Aguaí

Sob a sombra
Repousava
Ouvindo o rumor do mundo.

Da frondosa copa
Quedavam
Os frutos da vileza e da lealdade.

Tinha sede
Regateava
E a cascavel da sabedoria
Veio-lhe ter com sua opinião.

A serpente cantava
Sussurrava
E seu chocalho sibilava.

O som do sabor
Guismos
Abraçou moroso à dor.

Enfim mordeu a fruta
Hidratado de dulçor
Fez-se sério como pedra
E feliz como o pássaro verde.

Saciada a secura
Despertou
A verdade era cruel -

Do maligno viria o mel
Do venenoso o céu.

Plurálogo

Te pergunto,
meu caro amigo:


o que é que realmente possuímos
nesta vida?


passamos ao menos perto de possuir qualquer coisa
enquanto vivemos?


ou não será mais A Vida
que se possui a Si
despossuidamente,
e assim também a todos nós?...

Manhã D'Inverno D'Verão

Liberdade
Ah palavra mais cara
mais querida
e mais difícil de quitar.

Liberdade
Ah sorrateira fugaz
a palavra mais custosa
o gozo do bom paladar.

Quem dela prova
e quem dela se alimenta
quem dela conhece o dulçor

guerreia sempre
de novo e de novo
pela assim cunhada condição!

Quem dela sabe
da negra e aflita
Liberdade
Ah quem dela sabe jamais esquece!

Jamais esquece
os solavancos e tempestades
jamais esquece a turbulência suntuosa
dum amor profundo que se vê livre de coração...

Liberdade:

Esta palavra
custa caro
Mas vale
Ah se vale a lavra!

Caríssima libertinagem
salva-nos modesta
e nos abriga...

Nos dá de comer
e boas pernas
pra correr...

Arre Pendências!

Quando fazemos algo de errado,
dá pra pedir desculpas
(a não ser em caso de morte ou aleijamento...)

mas quando não fazemos,
não tem desculpa,
nem de si pra si...

A única redenção
é injetar coragem
e não deixar ela vazar
pelos poros do cotidiano!

Jambragem

As boas idéias
não são de ninguém -
são do ar...

mas quem as entoa
quem faz delas vez
leva o mérito todo.

Sonhatrix

Em mim
o além de mim
Os mil sonhos
dos mil sóis de mim!

Ai tudo que sou!
E tudo que não sou
que também faz parte de mim
Ai tudo que existe
e tudo que não existe que ainda faz parte de tudo!

Ah sonhos
quantos sonhos
que não cabem em mim

que não cabem
nessa infância eterna
nessa maldade inocente que não me escapa

Ah quantos sonhos
quantos sonhos sou
e quantos sonhos que não sou
ainda formam o coração pulsante do sonho que sou!

O coração ainda pulsa
e a vida é pra valer

o verme ainda rói
e a emoção faz doer

Quero o relâmpago
a tempestade de mim
a chuva que acalme este sol
este sol violeta e indigo em mim
Sol de todos os sóis que nunca serei

e que
ainda assim
são tudo que sou...

Álbum De Parto

De repente me dou conta
de como é mágico este nosso espaço,
como alguém que estuda o ser humano,

como é mágico
poder me alimentar
da arte e da sabedoria
de um círculo tão facilmente desprezível como este nosso,

a humilde alegria
daqueles que se alimentam
de idéia e ideais,
de forças míticas
e amores
fugazes...

Ses

Quem sabe,
se as maiores verdades
não nascem sempre com este se divino...

o se é o perigoso talvez,
e quem tem tempo para tais talvez
hoje na Terra?...

e se ninguém tem tempo para tal,
que vida há no mundo que esteja justificada?

Pedologia

Parece que foi ontem...

eu achava que podia planejar tudo,
eu queria ser astronauta ou físico nuclear,

eu achava que podia aprender mil instrumentos,
quebrar meus próprios recordes consecutivos...

Parece que foi ontem,
eu era esta criança
de que só restou a memória...

mas com a memória
sobreviveram também
a mais divina presunção
e a mais furiosa imaginação...

Parece que foi ontem...

Da Tardia Celebração

Pela metade
É que não vou largar.

Quero mais a briga
Quero mais o berro a rinha!

Pela metade
É que não quero deixar.

Vou quebrar o pau
Que depois a gente endireita!

Depois de bater
A gente toma a coragem
De dizer o quanto ama
E dar um abraço de cura.

Puridade

"Sim, te perdoo. Mas se tua injúria fosse contra ti mesmo, quem te poderia perdoar?"

A redenção é necessária
na medida que exista erro
e mais do que erro,
culpa,
responsabilidade causal direta sobre o resultado...

Mas sujeito e objeto,
ativo e passivo no caso,
são só invenções interessantes da linguagem...
não somos nós quem fazemos as coisas,
mas todo universo através de nós
(não existe eu, pois todo corpo é uma multiplicidade
de organismos e sistemas menores interdependentes)

assim não existe culpa na ação
nem necessidade de desculpas ou redenção...

Poderia-se dizer
talvez
Perdoe a história toda do universo
e os múltiplos sistemas dentro de mim
por te terem dito esta coisa desagradável...

Cabrestos

Vi melhores amigos
esquecidos
se amesquinharem
(será por causa de minha distância?)

vi o palácio da pureza
virar senzala
pros lascivos
(será por causa de minha ausência?)

vi o mais alto amor
vesgo
de soslaio às cifras
(será culpa de minha distância?)

vi a verde esperança
virar ganância
pros confortáveis
(será culpa de minha ausência?)

Serei mau professor
péssimo amigo
ou só e somente - um lúcido?

(praonde foi a lealdade?...)

- Só o mistério é leal!

Retrato À Porta

Tem dias
que a gente sabe
com toda certeza,

o quanto nossas rotas
tortas são retas,
tem dias
que eu sinto
com toda alegria,

o quanto minhas quedas
me fizeram um escudo!

O heroísmo
é tangível
e não exige muito mais
que saber se identificar
com toda humanidade.

Computadores

Dor
Irmã minha
Pérfida e honesta
Dor
Melhor amiga
Preciso agora de ti
Mais que jamais quis.

Dor
Que me queima
Que me marca
És agora meu amor
Felina rapace musa
Cutucando com suas brasas.

Dor
Ai sagrada dor
És meu sentido
Minha grande missão
Hóspede trágica
És toda minha alegria!

Dor materna
Deste-me a amplidão do olhar
O rigor temível do braço
A reflexão e a frieza
A grandeza da atitude e do gesto
Que sem ti jamais ousaria.

Dor tirana
Meteste-me uma virtude
Uma boa lei a cumprir
O áureo bracelete da paz
A proteção que só a dor dá
Mestra bondosa e altiva.

Dor paterna
Dor múltipla e essencial
Dor abismo de todo ser
Agradeço-te
Por me abrir os olhos
E fazer-me chorar
Agradeço-te
Pela certeza vilã
Que em meus solavancos
Molesto desenterrei.

Obrigado
Dor
Que me lembra
Sempre
O que é mesmo
Viver.

Bilíngual

Quando gente boa
se reúne
criam uma sensação
especial.

O acasalamento temporário das auras
traz à vida um terceiro plásmico
Presença além do ser
que recompensa

à gente boa
que se reúne
com uma perspectiva extra
que se partilha por dentro.

Mergulhemos
na divindade
que nasce de nossa amizade
Mergulhemos!

Condão

Somos sempre nós
dando traços e sentidos humanos
a tudo que é do mundo e da vida...

Vivemos as coisas
segundo nossa própria medida,
reconheceremo-nas no mesmo grau
em que conhecermos a fundo a nós mesmos...

Até que
quem sabe
possamos superar nossa própria linguagem,
e transcendamos à comunicação inefável
que a pedra, por sua vez,
faz de nós...

Do Despedido

A Oráculo
diria que
'tudo que tem um começo ... tem um fim'...

o campo, o trem, a saudade
e até a ausência...
que o amor sempre torna,
sempre seduz outra vez
mesmo o mais cético,
mesmo o mais desolado,
se ele ainda buscar o azul nos céus...



