensamento
Bom desdém que permite valsar em pleno.

Sorte danada que tenho
Redescobri a missão da cura
O bailado transmutador
Reinventei minha ilusão
Diabo sortudo que sou
Nenhuma metafísica me pariu
Minha pátria é o sal do mar
Minha salvação são os açúcares por aí.

Tudo são flores
E tenho ouvidos nos pés.

A alvorada canta
Alegria é orgia
Força é frequência orgástica
Dançar é transar com o cosmos todo duma vez.

Sou sexo
Puro instinto de violação dominação
Sujeito porém a algo estranho e volátil
Que aqui agora convém cunhar minha sensibilidade -
Também porquê pouco vale um grande poder
Sem os freios lógicos da meditação
Pouco vale a suprema saúde
Se não regida pelo pensador sutil.

Dizem por aí tesão paixão amor eterno
Falam de compromissos burrocráticos -
Tudo é sexo
E o homem anda broxa porquê quer gozar com CNPJ
Quer prole mas só com firma reconhecida em cartório
E nem me faço pensar no conceito atual de herança familiar céus me livrem!

Minha língua sibila inquieta
Dentro da boca molhada
O paladar anseia a sopa da musa
E tudo é prazer e riso e leveza em mim
Minha tristeza estúpida aos poucos expurgo de mim
Melancolias nostalgias se me desapeguem
Tudo é prazer secreto
Nas trocas de olhares
Apertos de mãos tranquilos
Sorrisos sinceros mimetizando a soltura
Tudo é prazer em evolução
Pequenos detalhes de momentos
Amizades honestas e ocasos
Esmagamos o grande dragão do tédio
Se se dá ao trabalho de entrenimento
Se se põe ao esforço de apreciar o que há.

A perfeição
Incógnita da razão terrena
Ah arteira perfeição
Caos insípido e incólume
Te conheço e sei de tua inconsciência
Ah perfeita revelação
A origem é desordem é guerra
E o destino é o quando a serpente morde o próprio rabo.

A alvorada canta
Sua lira são todas as gerações
Sua harmonia é serem inseparáveis todas as cores.

Mafagafinhês

Treva trovão
Treta entravada torta retorcida
Trova viva
Teza saliva
Lívida plácida calma alma.

Golfinhos guinguilham
Cegos encestam espantos
Sonhos enquantos encantos
Sóis cantos sons tantos
Derradeiro certeiro eros.

Sinuosa sola suando sina
Sapatilhas milhas a milhas
Enfilas sofias fonias cigarros
Escarros descasos pleonasmos
Tiquetaque juque no batuque.

Perfume encardume
Lagarta longeva
Entregue estrovengo
Estroncha concha
Felaciação folião.

Só samba santa
Samba enseba sambalança
Dança trança lança mansa
Sambalada sambalambada
Sussa assim suave.

Grenha grave
Preto empenteio
Lógus lunares
Cá aqui lá acolá
Sim saravá.

Rubra rinha ranço arroto
Lenta luta lenha alento
Broca bronha bruma embrisa
Dias deides dunas dedos
Zôo zoeira zonzidão.

Trim traz trem truão
Dinguedongue dengo gozo
Conformes formas focos
Exauros restauros faros
Virginofilias vaginofagias.

Camaleonice

Agito
Pra longe toda decepção
Sentido bem sentido
Vou cair na gandaia!

Travando na pegada
Alinhando mil dominós
Revolução à siciliana.

Inventando nova máfia
Amargando cefalexina
O perículo da cutícula
Padrinhos do destempado
Sebo embaçado de marofa.

As bases rolam
Se repetem
A levada surfa
E o ganzá do zepelim avoa
Timtim por timtim
Pancada
Na boa.

O que você tem
E que não tem pra ninguém
Não é segredo mas eu te conto
É o brilho no teu olhar
A vida no teu sorriso
E a liberdade no teu coração.

Bacolejo

Era-lhe estranho e engraçado
A agonia alegre de sonhar acordado
Surrealizava.

Era-lhe obtusamente impostergável a revolta
E depois isto soava-lhe estranho e engraçado
Negando o fato de tanto ódio em sua raiz
Era-lhe misterioso perceber a diversão nascida daquilo
Tudo nascera duma revolta duma negação enfim percebeu
Lembrou-se da hipnose que instaurara em si mesmo
Estalou dedos
Disse uma palavra chave -
Yggdrasil -
E os cadeados se abriam.

E do perigoso não
Do ódio pra com o tudo de onde viera
Dali se ergueu escadaria de mármore rosa
Às alturas e distâncias que convencionou chamar sua cultura
Ai pequenez humana
Daquela revolta daquela liberação violenta
Desabrochara a flôr
Em flôr o coração
A emoção
Solta
Coqueiral sacolejento em Boipebas.

Então dera-se conta
Vinha-lhe sempre tão naturalmente
As coisas forçosamente faziam sentido
Iam pra todos os lados ao mesmo tempo isto notava-se
Mas este destino sem alvo viagem incrível
Ah ele voava alto como a infância que nunca se esqueceu de si
Como o artista que põe o máximo de si em sua obra
E pode ver a carne alquebrar-se
Pois que o melhor de si ficara
Fique como fique
Se é que fica
Mas no momento que foi
Ah sim
Aquilo
Se possivelmente revivido ou sonhado denovo
Aquela lembrança flutua
Na goiabada fumegante
Escondida nos repiques do sol
Talvez até pudesse-se ir além
E aprovar tal descompasso
Sanando tudo dizendo que sim
Denovo sim
No momento em que aquilo há -
Aquilo que é isto
Isto aqui
Bem isto sim meu cólo
Meus braços coração
Meu azul
Que não é meu em verdade
Nada é meu
Não quero ser dono de nada
E então sou dono da maior liberdade.

Ainda contava centavos
Seguia o sonho já sem fantasiar tanto
A gravidade duma rotina atraente
Hábito em desmando numa rotina inédita
O grande calor de súbito surgia
Multiplicamos as apostas
Enfim a infame e correta devoção
Ritos de amor entre espíritos musicais.

A vida ainda empurrava-lhe a cabeça
Pra baixo
Pro chão
O chão sim o chão estúpida
Coisa esta que tem também outro nome senão mãe terra!

Do chão não passa né?
Também não se sonha bem senão mundanamente.

Poderia chamar-lhes motivos
Razões circunstâncias
Pode ser só perfeição inevitável
O que quer que seja
Esta ilusão de movimento dentro do eterno pétrio
Cenas que pensamos virem antes e depois
Nomes que pensamos nos fazer lembrar de coisas variegadas
Ai que é pensar que é julgar -
Bizarrices interrompantes
Babilônia fede
Simplificando.

Postura
Respiração
Concentração.

Ah se fosse assim mesmo tão simples!
Ah ingênuo queres apequenar a face da vida!

Sim me entendo
Não há como desenhar em letras minha mesma face
E a esperança que fica
É que nas entressílabas nas linhas tortas
Fique clara a intenção
Deste sorriso.

Favoritas

O dia é sempre novo
As cores sempre frescas
A fonte jorra além do infinito.

Giro o mundo em pombagira
Baião ancião mesopotâmico
Em cada instante um semblante
Aos joelhos força lancinante
Ao coração sina alucinante.

Fujo da rima pra alcançar silêncio
Me esqueço os mimos pra vislumbrar o momento
Amigos loucos parasitas e simbiontes
Quem muito tem e muito dá fica só com o dedo pra chupar.

No que vão gostando de mim é quando tenho de ir embora
Sem mistério descarado tão óbvio que faz afugentar
Sou solidão pacificada na implosão do ritmo
Sou brisa quente fazendo suíngue às platinadas asas
Murmúrio singelo da boa grama sou a árvore chorando sem testemunhas.

A fogueira queima
Arde e nos une.

Nos entornos da chama
Bandeiras de amor tremeluzem impasses à tecnosfera
Espíritos destros e fugazes deitam ao chão o grande medo
Os piratas do violeta navegam.

Tomo a linha de meu raciocínio e faço-lhe um macramê bizonho
Nós cegos infindos desenhando a mandala do humor
Trançado de nossa paixão gaiana.

A luta pela vida
Há sim os que lutam tal luta
E não me quero esquecer disto
Ahow Ahow Xivas Da Silva! -
E quero ver neguinho me dizer que esta luta não vale o suor e o sangue.

Ode Femonemal

Cãimbra em sátira
Rochedos pontiagudos rasgam a nau
Na tormenta do fim dos credos
Enquanto a alvorada resplandece detrás de nossos cabelos
Um sopro obtuso em lá maior
Afinação frágil de nossa organicidade
Vivacidade refulgente e uma fúria iconoclasta
Fazendo amar o passado e obrar o futuro
Máquina humana fazedoura de sonhos ternos
Indústria de alegria mambembe sócios anônimos
Louvadeus aquele bichinho tão bonito e estranho que lá na China come-se frito apimentado
Rastafarái é como se diz hoje em dia.

Tudo nosso e nada nosso
E vâmo que vâmo é ou não é?

Na paz da luz violeta
Cruz sem pregos
Via cruxiz do bailado
O xis da questão sempre o nó da ginga
Fremem os pés
Címbalos altissonantes
Ânsias e sãnhas de jejum
Fractal de bactérias autodigerintes
Magas patalógicas
E me esqueçam as patologias
Vou seguir ventos de elfos
Lançar um Raul na vitrola pra espevitar.

Quanto me ocorre em minhas andanças
Sorrisos sorrateiros
Tantos doudos passeios
Sou lebre libre em boa Cuba
Cercado de despotismo trânsfuga
Açoite são
Vertigem abrupta
Ratoeira escondida em fundí francês
Belas letras para compensar sentimentos obscuros
Sou o gosto amargo do vômito disfarçado pela grosseria do flúor
Sou minha merda sagrada em espirais perfeitas mente adentro kundalini afora
Sou um calango com sangue de ouro e ossos de ônix negra
Sou o sertão a áfrica esfamaida o ódio mordaz pela besta que em nós habita
Sou um pranto que escorre fora de controle nos entretempos dos espirros sob o sol
Sou a nobre escola do sorrir
Onde leciona-se dos craços falhos
Que se perderam na ilusão dos sufixos e predicados
Que se abandonaram
Se esqueceram da magia violentados eternamente pela desnaturalização dos malentendidos sujeitos e objetos.

A vida é um único objeto
O universo todo quer dizer
E o bocado de vida que tenha dentro dele incluso
Isto tudo é um só objeto.

E tudo se encaixa
Fazer o quê
Se encaixa perfeitamente
E bem pra lá do nosso controle
Bem mesmo bem pra lá do que queremos chamar de liberdade e arbítrio.

A vida é dura
E por isso se tem de ser duro
Pra se ser vivo.

Digo sims e nãos por aí
E me parece que minhas mãos na verdade pensem por mim.

Digo antes e depois eu tu eles
Digo quero deixo luto morro
E sei lá que seja isso
Senão questões que se deva deixar de lado
Pra se ocupar mais de música e amizade
Momentos momentos
A vida é feita de momentos
E é coisa de momento
Pois logo passa.

Se sou um grande homem
Se minha obra vai morrer com o tilt da internet em doismiledoze ou se vai sobreviver útil através dos séculos do imprevisível
Se meus maiores sonhos vão se realizar ou se vou um dia ter certeza disto daquilo ou de qualquer coisa enfim
Destes pensamentos ri a vida
Ri de mim a vida
Dentro de mim ela ri de minha seriedade
Vida louca orgástica querendo sair
Cérberos irados dando de cabeças contra as grades roendo as correntes até perderem os dentes
E pássaros imensos sob as asas negras da imensidão cósmica
Ode marota
Algo insidioso lá no fundo sorri
Quer se fazer entender
Perverso vilipendioso
Vulcão vivo de entranhas pulsantes
Impaciente e também bem hidratado
O estômago guerreiro quer zunir de lâminas
O coração duelista seco pelo laço da profunda inimizade
Que não há parceria compromisso lealdade sem a fera sem a besta mór sem o grande dragão o inimigo comum à gleba.

O grande dragão
Faz da humanidade areia
Areia estúpida consumindo periféricos de informática.

O grande dragão pós-moderno
Liga aspiradores de pó o tempo todo motores imensos troncelhos milhões de coizicas infernais
Que não permitem nunca o silêncio
Que não permitem nunca a contemplação nirvânica da continuidade do grande inevitável
E faz o povo pensar que o tempo está no número
E que ser feliz é ser dono proprietário e patrão de todo mundo.

O que foram as gerações passadas
Que fizeram de nós cegos estultos
Nisso também prefiro não refletir
Quero ser a porra forte em mim
Quero ser o gozo fértil espesso lustroso
Perdoem-me todos os deuses quero mesmo é só música e orgia
Com toda higiene espiritual subentendida -
Mas honestamente
Enquanto jovem
Enquanto jovem ciente de minha profunda condição de improdutividade
Ciente de minha incapacidade de realmente me devotar à erudição monastérica
O que eu quero mesmo é pensar nas crianças do amanhã
Que as crianças terminam por ser tudo que nos restou
A luz no fim do túnel
E a malícia me alegra
Tão perfeita e poderosa a vida
Que maravilha irretocável duma sagacidade intocável -
A via sacra é o prazer
Ou quer dizer
É pelo orgasmo que se concebe a evolução.