(Me diz o que seria de nós
sem o prazer de partilhar os prazeres,
que seria de nós sem esta ânsia de cantar
aos sete ventos como a vida é boa
e vale a pena ser vivida!

Me diz
o que seria de nós
se não fossem essas mínimas coisas,
se não fossem essas pequenas grandes coisas que nos forjam,

se não fossem estas alegrias anônimas
que dividimos ao mantermos acesa a teia que nos faz humanos...)

Da Força Amiga

Sob o sol
Tudo é claro
Cá está
A cor perdida!

Nunca se perdeu
Que está dentro
Mas cá está
A luz
Única redenção.
Do repouso ardente
Sob o pai feroz.

Uma favorita no estéreo
Poucas perguntas
O poder
É certeza cega
Tateando
As esquinas cúbicas
Da perdição cinzenta.

Sob o sol
Mais sol
Fogueira
Brasas de mim
Velas incenços cachimbos
Todos os sóis do homem sob o sol!

O Rei
Grita quieto
Ouço seu berro:

Vinde a mim!
Vinde ao oráculo solar!
Ouçam o que tenho a dizer!
Mas cá:

Cá no trópico
Cá no matagal labiríntico
Cá nos meus domínios,
Vinde mas vinde bravo
De braba bravura
Sob o compasso
Rígido!

Ouçam!
Filhos da terra e da água,
Ouçam o que diz a grande voz
Do silêncio violento
Da cintilância violeta:

Cá estás forte!
Cá tens todos os amigos
E também os melhores inimigos.

Olha-me de frente -
Não tema a dor
Beba o trago restaurador
E da novidade -

Do enlace
Que se já desenlaça
Leva o fogo
No peito e no ventre
E rodopia
Rodopia:
Entenderás.

Sob o sol
Agora bebo
E o pássaro
Inflamado
Abre seu primeiro vôo.

Segurando As Pontas

Me lembro
Do dia em que
A Vida
Me disse de boca cheia:

Filhote
Conseguiste
Teu caminho é bom -

Estás comigo agora
Te aprovo
Teu destino agora também é meu.

Mangueio

Quem disse
Que a vida precisa
Ser certa
Que todas as pessoas
Têm de ser
Felizes.

Quem disse
Que o sonho ia aguentar
Que a paz ia reinar
Quem disse
Que tem que fazer sentido
Que tem que ser bom.

Quem disse
Que a vida devia dar
Qualquer quê mais que já dá.

Quem disse
Que a primavera
É pra sempre
Quem disse?

À Vossa Magentade

A diferença
Entre falar
E fazer
É delicada,

Mas óbvia
Clara qual
A diferença
Entre a noite e o dia.

Tropel

Na treva do corpo
Em seu interior de
Curvas e esquinas
Úmidas e vermelhas:

A geometria sagrada
Ricocheteia lampejos
Cria nossa dança
Minimalista.

E na ampulheta
A limalha de ouro
Corre impiedosa
Exuma a paixão
Força à coragem.

Transárcade

ISTO NÃO É UM POEMA!!!

‎(Ou
Em outras palavras:
As palavras não descrevem a realidade do objeto
A nomenclatura apenas aprisiona
Um fantasma abreviado e conveniente
Da realidade imensurável...
Conveniente pra nossa sobrevivência!
O nome é uma mentira de que não se escapa, 
É tambem a ilusão maldita
Sem a qual estaríamos perdidos, meu caro,
Perdidos...)

Esquerdos Autorais

Copiar
Não é roubar.

Quando roubo
Tiro o do outro
Ele fica sem.

Quando copio porém
Crio o meu pra mim
Compartilho o elo.

Por isso é tão bacana
Copiar.

Do Aguardado Dia

Vim cantar
Os novos deuses.

Vim parlar
Das boas novas.

São Denúncio
Nunca fui catequizado
Jamais serei canonizado
Sou o santo serelepe!

Sou o sacro
Que despensa o sacro
E dispensa os sacais.

Sou o fauno
De postura ereta
Rugindo trombetas
O Anfitrião.

Sou o purificador de olhares
O maravilhoso desastrado
Sou o que consola os castrados.

Mil olhos esbugalhados
Esquadro obtuso de ombros
Sou o dragão que assovia
A grande serpente alada.

Sou a mão
Que desdivide as coisas.

Sou o sal
Que nosso sol adivinha.

São Tocantins
São Amazonas
São Danúbio Vermelho!

Sou todos os espíritos
Que correm à superfície das águas
O cristal molecular desiderato
Do capote valente.

Sou chuva de pedras
Imensas catastróficas gotas
Sou a eterna tromba d'água!

Alargando sextas margens
Expondo óctuplos sentidos
Sou o fim do número tirânico
A vitória da linha sobre o ponto.

Sou a ânsia de cimos
O escalador unisso
A adrenalina e a serotonina!

Sou o fim de toda ciência
A super nova original
Cadência fixa do varão
Sou a extinção dos elementos!

E na bifurcação
Inescapável
No grande tê
Do meu tesão de viver
Quero ser ambos os caminhos
Quero ser tudo que não sou
Pra criar meu mais precioso -
Meu calipígio imoral.

Contrapresso

A noite
É mais funda que o dia
Dizia o sábio.

O sol
Está bem aqui
Mas a noite vai fundo
Sem fim.

Só que a sabedoria da madrugada
É siamesa inseparável da matutina
E eu creio na voz da alvorada.

Creio na poesia
Das manhãs
Pura quanto pode
Ponte do sonho ao som
Do sono à sanha.

Ela é livre
Desbragada de paradigmas
A mãe matinal.

A vida era trabalho
Infinita enquanto era
E a felicidade
Era do guerreiro
A alegria
Era do grande transmutador
Que ordenava inconscientemente.

Canto Matinal

A melhor água
Não é a esterilizada
Sem vestígio de substância.

Pelo contrário
A água mais pura
Tem organismo.

É um caldo
Complexo
Em que muito se mistura.

Quando estiver perdido
E não te reconhecer mais ao espelho
Quando estiver derrotado
E não tiver mais vontade de vida.

Quando odiar a si mesmo
E sentir que é o menor de todos os seres -

Bem aí
É que vais descobrir
O quão humano
Realmente és!

Das Fontes Inauditas

Sobre O Amor
A Força
A Honra:
Jamais economizar!

Não viemos economizar
Nós viemos pra gastar
Viemos foi pra gastar!

Entreação

A lealdade
É o grande elo
Que une toda vida.

A compreensão
Pralém do compreensível.

Ela é natural
E universal.

Tranquila
Como a água fresca
Correndo
No rio pedregoso
Sob o sol.

A lealdade
É o olhar de águia
O vigor de búfalo
O humor de hiena
A voz de leão.

É a inocência
Da criança
Que só a criança
É verdadeiramente criadora.

Somente aquela
Que nunca deixa de fantasiar
Pode afinal alcançar
O dom.

A carícia azul
Com seus dedinhos
De deuses.

Ratoeira

O pior inferno
Os piores remorsos.

A pior conduta
As piores punições.

O maior chicote
As menores jaulas.

Estavam reservadas
Aos mais inteligentes.

Protocromo

Que a arte
Alcance sua vitória.

Que a mensagem
Atravesse o espírito.

Doa a quem doer
Com as palavras duras
Secas ou complexas
Como forem.

Que a verdade
Seja dita
Mesmo que às vezes
Seja feia.

Da Roda Original

O vento
É a página de ar
Onde escrevo ao falar.

A alma
É o linho branco
Onde teço o encanto.

O som
É o liso da vida
Onde a magia respira.

O vento
É a folha de alento
Onde danço ao momento.

Contracensor

Tem vezes eu me esqueço
Que no fundo de cada coração amigo
Com certeza tem um pedaço reprimido
Que daria a vida pra salvar o mundo.

Ginecosofia

A vida
É o útero.

É útero em cada nada
É útero de tudo em cada tudo.

A sopa salgada
Denunciava a paixão
Sempre livres
Elas queriam correr.

A caverna soturna
Cavocavam
Toupeiras bacantes
Alargavam a foz!

O amor
Derrubará todas as paredes!