Auspício

O foco da lente
Angulares e objetivas de nossos dias
Ah nossa sagrada vitória
Ah pranto represado de minha consolação -
Trouxemos nova vida ao mundo
Trouxemos novo amor à vida
Mesmo que sem querer querendo
Está aí
Dito e feito
Nossa esperança nos alimenta
Frutos doces livres caem das copas de nosso jardim.

Já não sei me enganar
Então me desengano na imodéstia da certeza
Certeza indigente
Verdade mendicante
Ai terminologia obsoleta
Sintaxe amorfa aprisionadora
Estou liberto
Do desatino da lógica
Da frieza do teorema
Intruso num mundo de maravilhas
Pés descalços sobre brasa de asfalto
Ó estradas da terra
Tantas e tão diversas
Caminhos abertos ao criativo
Prova cabal da justiça sem nome.

Quanto descabimento
Me dizem quero viver uma vida certa
Preparando-me pra morte
Me dizem quero viver a vida perfeita
Treinando ética pra próxima
Ou pro além ou pro extramundo duma existência eterna
Eia amigos força coragem
A vida é dura mas é doce como rapadura
Eia guerreiros fronte erguida abram o coração
Nos sonhos temos tudo
Mas a real não é isso assim
E por mais que se desespere
A real é cruel é só uma -
Passo longe de pormenorizar explicações
A graça dela pra mim é que seja assim tão complexa e tão tangível
Tão fenomenal em sua indefinição fantástica em sua próspera diligência
Tão absurda em sua ausência de probidade e ao mesmo tempo tão palpável.

Ah largos vales do Sião perdido
Ó bela alvura do momento indistinto
A substância verborrágica se esparge
Suave unção da consciência
Tragicômica consciência o último reduto de toda inteligência de toda potência
Ah consciência tu és instinto também inconstância e revelação também
Tu és a ruptura do supremo vulcão
Tu és o vôo imóvel do cristal infinito
Ó nobre ventura de minha alheação
Sou espírito de dança e nada mais
Sou a espiral única em que bailam as supergaláxias
Sou uma garça em caça na pontinha das patas
Sou as garras da leoa destroçando a cria fraca
Sou a imponderância do estio abençoado
Verão equatorial numa era glacial virtual
Lótus desapegada
Sou o amor que meu cão tem por mim
O carinho de minha vózinha
Ah como sou grato
Como sou grato minha mãe
Minhas mães e meus pais
Perfeita gratidão é meu nome secreto.

Num silêncio desregrado
Macunaíma de megalópole
Dou vida às máquinas com meu cantar
E sigo cada cor até seu fim.

Perfeita gratidão é meu nome de nascença
Bater dum coração sina sonsa e passageira
Venero à vida como o beijaflôr venera à tulipa
Minha prece silente é vôo de borboleta translúcida
E o universo é um som que cabe todo em qualquer tom.

Em breve sei que rio
Rio de rir
Desaguou minha mágoa
E o rio de minha alegria ganha margens
Tromba dágua sapiente
Estanca o rebanho e arrasta o desatento
Prenuncio medo num rumor
Dou aviso que se vaze vá-se à terra firme
Que a chuva cai e cumula impulso
Rolam grandes pedras de momentos
Foz abaixo arranco árvores pela raiz
Ventos de fúria ainda me ajudam
Desnudando a euforia
Pondo em guarda a hipocondria
Vá se afaste que tal amor vem de arrastão
Vá fuja logo não se afoge histrião.

Pequeno de mim
Imberbe lenhador
O que digo que se me expressa
Vem sem mérito e sem pudor
É a terra fértil em mim que o externa por mim.

Vera perfeita gratidão é meu nome indiscreto
Vera profunda perfeita gratidão é o signo de meu sol
E na entrega à realização
Choque insano da compreensão
Só me resta uma faculdade
Endurecer-me ao zero absoluto da simetria radial
Expansão incansável despertar contínuo de toda fibra incandescência em calmo sangue.

Balada Para Carolina

Digladiando na madrugada
Paixão sem nome rasgando meu peito
Me escapam as lágrimas dum amor perfeito.

Musa distante
Que não tenho esta noite sob meus lençóis
Quem sabe onde descansas
Quem sabe enfim se dormes ou se entregas-te à volúpia
Num breu tão banal de terça-feira
Não sei que há comigo
Não sei que se passa quase me sinto um romântico
Jovem ingênuo sonhando um elo definitivo
Pérfido obrando prosa com viva matéria
Usando-te ah bela ah monumental aparição
Me perco sob teu queixo
Quisera encostar-te neste instante
Ai musa distante.

Em realismo fantástico
Tento esquecer-me do sofrer
Não há tempo que perder.

Não há que determinar
Não há expedições a debandar
Somente desejo estar contigo
E não sei mais que dizer.

Braços de marretas
Dedos de velas acesas
Metamétrico
É erro achar que sei
Ilusão agreste crer-me lúcido
Ócio opiáceo
Sinto algo vago sob minha cútis
Chamo-lhe fluxo porquê evito fixar
Nudez da nudez
Vertem sangue e saliva de meus cabelos.

A roda do dia a girar
Cacti morosos no deserto da glória
Ninfas nuas entediadas
Ai como é pequeno ainda o maior deles
Suspiram aliviadas à alvorada lésbica
E um homem carente se esfacela
Pede sem pedir
Pelo suor das dores do parto
Pela parede branca da boa música
Pelo insólito rubror da benévola maldade.

Selva de meus pêlos
Minha Amazônia em chamas
Brinca manhosa valsa cas cinzas
O futuro do homem virá
Mas não há garantia que o mundo o suporte
Ícaro desmamado
Quantos místicos poentes
A estória do bicho humano tão desentendida
Voz una de antigos sábios
Cantando a vida como doença
Sugerindo enlevar em desavença
Ai dessa rota desalegria
Cansaços amargos por tanto nada se fazer
E pequenas árvores floridas
Rosas roxos amarelos e anís valsando a cadência do alento
O verde incrível explode em mim
E o simpático cachorro resmunga estranho algum sonho insondável.

Desembrulho-me
Afunilamentos
Na memória não cabe tanto
Mas não importa
A vontade é maciça
Desdenho-me subtraio-me de mim
A idéia que faço de mim é um jogo sem regras
Meus ossos são polaróides de faraós imortais
E tanto que corre e subsiste em mim de mim
Já não sei se sou parasita de minha mitocôndria
Aquiles derrocado.

Tantas pessoas em minha pessoa
Poesia pura do clichê
Esboço semblante de michê
E me faço mexer
É funda a noite
É árduo o dia
E a ninfa nua quem sabe
Banhando-se livrando-se do enxofre apostólico
Nua e molhada quem sabe
Fazendo cócegas em si mesma sem notar-me à imaginação.

Os inertes que me perdoem
A prosaica crônica duma vigília
Suspendo-me como boneco fantoche enfeitado
Sacudo das juntas a poeira
Arrisco arisca ginga
Faço melodias à marimba
E o barro duro
Nobre seco portento
De luz ignara e suave
Atravesso-te ânsia minha
E na outra banda de minha presunção
Repouso alegre em confusão
Rolo à relva vou me despencando
Súbito o abismo
Me agarra sem aviso
Estou em quedra livre
Sem medo
A agonia da presença destilada em absinto
Minha sombra vai crescendo
No que o baque se me aproxima
Mas ah cândida liberta rima
Meu coração de estilingue
Lança ao alto a pedra que sou
Mira ao sol
Cega-me a subida
E num átimo de confiança inominada
Na pausa oblíqua do apogeu
Se me escapam minha razão minha lembrança
Não sou mais nada sou pó só moção tração
Deidade em balão de hélio
O empuxo me empurra mais leve que o próprio ar
Meu destino em desalinho é o praonde o vento me soprar.

Papoca

Desgraça pouca é bobagem
É o que se apreende à camaradagem
Felicidade é momentânea
Não nascemos pra sermos felizes
Pois se assim fosse
Não saberíamos o que é a dor
Não haveria o contraste cruel
Que ensina o vero profundo valor da alegria
Que demonstra o quão grato se deve ser à brevidade da satisfação.

Claro que não há realmente dever algum
É mais uma invenção
Mas de todas as invenções de obrigações
A da gratidão é a única que me permito despreocupadamente.

Encaro já ao homem e sua inteligência como encaro à floresta à paisagem
Admiro-lhe a força a sinuosa perfeição
Mas não acho-lhe mérito algum
Já me soa descabido recompensar com elogios à chuva
Não há mais senso de dívida pra com a faunaflora
A grande providência divina não é mais que a indiferença universal malinterpretada.

Quer-se a relevância como artista
Anseia-se notoriedade como cientista genial
Quer-se crer que nossa civilização sobreviverá mil milênios
Como se da pós-modernidade enfrente fôsse certa a continuidade da humanidade como a conhecemos
Como se pudéssemos e até devêssemos considerar o essencial do ser humano atual como o essencial imutável do homo sapiens desde a imemorabilidade.

Só sei que nada sei.

O prazer aniquila a dor
Vitória do hormônio do gozo
A vida é pura dor
Em cada esquina pulsante
Mas ela se supera
Ela cria sua mesma anestesia natural
A força em expansão
Expulsa inclusive a ciência
Devora a tudo
Devora cada sensação
Leva tudo ao chão
E a dor intrínseca é esquecida
Se perde do foco
No alvoroço adorável da conquista
Singela beleza sadia
Nos deixa insensíveis
Ah incrível formosidade
A alegria nos embrutece
Nos torna insensíveis à dor
Até que só se consegue enxergar a luz do poder.

Castelos De Areia

Escorre o tempo por nossos dedos
Escapa entre nossos gestos
Volve e revolve em nossas veias
Tempo sem tempo do eterno agora.

As conexões todas já são
Não há fim algum
Nós rodamos à roda
E isto é o que há.

Uma patifaria
É saber dizer sim à ilusão
Amar consciente da mentira que é o amor.

Assim como percebo que não faz diferença alguma
Sinto tudo vivo à minha volta
E me faço lembrar
De algum pensamento qualquer
Lembrar de sorrir
Vago e alheio
Sorrir acima de mim e do mundo
Sorrir apesar de mim e do mundo afinal
Pois que não há perdão não há retorno.

Se há utilidade nisto tudo?
Se há propósito universal na vida?
Sou bobo mas sou feliz bobo é quem me diz!

Não basta estarmos vivos?
Não basta estarmos remotamente cientes do fato impressionante de que há a vida e de que estamos no meio da coisa toda agora mesmo?
Mas não
Quer-se fazer apaixonar sequencialmente pelo que seja
Quer-se entregar cegamente a qualquer ponte sem corrimão
Por sobre abismo inesperado quer-se ainda dar cambalhota e não se deixa de esperar pelos aplausos
E nada como morrer num erro numa queda nenhum aplauso mais fervoroso que o da queda fatal.

Sigo reto
Por sobre a corda bamba
Não desgrudo pés do chão
Quero ser um coletivo
Quero falar pelos que sonham
Venho à tona de mim
O tempo escorre escapa me foge entre o piscar de olhos
E não sei mais que seja direita e esquerda
Sou urubú-rei planando
Três milhas acima imóvel pairando por sobre todas as tragédias humanas
Ai por demais humanas
Comédias rancorosas o ciúme a inveja
Ai pudendos de nossas almas
Quero falar pelos destemidos
Pelos que superam o nojo e saboreiam o bafo amanhecido
Pelos que estão com todos olhos abertos
Quero convidá-los ao relaxamento
Diabos quero pressioná-los ao silêncio
Mostrar-lhes o lar e a cura que residem na serenidade esclarecida.

Deixo em parcelas o melhor de mim
De grão em grão a galinha enchendo o papo.

Em flores minha primavera
E a indiferença do outono
Sou a febre varonil do trópico
Verão eterno às brisas do leste
Sou o urso em hibernação gordo farto
Encarando com escárnio a alvura do inverno.

Certa feita fôra um conluio de musas
Uma confluência de inspirações
Mas hoje sou descomprometimento extremo
Sou a suntuosa irresponsabilidade do instinto
Surpreso denovo e denovo
Inconformado e contente
Em luto ainda pelo falecimento desta e daquela utopia
Triste sim triste porém lúcido
Revoltado como não porém aberto
Não é um preço alto demais a se pagar
É como posso encorajar ao aprendiz
Não é um preço alto demais a se pagar pela liberdade do sentimento
Perder o prestígio nos círculos sociais deixar de mitigar afagos incestuosos
Abandonar as ânsias de glória e fortuna megalomaníacas se desafogar do oceano sulfuroso da gramática.

Reconhecimentos e perseguições
Salmos calmos
A vida é a arte do caos
É o irreversível decantado
Na via sagrada da reprodução
É o descaso do pródigo
Colorindo a monumental sinfonia inorgânica
Dando espírito às estrelas
Fazendo dançar tudo que ainda pode dançar
Fazendo correr pés e pernas despertos.