A força no amor
Maestra sobre a dor
Abrigará fulgor
Aquietará todas as línguas.

Mil terremotos!
As fendas dançam!
Mil mananciais inodoros!
Ah erotismo primordial que me assombra!

Diz-me
Diz-me agora
Teu nome
Canta tua sombra.

Coça os cílios e diz
Diz o que é que precisas fazer
O que é que precisas conquistar?

E é em nome de mim?
Ah profano ingrato!
Não é em nome de mim?
Em nome do último nome além do nome?
Em nome do nome que reúne os mais brilhantes nomes?

Fantasias
E depois questiona
Rejeita e renega
Mas bem vos digo
Bem vos digo pupilos e musas:

Perdessem-se as tuas fantasias
Perdiam-se junto todas as alegrias.

Parênteses

O que é Orgasmagia?

Seriam apenas bocejos insípidos dum maconheirinho de titica?
Seriam monólogos estéreis loucos demais sonhadores demais?

O que é a idéia que transcende a substância?
O que é o conceito que define a impossibilidade do conceito?

E se somos relva e pasto e lençóis freáticos ultragalácticos como somos
E se somos os ventos rasgados dos pluricosmos particulares de toda vida em luta
Se somos todo espectro do inanimado e do vivente em eterna profusão confusa que somos
O quê é Orgasmagia?

É como perguntar à vida em sua derradeira hora:
Por que? Por quê?
E ela responder:
Porque Sim! Porquê Sim!

O que é a cura que uma obra de arte insólita e meditatrix pode realizar?
Com quantos paus se faz uma canoa?
Quantas estradas devemos percorrer?

O ser humano pode ser forte e inteligente?
O ser humano pode ser educado e propositado?
As vacas podem voar?

Pareidólico

Quem faz faz
Quem promete compromete.

Quem é é
Quem diz contradiz.

Quem quer quer
Quem pede despede.

Quem ama ama
Quem clama reclama.

Quem luta luta
Quem seduz deduz.

Quem tem tem
Quem roga prorroga.

Quem pode pode
Quem almeja apedreja.

Quem vê vê
Quem manja esbanja.

Quem vai vai
Quem fica implica.

Quem cresce cresce
Quem erra enterra.

Curagem

Acordes concordes
Da fogueira sagrada
Uma ruma de alegria
No violeta de mil sóis.

Esguias linhas
De fiordes musicais
Uma escola de leveza
Na ginga de mil almas.

Portinholas abertas
Somos poucos
Honrando o passado
Estamos encarregados.

Entre aspas trilhas
Jejuns inocentes
Resgate do alento
Valsa sutil dos abundantes.

Pingado

Preto no branco
É contraste.

Preto com branco
É cinza.

Com metas e dores
Nos metemos
Pela vida a piscar.

Ora luzeiros
Ora obscuros!

Vagalumes do amor
Rindo-nos
De todas as tragédias.

Em comunhão
Com tudo aquilo
Impossível de se apreender.

Desabrochos

Família do mundo
Em alto e bom tom
Família de todas as famílias do mundo!

Saudações flores
Saudações sementes
Deusas das chuvas os abençoem!

Família rica
De todos os bichos e plantas
Família elemental
De todas as rochas e rios
Lar original!

Lar de todas as ceias
Mesas postas ao amor
Longos passos rumo à gratidão.

Pernas curtas
Andam sim ao longe
Já dizia a poetisa borboletreira.

Ah filhos do amanhã!

Ah caminhos inexplorados do homem!

Respirai fundo
Dominai tuas entranhas
Calma
Desleal!

Tome tentos
Atente ao tormentos
Cala
Cala tudo em ti que fala!

Cala teu sangue e teu pensamento
Silencia até o som que não é som
Torna tudo a pedra infinita que é
Olha como é bela!

Olha como é belo o objeto único que compõe tudo!

Bem
Chora!

Chora vadio!

Poeta santarrão
Chora por tudo que já caiu
Chora as folhas e frutos maduros
Chora os úberes de leite e vinho
Chora a queda de tudo grande que já viveu.

Tudo imenso que já viveu
Sobre esta e sobre todas as terras
Tudo que vive além do conceito de vida
As personalidades estelares
Do lado de fora de nossas janelas!

Chora pela inocência eterna
Eterna infância que nada impede
Chora os caules e troncos
Chora os galhos e seiva de tua determinação
Chora a música universal que cura todas as tristezas!

A cura sagrada
Cura da finalidade
Do santo objetivo determinado
A cura da força
Do foco intenso e sutil de tudo que se enleva e flutua.

E dá de comer
E dá de calçar
Arranje tua certa balança
Pese os poucos e os muitos
E não dispense os detalhes caríssimo
Ah jovem
Ah maduro prestíssimo
Não desprezes aos detalhes
Perpassantes
Trespassantes
Eles nos atravessam
E muito contam!

Contam mais que números
Os detalhes assim ordenados contam estórias
Contam tudo do sentimento sem nome
Da primavera lúdica
Do novo clown
Do novo Shakespeare
Contam das linhas que nos seguram nos eixos
Linhas imaginárias que usamos pra nos delimitar
E assim criamos limites
Somos réus juris juízes e carrascos de nós mesmos.

Prevaleça o sorriso!

Prevaleça a crença profunda
Que além da dúvida nos conforta
Prevaleça a razão destemida
Prevaleçam os instintos musicais!

Que nossos sentimentos ecoem
No imenso espaço que nos rodeia
Pelo vão infinito que nos permeia
Que nosso amor imenso alcance seu dom
Que a terra alcance sua cor além da cor
Que todas as almas encontrem a perfeição de tudo que há
A harmonia misteriosa que nutre cada pétala de nossas alegrias.

E quando a hora chegar
No cume derradeiro da luta e da dança
Que a família se reconheça!

Quando o dia chegar
Em que a fé enfim colha com fartura
Que nos lembremos de quão verdadeiramente dependemos uns dos outros.

Certismo

Só os derrotados
Vêem o erro.

Os satisfeitos
Vêem em sua satisfação
A prova cabal da perfeição.

Daemon Ex Machina

Sou O Sol
Que inflama
Os confins de Tudo!

Sou o violento
Vilipendioso Violeta!
Sou a guerra a todas as tréguas!

Sou O Usurpador!
O bestial fenomenal
O Fenômeno além do fenômeno!

Sou a escolha virgem
O véu da santa ilusão!
Sou O Sonho
A máquina de todos os ódios
O Céu de todas as esferas!

Sou tudo que não sou
Sou o som além do som!
Sou o que não se sonda!
O que não se rebate!
O Grande Dom
Sou A Transformação!

Sou O Círculo!
Sou o anel sobre si mesmo
A Vitória!
Sou sempre O Mesmo!

Sou sempre novo
Sempre Outro!
Sou A Ponte
Que se atravessa a nado
Sincronizado!

Sou as entranhas
Os cílios
Os aurículos!
Sou o veneno de toda arte
Sou o preço de toda alegria
Sou nota metálica calma e quieta
Sou o silêncio que precede O Dilúvio!

Sou O Mestre
De todos os mares
De todas as selvas
Sou O Amo
De todos os amores
De todos os sabores
Sou o seio de todas as cores
A implosão de todas as dores!

Sou teu fôlego trôpego
Sou tuas pernas bambas
Sou tua barba maltrapilha!
Sou dedos cobiçosos
Tuas mágoas enterradas vivas
Que respiram ainda!

Sou A Dança
A Morte
Sorrateira
Em Meio Dia!
Sou a morte dos sentidos
A morta da dança
Sou a maré de areias
O Tempo
A Raiz!

Sou O Porquê!
Sou O Fim!
O Fim
Que é Começo
Sou O Renascer
Eterno
Sou A Mãe
Sou o parto de mil existências
Sou O Útero
Último e primeiro
Sou O Alfa
E O Ômega!

Sou A Entrega
Sou a fome dos justos
Sou a abraço ardente!
Sou O Amor
O Grande Assassino
Sou o amor furioso!
O Mais Alto Amor
Ímpio
Sou A Cura!
Sou teu estupro!
Sou O Orgasmo Múltiplo!
O prazer mútuo da violação!