Somos filosófos do suíngue
Anatematizando enclaveamentos prolixos
Somos a avalanche desencadeada pelos ecos dos suspiros da entrega
A vertigem ascendente
Escrava da travessia
A nau prisioneira do infinito
Somos os exploradores do erro
Fundindo categorias e desmarcando fronteiras
Como tem de ser
Somos talvez quem sabe um degrau firme
Na passarela frágil da docilidade
Do respeito involuntário
Somos duendes desencanados
Vestindo trajes de arlequins
Suiçamente precisos
Em casta caça de piriguétis
Em nocivo encalço do inédito
Peste infestando festas
Somos a gargalhada incontida
O cuspe descarado às caras do pecado
Faceiros facinhos
Abelhas laboriosas
Nadando no pólen da folia
Fazendo mel de sabedoria
Nutrindo as entranhas da colméia
Estocando o ouro da alegria
Pra mór do incenso não faltar
Pra mór do ciclo não calar.

Progonia

Silêncio reconfortante
A música apodera-se de mim
Arrepios à nuca à coluna
O cajado finca novos passos
Os pés vacilantes
Tateiam os leitos rochosos do desconhecido
Pés leves e soltos
As mãos olhando e vendo o fundo do abismo
Fendas vertem água e cristal no coração da vida
À sombra sonsa de buritizais fractalizantes.

A poeira seca e densa se me apega
O sol inflama as asas solertes do pensador
Os titubeios da arte se desenganam
Ai sonhos infantis ai desilusões tão profundas do amor absolutista
Sou fome de mistério saciada
Sou sede de segredo amainada.

Tendes sedes celestes?
Tendes fomes morosas caro comparsa?
Refugia-te em teu silêncio
Toma abrigo em tua crua ambição.

A tempestade rugia relâmpagos
Espargia-se mítica na afirmação do indefinível
E o sol por detrás
Tão sóbrio
Tão resolvido em sua clara nudez
O sol acima além
Tão indubitável em seu fenômeno
Tão certo e tão imponderável
Sussurrava liberdades irrecusáveis
Tronitruante em seu discurso térmico
Aforizava anomalias transgênicas
Solicitava ao bailante a plena irrestrição da lucidez.

Numa longa estória de desalento
Em meio à insidiosa multidão de bons e justos
Submerso no oceano estéril da ascese idólatra
Nadando impávido entre tubarões
Em caça de lagostas magentas
As guelras do filósofo rangiam a vontade de pureza.

Pureza suja
Descabida
Do degenerado que compreende-se a si mesmo
Do tardio
Que descobre sua ventura no esquecimento da irrazão -
Pureza estúpida
Do homem que retorna à sua infância
E difama o mundo com seu solilóquio bastardo
Abrindo túmulos indevidamente
Tentando mover a pedra do passado.

Deixou de olhar pra trás
De sentir e crer pra trás
E então as maravilhas dum novo desafio se impunham.

Desejava ardentemente um novo começo
E temia a foice sibilante da suprema lógica -
Quisera destituir-me do atavismo
Mas a fusão com o núcleo é somente outra continuação
Somente outro instante infinito dentre infinitos instantes sucintamente inseparáveis.

Os erros faziam-se flores
As borboletas dos sonhos dos andarilhos revolviam-se em seus casulos
Prenúncios de terremotos
Esperança de cataclismas
Que rompessem a pele e o pêlo da terra e fizessem brotar novos manancias do ventre verde
Que destroçassem os templos intocáveis das paixões e impelissem à invenção de novas maneiras de amar.

Um rubato soberbo
Sindicalizando os radicais
Homenagem incitante
Estruturando gastronomias virginais
Síncope suave
Despertando em aridez cosmopolita
O louvor em cada valsa
Salvação que todo movimento implica.

Doce Deleite

Si pá
Lá vou
Vôo eu
Ao estrique da folia
Bonachão
Incontinente
Silencio-me
Em cio
Lobisosmagens
A cracatua e a calopsita cantam
Sim sim siriri sim sim!

Breque estroncho
Suor roto
Bebo da amarga
Ai cunhã
Tua luta impressa em teus poros
Provo-te
Desnudada
Tu és meu galardão
Tu és a sadia mania do meu varão!

Ah como te quero
Ai tanto que canto!

Ah como te sinto
Em todo signo encanto
Teus beiços finos delgados
Deitada à rede sob estrelas
Faço-te sorrir
Os pulmões arqueiam
Pernas joelhos entranhas bamboleiam
Fogo louco
Vou à festa do cabide!

Descambar-me da caustina
Desmembrar-me em cocaína
Sou o tuím da orgia
Ânsia sã de ruptura
Sapagens mouras
Venço o minotauro em mim
Tótem do tabú
Digo sem medo pau no cú
Com acento no intento
Cheirem-me os sovacos caretas infelizes!

Danço funesto
Lambo os lábio é meu gesto
Espalmo palmas
Ceia largada enfaço fumos
Vou de cardume
Atuns salmãos ó bons irmãos
Ginga rubra do açoite
Passeio incauto toda noite!

Vou de certeza
Perversa nobreza
Vou de bem me quer
Sou de quem quiser
Vou de amor mulambo
Na sina do mucambo
Ponho mesa de feijão
Aipim toucinho macarrão
Meto chifre na dengosa
Armadilha de vento e prosa
Quero todas as esposas
Pra largar bem das cousas
Quero todos os conradas
Expertar-me às espadas
Sou o lance que atrai
Ímã mago samurai
Sou o laço desfazendo
Escolho desentendendo.

Si pá
Lá vou
Vôo eu
Aos confins dos jardins
Becos soltos berros loucos
Por trás das moitas preces afoitas
Rasgo vestes quero coração e coração
Peito com peito ventre com ventre
Quero todo abraço mui caliente!

E ó amados amigos
Ó lúdicos da capoeira
Vamos que vamos a noite inteira!

Até o sol raiar
Pra treva se espantar
Vamos nos afogar
É de garapa nosso mar!

Me enrosco lá e cá
Nas espirais da musa sarará
Loura amena sol da terra
Calma borboleta em jatobá
Pra partida um bom óleo de copaíba
Mas se ferida nem procure por saída
Não me deixe sem beijo e queijo
Não me tires a harmonia no que vejo
Dou-te a mão
Sou bom patrão
Em dando prazer vinte vezes gozo
Quero time libre à cubana o entrozo
Aos calcanhares estrimiliques
Côxa e côxa os friquefriques!

Afoxé santa irmã da sarrafa
Evoé ígneo bróder em sinéxtia
Salve salve douda transfusão de sangue
Sambarroque ritmando os sem ranço
Honro a virtuosa catinga
Sou a herança em desencontro
Mistureba espessa clamando pátos
Sou a vermelhidão que tudo permeia
Escondido no branco platina do sol.

Esperança

Como música
Flui de meus poros uma triste alegria
Pranto insano
Desvelando resvalando no mistério.