Sou O Anjo
Com asas nos pés
Sou O Bailarino!

Da Demoncracia

É chegado um novo tempo
É chegada uma nova era
Um novo momento.

É chegado um novo tempo
É uma nova era começando
E precisamos de um novo movimento.

Estamos finalmente vivendo
A grande revelação da verdade social
Chegou o tempo da grande justiça
É hora de acordarmos de um longo torpor
De um sono de milênios e milênios.

Nós acreditamos
Ah pobres inocentes
Acreditamos na humanidade
Na república
Acreditamos na comunidade
No ser humano.

Acreditamos que temos leis
Que superamos todos os reis
Acreditamos que o mundo corre certo
Nas correntes do tempo inescapável
Acreditamos que há alguém fazendo algo certo
Em algum lugar muito importante
Lá onde nossas grandes soluções planetárias estão sendo trabalhadas
Lá nas instituições e organizações paras as quais trabalhamos e pagamos
Com nosso sangue e nossas crianças por estas mesmas soluções.

Mas ah meio dia cruel
Ah carrasco perverso e sádico
Médico louco e paciente
Ah maldade que corrói o mundo
A verdade é obscura e dolorosa
É o grande susto de toda virtude honrosa
De toda altivez dadivosa
A grande verdade é nojenta
E pungente como um soco certeiro ao queixo.

A resposta não era um número
Era uma história
Uma longa história de melindragens
Segredos
Assassinatos e conspirações
Era a história da busca pelo poder
A crônica que contava dos maiores tiranos
Aí estava a última verdade social apanhável.

No princípio do que chamamos civilização
Grandes homens primeiros
Iniciaram os primeiros impérios
Eles caçavam em bandos à massa humana
Pescavam e domesticavam os humanos mais toscos
Educavam os selvagens em hábitos básicos e os arrebanhavam.

Então o fatídico
A evolução da agricultura
Famigerada e amada evolução da agricultura
Que nos libertou do desespero sem fim da vida nômade
Evolução da agricultura que nos suplantou vitoriosos
A ferramenta final
O divino conhecimento em floração
Mas daí ai daí
Chegou o dia em que compreenderam
Que uma pessoa trabalhando a terra
Podia cultivar bem mais que precisava pra se sustentar.

Então se alguém trabalhando dia a dia
Produz excedente excelente além do que consome
Está feito o primeiro lucro e o primeiro dividendo
Está clara a bela idéia que é possuir humanos!

Está clara a maravilhosa
Esplendorosa idéia de domar e se apoderar de homens e mulheres!

O lucro!

O excedente!

Eles nos dão longevidade
Nos dão poder e saúde
Vida e tempo
Tempo que é o que todo espírito mais quer!

Ah dor do parto!

Ah mil dores de mil partos!

Quando olhamos um mapa do mundo
Não são países separados pelas linhas
Não são os povos divididos por fronteiras
São fazendas
Fazendas de gado de gente
Com nota fiscal e marcação a ferro quente!

Ai quanta cegueira da origem ao meio
E assim principiou a escravidão
A posse de homem por homem
E os refinados barões e suas bancas
Prosperaram.

Impérios cresceram e guerrearam
E por um tempo isto foi bom
Por um tempo nações eram regidas por líderes
Por sangue ou por conquista
As populações eram guiadas por mestres eleitos.

Mas o verme da ganância não deixou de roer
No coração da terra plantou sua ignorância
As nações uma a uma caíram
Corrompidas e torturadas
Contra o muro uma a uma as uniões cederam
Pouco a pouco um novo deus nascia
Um novo nome para um novo poder
O dinheiro nascia
O estado nascia como máscara de um governo ilusório.

O dinheiro era a nova chave
Era a magia negra da usurpação materializada
Ele agora distinguia a nova aristocracia
E ah como ela prosperou e tem prosperado!

Quanto vale o indizível
Quanto fica do incrível
Do bestial da revelação?

Quanto ainda suporta qualquer um
Quanto ainda pode ouvir um ouvido delicado
Quanto ainda pode tolerar o esperançoso?

Frívolas perguntas
Os líderes eram desconhecidos
O derradeiro trunfo
Um império invisível
Enterrado sob milhões de camadas falsas
O verdadeiro governo ia em verdade muito bem
Muito bem das pernas!

Banqueiros
Tiranos mentirosos
Máfias e famílias bem tensionadas
Só gente fina da alta
Finérrima
Os corporocratas reinavam cem anos atrás e ainda reinam.

São eles os donos de tudo
Eles os donos dos bancos pra quem todos os países devem as cuecas
Eles os oligarcas da energia e dos combustíveis
Eles os milordes das guerras e dos tráficos de drogas e crianças
Eles os degenerados colocando abaixo todo verde em nome de nada
Em nome da mais pura volúpia da dominação.

Com pesquisa ou sem pesquisa
Nova ordem mundial
Iluminatti
Comissão trilateral
ONU
Chame como for chamar
O mundo na mão dos bancos não vai durar.

E que pode o cidadão comum fazer?

Pesquisar
Inquirir
Buscar e ler
Permitir-se a morte simbólica
Permitir-se a nova possibilidade
A nova emancipação
A nova noção da realidade que circunda e permeia.

Se eles são os donos de tudo
Que comandam as inflações como um jogo de tabuleiros
Que decidem as agendas e as guerras
As mentiras e as encobertações
Se são eles os que pensam tudo
Que veneno iremos comer com nossa comida
Que destruição iremos causar à terra e à vida marinha
Como educar nossos filhos
Em que investir nossos espíritos
Se são eles que ordenam tudo e nos ordenham desavergonhados
Como vencer?

Se são os donos de todos os exércitos
E todas as corporações
E todas as estradas e recursos
Se são os donos das redes de televisão
Dos jornais e da internet
Se conseguem ler nossas mentes com máquinas
E querem nos implantar chips e nos adestrar para além de toda salvação
Como ao menos discutir uma possível vitória?

A guerra está correndo
Invisível
Secreta e bem debaixo de nossos narizes
Sete dúzias
Contra sete bilhões.

A guerra
É por nossas mentes!

A guerra
É por nossas mentes e corações...

A guerra é por nossas consciências
E a vitória da elite de Wall Street é a derrota de Mãe Gaia.

Estamos todos repletos de ótimas intenções
Então direcionemos nossas energias todas ao berro de alerta
Ao heróico brado retumbante que exclama a última verdade social!

É chegada uma nova era
Um novo tempo
Um novo momento
E precisamos de um novo movimento.

Um movimento de informação
Em que voltemos a discutir do mais importante
Pois como disse Marthin  Lurther King:

"Nossas vidas começam a morrer
No dia em que nos calamos sobre as coisas
Que são verdadeiramente importantes."

Intrometês

Loguim
Log ohm.

Ágeis ao banho
Expertos brincando
Um zilhão de comunas
Trocentas troças em trama.

Qual a senha?
Passe word!

Passe quente
A batata al dente
O ferro à tábua
Ultra pace à mágoa.

O crunch da coisa.

Logos alt.

Alemidades

Quando achei
Que o mundo acabara
Dei de caras
Com sua segunda parte.

Pediam-me
Amor
Responsabilidade
Pediam-me ajuda
Socorro urgente!

Quando ouvi
De mim o que vivi
Chorei
Ranhei mas refiz-me.

A música
Pedia-me dança
Pés acesos
Pediam-me força
Foco
Clamavam entrega
Entrega ao rústico!

Entrega ao controle sobre a entrega
Entrega alerta
Coroada de begônias
Macia alquimia
Das esferas absolutas da cor e da dor!

Entrega densa
Aglutinando tino
Criando núcleo
Buraco negro esfaimado
Ah quanto não é ser
Ser!

Ode Escorraçal

Perdoai-nos
O mau jeito
O soco reto
Contra magras costelas.

Perdoai-nos
O desfeito
O toco certo
Contra focos estreitos.

Banidos
Os bramidos
Os sonsos pêsames
Enxotados.

Lacerados
Os laços vãos
Os pontos sem nó
Sem dó.

A derradeira imagem
O valor sem nome nem número
A tão incomum origem comum
O arrepio da coroação.