Respiro fundo
Porquê quero o fim abrupto de meus hábitos funestos
Fedentina indesculpável
Frutos corroentes de minha dieta desequilibrada.

Julgo o que devo
Evito agorafobias
Vou de encontro ao sensível em mim.

Ai testemunho dos sentidos
Tão único -
Minha estória que não cabe em tradução
Que não se encaixa na vulgaridade do linguajar
Sou esta gama de poros e papilas
Trilhões de pontos em dança cadente
Sincronicidade onisciente.

Fiz tanto sofrer meus instintos
Fiz guerra em mim por mim
Pela pátria de minha lucidez
De minha inocência pérfida -
E galguei degraus
Subi por cima de cabeças e corações
Estive à parte do mundo
Fui vaga de superstição déspota
Provei dos antigos elixires e retornei com um grande talvez
Um grande talvez
Cravado entre meu peito e minha testa
O grande talvez
Da mais alta esperança.

Minha filosofia ganhou silêncio e força
Ganhou a prata da lua cheia e o ouro do grande meiodia
Fiz-me rico de cores e até aprendi a nobreza do abdôme.

Recôndito em mim
Interativo e reservado
Lanço em malícia escarlate aos amigos as marés melódicas de meu segredo -
Notas soltas na batucada
Papagaios livres na cidade
Calangos urbanos no apocalipse
Nossa civilização tão ameaçada por seus próprios meios.

Sei que não tenho tempo pra me lamentar
Sei que em meus rodopios desvairados os pensamentos que insurgem rodam à roda do amor
E assim ganham amplitude infinita.

Sou a alegria do aperto de mão banal
Ah quantas sérias alegrias pequeninas e despercebidas
Quanta vera benevolência vivemos em nossas comarcas insalubres
Quanta felicidade debaixo dos gestos inúteis
Dos olhares amáveis.

Sou flecha incendiada
Correndo o vazio do negrume
Flecha de aço
Em direção difusa
Radial
Porém centrada perfeitamente no estratagema da meta -
Sou sol verde
Iluminando a flecha de aço da coragem
Em direção do dízel de nossa verdade avassaladora
Em direção espiral e retilínea do explosivo de nossa orgia pós-moderna.

Sou a máquina de gozo
Incendiando a subúrbia mortiça
Sou o fora-da-lei destroçando mandingas em decibéis extremos bem depois das dez da noite
Estaca cheia de guizos pululando
Sou a prece pétria do atabaque
O óbvio sutil ai tão sutil que denuncia o fato
Que aponta histérico ao flato
E assobia indiferente às flâmulas do futuro.

Sou a contração do cócxis
A glote travada e a testa aberta
Sou trabalho de postura
Um heroísmo refinado
Sou um estudante afinado
Sim mui alienado mas não ao inalterável presente.

Esqueço-me de tanto em meus pudores
E intento a ponte entre intenção e ação -
Quero acesso à minha destreza
Contato cristal com minha necessidade.

Sei bem que os hábitos definem demais meu imprevisível
Atavismos poeirentos odiosos
Herdados inelutavelmente -
Mas não me indisponho
E apesar de meus erros boçais
Apesar ainda do desperdício do sêmen e do excesso de industrialidades
O sangue arde redentor
Pralém de toda sistematização de ideais
Pralém de toda ânsia de coprofagia
Sou um vento em trânsito
Ai tão fugaz
Sopro imedido
Sou hálito sem trégua nem régua
Sou oscilação ultrassônica intracrânio
Definindo ordens imorais ao organismo
Organismo que rege a si mesmo na inconsciência tão consistente do animal.

Espírito livre
Tangente às opiniões da época
Meus dedos frugais jejuam
Pacientes esperam as próximas regalias
A próxima sessão de música cruel
A próxima transa radiante
A próxima sessão de iôga anômalo e do-in transversal
A próxima vez em que me surpreenderei plantando bananeira.

Dou um longo trago
E prendo a magia ao máximo em mim -
Venenos e bálsamos de minha simplicidade
Represento a tragédia da geração
O choque entre o medo dos pais e a curiosidade dos filhos
A resistência da liberdade que não se deixa dobrar pela tradição
Que não se permite baixar a cabeça frente à estúpida adoração estatal.

Por amor à eternidade
E por via etérea
Sou fadiga insone
Represando experiência
Fazendo-me de sábio e conhecedor
Só pra poder pensar algo bom de minha biografia
Só pra poder encarar ágil ao insosso da nostalgia.

Aconselho mas não espero que se me acate
Dou me faço miserável mas não espero que se me retribuam
Supero-me ferrenho sou talvez a placa que indica ao atalho mais útil e também mais cheio de perigos
E tento não perder tempo como guru nem como docente
Quero que a vida faça-se a si mesma em torno de mim
E por isso desisto de vigiá-la
O amigo e o inimigo que se centrem em sua evolução
E se decidirem pela ascenção
Alcancem-me
Farei ótimo diálogo
Um poeta mesquinho e irônico
Serei a melhor antípoda
Pra que nosso confronto pacífico nos fortaleça
E nosso encontro entre guerreiros engrandeça a esperança terrena.

Pro bem da verdade
Não é guerra que a mãe quer.

Não é luta e dor que ela deseja
Não é por guerra que a original anseia.

Mas se o que ela quer
Ah grande objetivo inominável
Se pro que ela quer implicita-se guerra e chacina
É isto que em nome do amor há-de vir à tona.

Saturninas

Desabrocha o denso sabor
Ao largo vale da concórdia
Vem em hera e cipreste
A primavera imprevisível vai trepando meus calcanhares.

Meu medo e meu ódio engasgam
Sou o gozo do improviso
Destroçando predicados
Em abraços sérios e fanhos
Longevos louvores às retiscências perdidas
Crochê sem nós
Queimo os pés andando sobre brasa
Tiro teimas num bom banho com sabão
Juá aos dentes sigo na contramão.

Família próxima e distante
Família de sangue diamante
Tomo-te bruta pedra laica
Tosqueio lasco voam as rebarbas
Dodecaedro em solipse transfusa
Palimpsesto litúrico e pagão
Orno-te violeta ao peito.

Saudoso marrom sob meus pés
Sujeira limpa da estrada
Vai se despregando
Vacilo um pouco e já sou de novo rouco -
Ai desta teimosia
Vou mudar
Já me disse de mim pra mim
Vou mudar e é presto!

Meu ascetismo sem fé
Minha escolástica da dor
Ardo e gelo pra me encouraçar
Sol e regato pra me endurecer
Mátria patrona Gaya mãe
Vou de carona
Bandido do tempo
Cambalhotas invertidas celebrante
Vou soletrar o instigo do mirante.