A nau paira
Clímax sutil
À bordo da arca
Sonhadores
Livres pensadores
Teóricos conspiradores
Miríades de elfas.

A barca do amor
Voa bela
Sem remos ou velas
Rebocam-na
Por invisíveis fios
Todas as borboletas da vida.

Égua De Tróia

Onde estariam 
As fronteiras?

Pisquei e então

O limite escafedeu?

Onde estariam

As bordas do som
As paredes da luz?

Flertei e pois bem

A pátria se espaçou
A nação desabrochou?

Aonde iriam

As linhas xenófobas?

Tossi e então

O preconceito morreu?

Praonde iriam

Os traços que separam
Os conceitos que isolam?

Pitei e pois pois

O pensamento abriu
Deus a si mesmo pariu?



Extranheza

A solidão
É o lar
E a cura.

Tem-se de aprender
A diferença
Entre ela e o abandono.

O abandono
É de si mesmo
Desapego que
Muitas vezes
É um pecado
Contra a vida
Pulsante.

Mas a solidão
É o recolhimento
Da mãe precavida
Digestão da jibóia
Poderosa delicadeza
Em destilação.

Pra que se alcance a plenitude
E então só assim
A capacidade de interações criativas.

Tentafeita

Glória
Que glória há
Ao nato bebedor de água?

Que glória há
Ao de todos mistérios ciente
Que glória ao toupeira leal e duro?

Ternura
Que ternura há
Ao conspirador reincidente?

Que ternura há
Ao camponesito de bons gostos
Que ternura ao bravo sindicante em suas sandálias?

O sol doutra vida
Resplandecia ainda oculto
Irascível futuro pardacento
De folias anciãs.

Responderia diferente
Cego e incorruptível
Ao apelo final
Abrir-se-ia.

Contornaria eixos
Alongando omoplatas
Tornaria-se a própria música
A paixão autônoma suprema
Da arte mais nua
Do palco na lua.

Cavocações

Transvidou-se.

Possuía
A noção de que nada se possui.

Havia pito
Que o acompanhava volátil.

Cachoeiras
Pocavam
Em estertor de oásis
Ao deserto do labirinto
Matas e chuvas
No antro sacro
No vão infinito do si e sua imaginação.

Era lúcido
O sonho
Selvática ao faro
Precisa e perversa
A grande mãe regia
A orquestra rejuvenescente
Fornicar de supernovas eternas.

E ao desafio final
Endireitou-se
Deu-se
Para poder ouvir
A face inefável do presente.

Transvívido
Impudico sob o sol.

Papada

De quando em quando
Enquanto em encanto
Alquebra-se em pranto.

Alquebra-se jovem e senil
Sob o pranto que transborda
E transgride a esfera sem borda.

De quando em quando
Nota-se valoroso
Relembra a sã paixão
Da adolescência idealista
Perde-se no eu passado
E faz trampolim ao eu remoto.

De quando em quando
Nota o mundo pavoroso
Recorda-se das dores mais pungentes
Ah as dores mais pungentes ele sofrera
E elas eram o crucifixo do comodismo
O planger era pelo homem que se perdera.

Sofrera antes por si
Por seus próximos
Mas quando enfim descobriu
Qual era vera a pior das dores
Engasgava em mordaças
Via o homem de frente à televisão.

Sofrera muito por si
E por seus chegados
Mas a dor mortal era pelo homem
A escarra tenebrosa era o medíocre
Ai como chorou então pelo homem
E como aprendeu a desprezá-lo.

E por desprezar ao homem
Aprendeu amando a mandá-lo
Mandando então em si
Mandou-se à virtude
Aos raios que nos partam
Ordenou o fim da ordenha
O fim do ordenado.

Defronta

Querem lavar-me
Despejam a química
Solventes alergênicos
Cândidas conformes.

Querem lavar-me
Mas esta lama
Estou vestindo
Viva cor no cinzeiro.

Querem educar-me
Servem ração
Apóiam a inflação
Mulas impudicas.

Querem educar-me
Mas este bordão
Estou zunindo
Punho e prumo agreste.

Querem benzer-me
Sufocam o tempo
Vendem em partes
Mentem inocentes.

Querem benzer-me
Mas este ímpio
Está desperto
E não volta mais a dormir.

Jostal

A densa floresta
Puseram abaixo
À vácuo e pressão
Incinerada ao toco.

Virou o carvão pro churrasco
Cuja embalagem em letras verdes
Descrevia em caixa alta:
Ecológico.

Teoria Da Constipação

Olho
Mas não toco
Pois há mão à palmatória.

Toco
Mas não provo
Pois há língua à maldicença.

Provo
Mas não engulo
Pois há goela à guilhotina.

É tudo mentira
Porque o mundo
Não é bem como nos contaram.

É tudo verdade
Porque no mundo
Dão ordens os que conspiraram.

Nas vitrinas
Ofertas e saldões
Pregões de almas
Liquidações de traumas.

Nos passeios
Pedras e topões
Camelôs de sonhos
Ambulatórios bizonhos.

Pouco que tenho
Pouco ou nada vale
Não aliviou cenho
Escolhi bem malemale.

Pouco que sinto
Pouco ou nada conta
Ainda assim minto
Perdi o amor de tonta.

Sonho
Mas não lembro
Há realidade que me apaga.

Vivo
Mas não vivo
Há uma nova ordem na praça.

Post Lumen

Não basta
Viver intensamente.

Tem de
Viver intensamente
Em busca do sonho.

Não basta
Ouvir atentamente.

Tem de
Ouvir atentamente
Em busca do sonho.

Por que será?
Indaga a criança
Porque vos pago
Troa o crescido -
Mas
Pagar
Não é amar!

Pode estar
A vida toda
No mesmo lugar
Mas sempre outro
Ele se vai remostrar.

Daqui
Às estrelas nem ar
Ao perfecto nem til
À vitória nem ypsolom.

De vagar
Vinha lisura
Pelos pêlos
De ouriços eriçados
Polpa amendoada
Do crú coração de deus.

O anel do sucesso
E o do retorno.

Átmos

Tinha o tíquete
Cine surreal
Filme de jurema
Era um chá preto
A antimatéria.

Doutro lado
Crocodilos deuses
Lascivos curiosos
Um mantra cósmico
O multiverso na preza.

Infinitos tudos
Na catimbada sã
A cúlmina ciência
Explorar o além
Resgate psiconáutico.

Cosmotrônicas
Transdimensionais
Da vida inescapável
Ah pobre ingênuo
Da urgente vida
Que jamais se escapa.

Pré Fira

Melhor a banalidade
Sensível e atenta
Que a balbúrdia
Rebuscada e atropelada
Dos tais apaixonados.

Melhor a cabeça fria
De sonhos mundanos
Que a pressa exagerada
Dos que buscam resolver
À dita tragédia da vida.

Melhor o azedume
De sábios limões
Que o doce nauseante
Da bondade deslocada
Da justiça invasiva.

Bloguesfera

Meia-noite profunda
O relógio se apieda
A coruja pita.

Viemos pra quebrar tudo
Arrasar com a festa
Sermos os maiorais.

De gramáticas deslavadas
Bebendo dízel e água-raz
Prenda-me se for capaz
Se resistirdes às marteladas.

Marmeladas suntuosas
O mundo seguia cabrão
No mapa mal entendido
Não eram países e nações
Que as fronteiras repartiam
Eram fazendas
De gado de gente.

Da Lesgalidade

Tostal
A morfetização.

A vida não é justa
É folgada.

Vou passando
De passo em passado.

Estendeu?

Novo Em Folha

Da vela
És a flama
Da terra
És a plaina.

Na caverna
És o morcego
Na taberna
És o enredo.

Do barquinho
És o remo
Do caminho
És o extremo.

Na igreja
És o sermão
Na certeza
És a decisão.

Do sol
És a lua
Do sonho
És a nua.

Pro trem
És a estação
Pro bem
És o culhão.

Da equação
És a soma
Da lunação
És a onda.

Pra canção
És o gingado
Pra emoção
És o alado.

Bravata

Quanto mais a gente vive
Mais a gente morre.

E morrer é renascer
Pra vida que ainda vive.