Sem ideal sem utopia
Sou a lingueta mirabolante
Sou a esperança distante
Sem futuro nem apoio
Vôo turvo ferroso alheio
Sou fermento no centeio.

Busco alcanço
Perco e sigo
Chuto estulto
Sangro e bendigo
Sou enlace sutil rapace
Sou o bote do guepardo
Vela acesa na chuva.

E a cera branda
Escorre lasciva
Faz fomes e sedes
Ama e trucida
Quero sanha
Controlá-la
Ai ingênuo
Me desleixo
Quero mesmo é ser um eixo
Varão do fauno
Quero a lua iluminada
Ouvir pores do sol
Dia a dia
Em cada noite
Quero estar sempre ao teu lado.

E ah caro amigo cara musa
Me interrompo
À imposição
O meiodia meu carrasco
Me cobrando pé descalço.

Córgos Elíseos

Fazendo justiça com os próprios pés
Me dou conta
Do espírito da dança
O grande espírito de plasma que nasce da confluência de nossa entrega
A borboleta viva
Nascida de nós e além de nós
A borboleta que já é
Magia da vida que só quer que se aceite
Que só quer que se encare que já é
A grande borboleta da dança já é
Basta reconhecê-la
E relaxar
Relaxar em seus eixos e vórtices
Tornar-se borboleta e espírito de dança
Na mais simplória destreza
Amor pelo tudo que nos rodeia.

Abro meu coração
Crio espaço em mim
Pulsos firmes e dedos soltos
Sou expansão em demonstração
Sou o oito malicioso recluso na caboclagem
O infinito recorrente escondido no rumor do vento.

Às margens do nosso Tocantins
Ribeira acima da nascente sacrossanta do Alto Paraíso
Reencontrei minha família atemporal
Fugi transfugi
Saltitante e alegre
Rumo ao silêncio profuso da emancipação
Direto ao núcleo sem nome do mundo
Mergulhos ascendentes
Fazendo vida da vida
Em guerra e orgia
Escapei do tempo
E o relógio maquinal de minha rotina
Foi substituído pela ampulheta do amor que gira estranha e corre as areias da saúde.

Escafedeu-se de mim aquela pleura
Êta prêula
Pão de abóbora cerradence
Tantos risos e sementes
Parás cajús girassóis amêndoas a varrer
Me afoguei nos picolés e nadei em lagunas de sorbê artesanal
Lindos nomes a granél
Murici buriti araçá jaca cajamanga mutumba tapioca coalho do sertão itaberaba jaboticaba que me perdoem as síbalas descalças desencaixadas que a memória não permite tanto e vai que vai de frutas do sertão tantas e tão saborosas
Me perco nas saciedades
Os saltos de dúzia de metros de altura
Do alto de pedras belas mergulhos cristalinos adrenalizantes
Olha digo-te
Não passe esta vida sem conhecer o coração de cristal da Brazyw amada
Duzentos káême ao norte da capital atual
Descubra qual foi o dragão que São Jorge venceu.

Aquela água carrega todas as respostas -
Chapada dos Veadeiros -
É só isto que lhes peço queridos
Caros caríssimos
Sem preço
É só isto que imploro
Tão estranhamente
Sem vírgulas nem sotaques
Chapada dos Veadeiros
E que ande os dias não vacile
O dia começa quando o sol nasce
Levante-se então e faça correr tudo que ainda corre em ti
Vá de bonde da alvorada
Pegue carona com o calor
Fulgor do pai
Cérebro solar
Cérbero sonar.

Líquida
Ela voa
Sempre
A grande borboleta
Do tudo que já é.

Não desaconselho muita coisa
Prefiro cantar alegrias e guerrilhas
Violei o sentido do juízo
Ah graças aos bons céus
Violei a seriedade da comédia suburbana meioburguesa
E pralém do bem e do mal
Aprendi a realmente literalmente abrir meu coração.

E as omoplatas se afastam
E o peso some.

A lagarta
Pasma
Virgem ai tão virgem
Casulo afora.

Exemplos então
Cito-os desordenadamente
Pra dar cor ao sabor -
Primeira balsa já de cara com o grande trovador do sertão seu Joaquim Falcão ô santa benção!
E então Reginas e Joanas e Ninas Marianas ai santa Lígia Calipígia teu rio de rosa sinergiza
E a direção e os irmão
Ô povo sofrido
Mas putaquelospariu quanta alegria
Em terra batida
Em empreguinhos fodidos
Em muito abandono quase uma idade das trevas
Mas santa comadre do Bonfim cacetada quanta alegria
Quanta densa e torpe e tirana alegria
Quanta sagacidade genial
Expressa na troça caipira do negão largado
Forte como touro
Culto como poucos
Um engenheiro cósmico dentre tantos esquecido nos origamis dos judiciários e dos noticiários
Ai esta terra sem nome que habitamos
Tão poderosa
Pindorama sem fronteiras
Esta tribo vigorosa
Sou-lhe grato
Repisamos o ventre inócuo
E sou-lhes grato
Pelo relaxamento
Pela comunhão
Pela conquista dedicada que alcançamos no gingado rodeando as fogueiras.

Bioenergéticas
O Projeto Xangai
Demônios escorraçados e micróbios desinfetados
Larguei treze macacos nas orlas dos deltas e parângulos da ilha pluvial
Que aliás bem se lembre
Está prestes a ser afogada no tóxico projeto de mais uma barragem mui probabelmente a ser embargada descaradamente lá pelos entornos e adentros do Tocantins
Hidrelétricas lindas
Esquentando os chuveiros e torradeiras do oblivion Hiroshima Nagazaki.

Mas aqui é mais
É ENCA
É Zé Celso
Caetano
É mãe da lua e bandeira branca -
Ai como ia amar o passeio dos cânions e o vale da lua Dalí Monet VanGogh
Surfe de cristal
Vôo ultracentral
Magnetize-se ao teu objetivo
Crie força de repuxão em direção à tua meta
É este o segredo
E então a atmosfera te arrastará
Basta que sigas a rota da vontade
Não terás peso
Será dente-de-leão solto lúcido lúdico siderado
Anos e anos à brisa
Entre áfricas e américas sempre
Indo e voltando
Nos caprichos das grandes tormentas e vendavais.

Quanta gratidão.

Agradeço aos que amam.

E especialmente
Agradeço aos que amam duramente.

Segue então o famigerado projeto
Planejamento Integrado de Recursos Energéticos e Alimentíceos
Os Joãos Paulos da nova era que nos ajudem.

O Derradeiro Culto

Minha religião é a dança
É este meu último culto.

Quando danço rezo em silêncio
Uma prece muda e ardente
Rogando ao sol e ao céu pela consciência da inocência
Inocência soterrada pela dor da culpa.