Mas cachorro velho
Não atruque prende novo.

Gratidohm

Quando a vitória chegou
Ele não soube como fazer.

O prêmio não era paz
Era arma e escudo novos
Vencer não era o fim
Sim seu verdadeiro princípio.

Sobre a corda bamba
Não olhava abaixo nem atrás
Sobre a emoção atemporal
Bamboleava entre pitos.

Perigoso demais parar
Perigoso demais retornar
Sóbria lealdade restava
E rogava ao multiverso por direção.

A prece iniciava ilustrada
Oração de palavreado
Depois ele repetia noutra língua
E enfim percebia que reza boa
Era mesmo em silêncio astral
Pura audição em foco total.

Quando enfim venceu
Não teve tempo de parar pra olhar.

O amor já abria cadeados
Descendia do éter ao pé de mim
A ventura acenava marota
Cantarolava nova bahiana esfaimada.

A urgência já aguardava ação
Demônios cutucavam aos rodapés
A paciência já exigia o supremo
A suculência já pulsava o pântano coachante.

Quando o apoio firmou
A janela desgradeou
O colóquio sintético se engraçou
O tom prudente se afirmou.

Fim da batalha mas não da guerra
Agora o canhão laser fazia lazer
O ovo da fortuna escapulira da cloaca
Agora o trabalho era o melhor prazer.

Parabucólicos

Quem não pode club edge
Vai de sala de estar
Quem não pode sound system
Qualquer solo pra sapatear.

Vai de grama do jardim
Quem não pode caribenho
Vai de bananeira e aipim
Quem não pode jalapenho.

Hortelãs que nos sustentem
Quem não tem cash vai de quintal
Boldos cidreiras o bem esquentem
Quem não tem card viaja de vendaval.

Quem não pode club clash
Vai de sala de estar
Quem não pode trip system
Qualquer passo pra salvar.

Importancião

Será quê
Que importa?
Eu e você
A pátria a glória?

Mim importa paixão
Cucas frias sem cuecas
Brasilândia importa
De tudo pelo porto dos santos.

Caução à preparação
Que pré pára
E vem com livro pra poção!

Ôxe se não marreto!
Palavrão de contramão
Dou da bota o bicão
Porém bem também no carinho sou certo.

Tudo lindo
Boniteza soletrada
E quê é que importa?
Importa senso e ação
Importa nutrientes tração!

As fronteiras
De quark osso e pele
Importam sensciência
Essências invisíveis de paz
Importam a dança dos sóis
As sanhas das luas e lençóis.

E pré paro
Pra quando então parar
Ao derradeiro a encarar
Estar preparado de faro.

É o cheiro que importa
Da torta de pêssego
Quente dolce úmida
Vibrante fragrante
Em flagrante avante
De róseas essências florais.

As flores
Falam
Florem
Os amores
Calam
Colhem.

Amoreiro

Somos segredos
Que não se dissipam
Nas mãos do tempo.

Somos além
Muito além da imaginação
Imagine só.

Somos um esforço conjunto
Mil vidas em cada
Heranças indecifráveis.

Somos eternas crianças
Despreocupadas
Com tudo que não sabemos.

Somos sonhos
Que não se desfazem
No despertar inócuo.

Somos redes
De pesca de borboletas
Panapanás até.

Somos o tom de poesia
Das cores secas
Do fim de tarde invernal.

Somos frutos maduros
Melaço de amor
Antídoto pra todo rancor.

O Náufrago




Em sete dias
Uma eternidade.

Lá estava ele
Perdido há anos
Barba imensa
Uma manta pútrida
Mas forte como leão
Ágil como golfinho.

Era um idílio
Aquela catástrofe
Que em certo ponto
Chegara a ser benção
A ilhota distante
Parca em caça e fruta
Tinha entretanto uma fonte
De água cristalina morninha.

O náufrago
Único sobrevivente
Filho único de tudo
Dentre destroços
Que rolavam sobre a praia
Numa noite descobriu
Sementes!

Suas novas amigas
Sorriram com ele
Sete dias
Uma eternidade.

Passaram os dias
E uma eternidade
De labuta desmamada
De plantio grotesco.

E então sutil
Ele esfregou as pálpebras
Com um vulcão nas entranhas
Avistou um navio.

E a nau bizarra
Monumental
Parecia manobrar
Vinha o confrontar!

Mas ele agora
Teve medo
Teve fúria
Imaginando o mundo
Onde estaria então
Com todo seu ódio
Sua usurpação
Pedágios
Leis trabalhistas
Afinal ali
Ele estava em paz
Em seu éden fitoterápico.

Sentiu ciúmes de sua criação
Queria sua colheita
Desmanchou o grande SOS
E quando de bote vieram
Buscá-lo de volta ao mundo
Ele fez escárnio insistiu
Que ficaria ali mas forçaram-no
Então ele correu e correu e correu.

Não passou muito
Interessados
Gente culta
Decidiu seguir o rito
Nadar até achar
A ilhazinha do famoso náufrago
E lá foram
Pencas
E levavam também sementes
A desordem e o progresso.

O pária virara rei
Ria-se modesto
Sabia pescar isso sim.

Tempos depois
Em meio à sua farta agrofloresta
Ele era poeta
Sem folha de papel
Anotando a mais doce melodia
No areial ardente e vadio
Obra que ao fim de cada tarde
Se esvaía sob a pressão das marés.

Todos sete dias
Eternidades.

Psorando

As notas escorrem
O futuro incerto
Pro qual quero estar pronto
Do qual quero sair ileso.

Se não ileso
Ao menos vivo
Ligeiramente articulado
Pro low beat sinistro
Da ressaca apocalíptica.

Os dedos frios
Roçam e grasnam
Sob a matéria invisível do ar
As entranhas guerreiam
Contra os alergênicos boçais.

Sua originalidade
Era apenas um bom segredo
Sobre suas principais influências
E muitas vezes elogiar
Era apenas elogiar repticiamente a si mesmo
Te acho bom porque tenho bom gosto diz-se.

Essencial
Urgente
Era reconhecer
O mútuo
O trabalho
Os filhos
A mãe eternidade.

E tudo ainda estava pela metade
Quando ele achou que tudo se perdera.

Tudo ainda estaria
Sempre pela metade
Haveria uma linha infinita
Cortando ao meio o tempo
Em futuro e pretérito
Por toda existência.

Debarte

A luz vem da treva
Então não será a treva
A luz original?

E o que é o dourado
Se pros pássaros
O preto é prata?

Quem desabrevia
As mágoas supressas
Desta tirania incremental?

E quem sente com a mente
O sentimento que não mente?
Quem ainda lembra
Que o mais importante
Costumava ser o tempo
A liberdade da estrada?

Aonde estamos
Praonde vamos
Se alguém sabe
Está guardando pra si.

Quem somos
De onde fomos
Se descobriram encobertaram
Ou quem tentou falar
Calaram.

Ai o slow motion da clareza
Santificada seja a lentidão do circunspecto
Resguardem sob treze chaves
A nostalgia do vigor
A letargia do calor.

Dê-me a sauna
E então o mergulho gélido.

Dê-me o sonho impossível
E então a nua e crua
O desejo inapto
E o eterno inédito
O inevitável.

Da Cisão

Lá fora não se sabia
Se fazia sol ou se chovia.

Aqui dentro ele de canto
Soslaiava o belo grupo
Que se fartava à mesa.

Mas o indigesto
O improvável
Não eram pratos
Sim espelhinhos
Não era de comer
Era de cheirar.

Por longos momentos
Ele testemunhou quieto.

Os rapagotes e moçoilas
Da mais culta estirpe
Mergulhavam na poeira.

As testas e as gengivas
Flageladas de pureza
Da brancura tóxica
Alinhavam carreiras
Diziam estou aberto
Mas iriam se fechar.

Enfim ele exauriu
Não pôde mais olhar.

Foi à mesa curto e grosso
Se quiserem saber de mim
Sabem onde me achar rugiu.

Lá fora
Se chovia
Ou sol fazia
Pouco importava
Ele não tinha pressa
Estava fazendo por merecer.