Se me vejo com uma missão na vida
É de lutar por exterminar o sentimento de culpa no homem.

Quando olhamos a formiga
Carregando seu pesado fardo sete trezes mais pesada que si mesma
Não louvamos sua força extraordinária
É algo natural
Inevitável
Ela é tão poderosa porquê é sua incumbência secreta.

Do mesmo modo
Vejo o leão e a hiena o abutre e o cão do mato
Lutam pela caça
Por sua sobrevivência
A raposa tão esperta
Ou o gambá com sua arma fedida tão exdrúxula
E não lhes gabamos nenhum heroísmo
Não nos admira a superação que o bicho faz de si mesmo
Como se o fato de ele fazer isto sem a chamada inteligência
Tornasse seu esforço menos valioso que aquele do homem.

Mas quem disse que a inteligência não é só mais um instinto?
Não é toda sabedoria apenas mais um meio pra se sobreviver?
Não é todo mito e superstição apenas mais um meio pra se evitar a dor a aniquilação?

Se tudo na faunaflora é tão livre
E ao mesmo tempo tão inconsequente
Porquê seria o homem a grande exceção da existência?

Temos o livre-arbítrio
Dirão em voz alta os revoltados
Que não podem aceitar que a vida faça por nós o mais importante.

A vida perfeita
Nos molda como barro.

Nosso pior erro é crer que somos tão diferentes
Que somos a grande vitória divina num universo irracional.

Porquê crendo que o homem é tão especial
Esquecemo-nos do mais óbvio.

Esquecemos que nossas contas bancárias
Que o suor da face e o pão na mesa
São somente meios pra alcançarmos o futuro
Assim como é quando uma abelha morre protegendo sua nação.

Então porquê não podemos ser também irracionais neste sentido?
Nos libertarmos de toda culpa insensata que nos forçaram a sentir?

Que loucura pensar que o grande criador seria tão vingativo
Tão mesquinho
A ponto de vigiar cada mínimo passo do homem
Para puní-lo ou recompensá-lo
A ponto de fazer o homem sentir-se a pior matéria
O mais incorrigível erro.

O grande pecado é não termos nos divertido o suficiente em nossa estória!

O grande pecado é sentirmos vergonha de nossos desejos
É reprimirmos a paixão tão direta do toque.

Quero meus amigos sem culpa no coração
Percebam-se livres
Inescapavelmente livres.

Somos inocentes
E se amadurecemos
É somente porquê nos tornamos conscientemente inocentes.

A inocência é inerente
É a base de todo pulso de todo ânimo.

Senão
Que sentido faria?
Que sentido faria um universo em que realizar os próprios sonhos é sinal de traição?
Um universo em que viver sem preocupação é sinal de irresponsabilidade?

Querem culpar o homem por suas ações
Julgando se sua intenção é honrada ou um vício
Como se no fundo simplesmente não estivéssemos buscando a simples noção de fazermos parte de tudo?

Uns se sentem integrados
Somente pela vingança
Somente pela destruição do menor
Ou pelo sofrimento daquele que nos dominou.

A salvação verdadeira é viver uma vida sem vingança
É concretizar os planos por amor à própria obra
Por ânsia de fazer fluir um objetivo prático
E não por necessidade de sobrepujar
Não por vontade de fazer-se grande humilhando a todo o resto.

O que pensamos ser certo e errado
É algo que foi construído pouco a pouco
É algo útil que se tornou um hábito
E depois como hábito terminou parecendo algo obrigatório.

Mas que loucura não é dizer que algo seja certo só porquê todos fazem igual!
Que loucura é pensar que os costumes e a tradição sejam mais importantes que nossa alegria!

Porém
Sacrificamo-nos o tempo todo por isso!

Pagamos impostos fraudulentos
Pra tornar mais ricos os que já são zilionários
E não existe uma lei que impeça que a lei moderna seja imposta
Porquê o maior exército é o que define a justiça de todos.

Se a violência é o idioma de alguns
Se só violência chega aos ouvidos do teu próximo
Fale sua língua
Use sua verdade como espada afiada
E parta ao meio o desgraçado que despreza o próprio hálito
Assim quem sabe
Na dor que causou a si mesmo
Ele deseje algo melhor
E então quando a semente da ternura germinar
A dureza de nosso olhar poderá se converter em carinho
Porquê agora o estúpido já balbucia novas palavras
Pede-nos algum ensinamento
Mesmo que sem admitir.

Mas não aconselho que se viva só pra ser exemplo pros outros
Muito menos aconselho que se viva só pra curar os males alheios.

A verdadeira cura vem de dentro
Não é o remédio que cura
É o tempo e o respeito pelo óbvio
O mais banal
Que insistimos em deixar de lado pra nos cegarmos
Porquê apesar de a vida de um cego ser menos colorida
Deixando de ver as cores ele também deixa de ver as dores.

Se transmito uma missão
Um ensinamento
É que vivamos sem culpa
Que vivamos por nós mesmos
E esqueçamos que um dia esperamos ser recompensados por nossas virtudes.

A virtude ah sim como é valiosa!
Como é bela a profunda benevolência
Como é brilhante a pura bondade que partilhamos
Mas não espere recompensa por isso!

Seja você mesmo seu melhor amigo
Seu mestre e seu próprio juiz.

E aceite sua circunstância
Aceite sua condição passageira
Com gratidão
Abra seu espírito com tranquilidade
Sem pressa nem ansiedade
Acalme-se
Relaxe e abrace sua solidão
Construa o silêncio tão ativo da consciência
Não deixe que as palavras ocupem seu pensamento
Pense um pensamento pensado
Não um pensamento escrito.

O que mais importa é ter prazer
Mas nem todo prazer é pro bem
Aliás
Aqui se torna perigoso meu discurso
Porquê descubro o fato de que quase nenhum dos prazeres modernos são pro bem
E por isso precisamos fundar uma nova escola do prazer
Em que a evolução seja a fonte de alegria
E por isso a disciplina e a força sejam nosso gozo
Pra que nossa saúde imbatível seja nosso paraíso.

Então o sangue que corre em nós estará redimido
Por novamente correr como corre o sangue de qualquer bicho.

A inteligência será nossa habilidade de entrosar
De equilibrar
Ao invés de conquistar roubar e usurpar.

O homem será sempre a criança em meio à natureza
Será sempre o ingênuo riso de malícia da criança que se entrega à brincadeira
E toda metafísica e todos os dogmas serão só ritmos diferentes pra se dançar
Fábulas estranhas contando como o homem errou
E também como alcançou sua divina meta através da confusão.

Amém à harmonia
E que os ventos nos carreguem
Como plumas tão leves
Esvoaçando na batida colossal do coração da terra.

ESTÓRICO