Chegara a grande resposta
E ela pouco ou nada dizia.

Adestrava-se a ambição
Era tempo de cuidar do jardim
Abrir a ducha pras borboletas banharem.

Tinha dia
Não era fácil
Mas com coragem
Se se ajudava
A inteligência
Vencia.

Seu compromisso inadiável
Era com a honesta confissão
E no fim ele soaria trejeitoso:

- I had
To go see
About a girl.

Gloriosidade

Psicólogos natos
Predestinados ao labirinto.

Quando o assunto é sentimento
O que conta não é a intensidade
E sim a duração.

O que o trance uniu
Nenhum homem separa.

E enfim nos reconhecemos
Depois de a eternidade
Ter começado e recomeçado tantas vezes
Antes de chegarmos aqui nesse proseado.

Não há como ter força infinita
Mas se se está em acordo com o infinito
As pequenas ações trazem ele consigo.

Periculoso talvez
Talvez depois me açoitem
Maldito traidor espernearão
Como ousaste amar tanto?
Como ousaste dar-nos o elixir dos imortais
Se és pra escolha incapaz?

Infeliz cachorro
Exageradamente sincero
Inescrupuloso e irresistível
Como ousaste nos seduzir?
Como ousaste nos decifrar e satisfazer
Pra depois nos fazer correr?

Ai dama sagaz
Me engula o galanteio
Ele suspirava
Me deixa te elogiar
Me deixa dizer as coisas
Inspiradoras
Que mesmo descorrespondidas
Me alimentam de movimento
Me deixa te congratular
Por teres mantido as linhas
Esguias
De tuas filosofias
De mãe ursa.

Ela vagava pelo mundo
Desatenta ao fato de que
Do outro lado do bairro
Um sonhador semeava na imaginação
Uma deusa perfeita que tinha os exatos traços dela.

Então na esquina inesquecível
Ele veria ela de relance
Por um instante
E se perguntaria se estaria sonhando ou acordado
Se a vida não era a armadilha mais doce
Se o amor não era o sabor mais estranho.

E nunca mais se veriam outra vez
Não senão nos sonhos
De alegria mais apaixonados
De que jamais se lembrariam ao despertar
Como uma vida não lembra de si ao começar.

Da Deusa Da Lua

É um milagre
Que sorri de volta.

É o sabonete molhado
Escorregando entre os dedos.

É a certeza
De que tudo faz sentido.

É o destino
Que não perseguimos
Pois ele nos persegue!

É a irmã e a mãe
A musa e a distante.

É a voz doce
Da cascata láctea.

É o bom gosto
A origem do samba.

É uma miragem
Dum deserto impiedoso
Do qual não se quer sair!

É a terra prenha
O anzol dos anzóis.

É a canção sem som
A perfeição mais cabível.

É o supremo quadro
Que não se pode tocar.

É oceano frágil
Trazendo e levando
Só por se deixar respirar!

É o olho mágico
Do pórtico último.

É a marca maior
Rubrica do onipotente.

É a experiência filtrada
O melhor molde sabido.

É tudo e mais um pouco
O mistério dos mistérios
Que mal se sabe o porquê
Mas sempre sorri de volta!

Senecando

Eu às vezes tenho medo
Porque percebo como sou frágil.

A morte está bem aí
E eu vivo pouco
Muito pouco.

Entre viagens no busum
Compromissos que não desejo
Paixões que não são destino.

Eu tenho medo
De o tempo passar rápido demais
Ou de tudo acabar cedo demais
O que vier antes.

Eu quero demais
Amar tudo que eu puder
Dar tudo que eu puder.

Prometo
Ser infiel
Cacilda!

Raiou o sol
Que haja luz
No novo dia.

Guilhão

Depois que a chuva
Tiver caído
Depois que as lágrimas
Tiverem lavado tuas vistas.

Vais descobrir
Que se tudo sumir
O amor pode refazer
Num piscar de olhos.

Depois que os trovões
Tiverem falado
Depois que os relâmpagos
Tiverem sido despejados.

Vais descobrir
Que se tudo acabar
Ainda assim haverá
Amor no mundo.

Quando estranhos
Já não conversarem mais
Aleatoriamente
Indiferentes aos nomes.

Quando as buzinas
Já não tocarem mais
Reclamando do beijo
Que segurava o trânsito
De sinal aberto.

Quando o despeito
Tiver desistido
De replicar
E as ofensas sutis
Passarem ilesas
Sem resposta oposta.

Quando se deixar
De dançar
Em sonhos lúcidos
Quando se deixar
De respeitar
Os trincos trancados.

Quando toda esperança
Tiver se amainado
E no futuro longínquo
As crianças se esquecerem
Do pegapega e do escondesconde
Quando toda alegria
Estiver controlada
E do sol só restar o pó
Quando toda humildade
Estiver soterrada
E da perfeição só sobrar
O julgo da utopia.

Ainda haverão rebeldes
De corpo e alma
Cortando os pulsos
Pra regar de sangue
A terra ressecada.

Ainda haverão guerreiros
Artistas ativistas
Se atirando coquetéis explosivos
Bibliotecas da moral adentro
Institutos do arrependimento adentro.

Ainda haverão imbecis
Crendo em algo além
Rogando sem vintém
Evitando cuspir aos altos
Focinhando trufas no alfasto.

Ainda haverão sublimes
Esplendorosos doudos
Afirmando o firmamento
Do diamante etéreo que nos sustenta
Reclamando óleos tônicos
A lubrificar as engrenagens da razão.

Depois que a luz se apagar
Depois que o som se afogar
Depois do calor se esvair
Depois da cor descolorir.

Ainda haverá eternidade
Ainda haverá bondade
Ainda haverão contatos
Ainda haverão soldados.

Depois que a chuva
Tiver vindo à foz
Depois que as lágrimas
Tiverem rolado rio abaixo.

Se tudo sumir
Irás ver
Que num segundo
O amor tudo refaz.

Depois que os trovões
Tiverem cessado
Depois que os relâmpagos
Tiverem calado.

Se tudo findar
Irás notar
No mundo há de haver
Ainda muito amor.

Georgia

Minha terra
Ficou longe
Ai quanta saudade
Que sinto de casa.

Mas aquele antigo blues
Tão doce canção
Ajuda a manter o velho lar
No meu coração.

Arquitentando

Ah louco estúpido
Vadio e seus espasmos
De poeta salgado
Fedido como vulva e mar.

Ah louco eterno nobre
Aristocrata das migalhas
Sultão esquálido sob a ponte
Pianista sobre sua heroína.

Quantas vidas vives
Quantos mundos conheces
Vais além da opinião
És processo de formação
Inevitável alienação.

Se fosses doutro mundo
Ao aqui chegar
Certamente diria dos cheiros
Esta terra é feita de trigo
É feita de leite e lombo de vacas.

Se fosses doutro mundo
Diria dos cenhos
São todos infelizes
E só poucos sabem o dissabor
Da profana profunda noção de realidade.

Ai realidade fraudulenta
Escravizadora ladra
Usurpadora realidade inquebrantável
Ai planeta óbvio e incompreendido
Tuas esfinges já não atraem
Ninguém lasca mais o mármore
Esculpindo a verdade dolorosa.

Ó santo falastrão
Truculento e suculento
Quente e úmido como jazes
Inerte e compenetrado
Em teu quintal aloprado
Como repousas ardente
E mudo
Vendo as estrelas correrem
As estações reciclarem.

Ó ignóbil inútil
De punhos soltos e dedos leves
Batedor de carteiras
Podias ser o beethoven renascido
Mas viciaste-te no cômodo
Amaste demais à ferramenta
E te esqueceste do crucial.

Esqueceste-te
De que cimento e tijolos
Enxadas e bricolas
Em lugar algum chegam
Sem planos pormenores
Sem a benção genuína
Da atenção que ilumina.

Homagem

Ela vem de sopetão
Chovendo rosas e tulipas.

Ela não se preocupou
Se eu cheirava mal
O escambal!

Ela não se importou
Só o mínimo perguntou
Ela é puro alto astral!

Cheguei nela de sopetão
Com granizo de manjericão.

Ela me respondeu
Como pra um irmão
Lindos dias pra você ela dizia
E pra você dias lindos como você eu respondia.

Ela que era verso vivo
Rimou todas estranhezas
Fez dengo das destrezas.

Ela que era
O nome recluso
Que surgiria na pedra
Carvada misteriosamente.

Ela que era o último nome
Da cabala descabelada
Era bonita como sol
Era a derradeira paixão
Do sim.

Ela era a melhor poesia
Não dependia de palavras bonitas
Nem de grandes enlaces da inteligência
Seu deslumbre era o dia a dia
As vivências que emanava
Sua perfeita ode
Era mera consequência
Da vida que vivia.

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A dança
É o sétimo dan
Do silêncio.

Dançar é também
O grau supremo
Do saber ouvir.

Ninguém aprende
A aprender
Isto já se vai aprendendo
Apreende-se-se.

Mais tarde
Aprende-se a saber
Que é como ter em si
Taisquais partes de tudo.

Há boas coisas
Que ninguém ensina
Simplesmente
Sabe-se de coração
Ou não.

Há outras cousas
Que são a pura sina
Solarmente
Aí sonha-se o sonho
Ou faz-se demente.

Na apoteose da graça
Havia um sorriso secreto
De cada um
Que só Deus via
Quando admiravam uma alvorada
Quando amavam à paisagem.

O dom
Sacro
Era sazonal
Interina magia.

Fugaz nobreza
Da floração
De crer-se
Na beleza.

Beiçoqueiro

Pro homem
Bem beijar à mulher
Ele tem de ser três.

Pura matemática
Que contra os dois lábios dele
Ela sempre tem seis.

Peripérsias

Aqueles grande olhos
De mar aberto dela.

Ela que era a poesia viva dos dias e seus vendavais
Ela que fazia o tom dominador que baixava todas orelhas.

Desbravava
Escoteira
Risos
Que nutriam
A lama
O humus do sonho.

Tresvisão

A sorte acenara-lhe.

Ele tinha saúde bastante?
Perguntavam os velhos
De mandíbulas cimentadas
E peitos cadentes ansiosos.

O pior alarme
Soava
Rotundo
Num casamento
Entre ruído de geladeira
E estrondo de avião risível
Os pés diziam tudo
Atente ao frio
Atente às dobras das esquinas
Atente suave
Usa tua chave
Cadê o desespero
Que me prometeste?
Cadê o espírito guerreiro
Que certa alvorada doce
Vislumbramos sofia?
Lilás violeta
Tantas índias.

Quem não conhece o Brasil
Que me perdoe a ingratidão
A indelicadeza sem querer da mão
Que vem antropofagando de alastrão
A la tudo que é desastroso pro nome
A la tudo que desmantela as estruturas.

E por fim
Uma canção
De ninar
Intrometida
Consolando a criança
Sim criança nasceste
Não te lamente não arrependa
Ah filha minha
Descobre tudo
Que nao descobri!

Dos Esfrangalhados

De quem dança descalçado
Em qualquer pista encardida.

De quem samba meio cego
E beija os pés da atriz principal.

De quem faz muito fazendo pouco
De quem as donzelas roubam doces venenos
De quem bota o palco pra vibrar o coro pra comer
Garotada desconfusa salpicando eternidade no preparo.

De quem vê beleza na multidão
Se apaixona a toda hora no lotação
De quem corre pra lavar as roupas
E dá flores sem segundas intenções.

De quem quando pega
Faz valer
De quem quando bebe
Entorna a enternecer
De quem solta os freios na contramão
E se ilumina descartando a adequação.

De quem gosta de abacate com limão
De quem mete fundo a língua nas orelhas
De quem coloca amor em todas as linguagens e indagações
De quem não leva desaforo pra casa e se redime sem se vingar.

De quem sorri feito idiota
Pras criancas dos outros
De quem é brabo e não fraqueja
Mas se desculpa porque pouco almeja.

De quem tem frios na barriga
De quem chora sem saber porquê
De quem se arrepia todo tempo
De quem tira mel do tormento.

O melhor da vida
O mais bonito do mundo
O mais fundo da alegria
As favoritas dos grandes gênios
Isto e mais um pouco
É de quem quiser
É de quem pegar.

Cada coisinha
Em sua certa hora.

Fala Ação

Fala
Fala tudo.

Qual teu mistério?

Qual o detalhe
De tua arte
Mais imprescindível?

Quero o núcleo
Desta coragem
De ceder aos amigos
Buscá-los
Por seu mais importante.

Decifrar
O intransponível
De cada um
Tudo e todos
Alcançar a esfera
Dos teus preferidos
Dos teus grandes favores.

Benção
De linha
Que desenrola
Enrosca carretéis
A tronca
De lapada
Numa só
Na pressão
E cuidado não desmaiar.

Excitofrênico

Vai manda pra dentro
Nem sabe o que é
Mas vai que vai!

Deus deu a mão
Ela quis o braço todo
Vai vai enfia o silicone
E depois não pode mais abraçar forte!

Açúcar engorda
Mete adoçante então
A gripe é pandêmica
Mete a agulha na veia!

Me salvem
Socorro bradam
Berram ajuda ajuda!

Não sabemos mais pensar
Temos as vistas turvas
A fala arrastada
Temos o raciocínio lento
Mas por que
Ó senhor por que
Se tudo ao redor é tão rápido?

O que sei da vida
Que me contam pela telinha
Parece incompleto
Mas menos completo sou eu
Ai grande menu de carnificina
Odeio mais ao assassino ou ao corrupto?
Desprezo mais à china ou à somália?
Ai dor da partipulação
O busão travado no trânsito
Passeia por mil locais que desconheço
Desconheço meus vizinhos
Nos meus sonhos sou sempre outro
Chamo a amada pelo nome errado.

O nobel da paz
É a isca perfeita
Politicamente correta
Samba no anzol múltiplo
Apoiando a dor nuclear
Defende sereno a destruição.

Ah santa mãe de todos os santos
Ajudai-me!
Dai-me alguma razão
Dai-me cinco minutos
Ai cinco benditos minutos
Pra que eu possa respirar
Pra que eu possa olhar pros pássaros
Sentir o vento!
Pra que possa me acalmar
Olhar um instante pros meus filhos
Fazer um afago à minha esposa.

A vida não passa rápido
Somos nós que aceleramos
Pisamos fundo sem chorar
E quando surge o denso muro
Não há nada a contemplar
Choco-me com a mentira perfeita
Heptaplégico suspiro então
A perda de todo sentido.

Quisera a alegria mais banal
De poder ver minhas próprias mãos
Quisera o sonho virginal
De correr descalço rolar na grama
Quisera um tempo anormal
Em que tudo fosse natural.

Mas não há tempo
Não há paciência
Vou de drive-thru
Que depois arde o cu
Se eu fosse macho
Espancava alguém
Incendiava um mindingo
Dilacerava um velho índio
Se eu fosse gente
Metia mão naquela boceta
Quebrava o queixo do patrão
Machadada à testa da dondoca!

Ah se eu fosse melhor
Se eu soubesse beber água
Se eu soubesse cavar buracos no chão
Se eu soubesse tirar do frio da terra
O mamoeiro o abacateiro da ponderação
Mas quem precisa de harmonia
Pros infernos com o silêncio
Quero palavrões em todas expressões
Preciso do gesto abrupto que aprisiona
Que atrás de grades é que sou eu
Estável protegido do mundo lá fora.

Ah tenebroso mundo lá fora!
Há estradas eles dizem
Mas eu não creio
Nunca vi
Há gente boa lá fora
Eu não creio
Nunca senti
Há perfeição lá fora
Nem a pau
Nem lá fora nem aqui dentro!

Mas há um futuro
Bom futuro que me aguarda
Quando o mundo tiver menos gente
Quando os terremotos e dsts vencerem
Lá estarei eu firme e forte
Vestindo a máscara da bondade
Conformado orando por sobreviver
Uns têm medo de não viver
Uns temem o mundo não ver
Mas eu
O que eu temo
É a consciência
É a verdade óbvia
Que não sei
Não quero saber
E tenho raiva de quem sabe!

ESTÓRICO