Auspício

O foco da lente
Angulares e objetivas de nossos dias
Ah nossa sagrada vitória
Ah pranto represado de minha consolação -
Trouxemos nova vida ao mundo
Trouxemos novo amor à vida
Mesmo que sem querer querendo
Está aí
Dito e feito
Nossa esperança nos alimenta
Frutos doces livres caem das copas de nosso jardim.

Já não sei me enganar
Então me desengano na imodéstia da certeza
Certeza indigente
Verdade mendicante
Ai terminologia obsoleta
Sintaxe amorfa aprisionadora
Estou liberto
Do desatino da lógica
Da frieza do teorema
Intruso num mundo de maravilhas
Pés descalços sobre brasa de asfalto
Ó estradas da terra
Tantas e tão diversas
Caminhos abertos ao criativo
Prova cabal da justiça sem nome.

Quanto descabimento
Me dizem quero viver uma vida certa
Preparando-me pra morte
Me dizem quero viver a vida perfeita
Treinando ética pra próxima
Ou pro além ou pro extramundo duma existência eterna
Eia amigos força coragem
A vida é dura mas é doce como rapadura
Eia guerreiros fronte erguida abram o coração
Nos sonhos temos tudo
Mas a real não é isso assim
E por mais que se desespere
A real é cruel é só uma -
Passo longe de pormenorizar explicações
A graça dela pra mim é que seja assim tão complexa e tão tangível
Tão fenomenal em sua indefinição fantástica em sua próspera diligência
Tão absurda em sua ausência de probidade e ao mesmo tempo tão palpável.

Ah largos vales do Sião perdido
Ó bela alvura do momento indistinto
A substância verborrágica se esparge
Suave unção da consciência
Tragicômica consciência o último reduto de toda inteligência de toda potência
Ah consciência tu és instinto também inconstância e revelação também
Tu és a ruptura do supremo vulcão
Tu és o vôo imóvel do cristal infinito
Ó nobre ventura de minha alheação
Sou espírito de dança e nada mais
Sou a espiral única em que bailam as supergaláxias
Sou uma garça em caça na pontinha das patas
Sou as garras da leoa destroçando a cria fraca
Sou a imponderância do estio abençoado
Verão equatorial numa era glacial virtual
Lótus desapegada
Sou o amor que meu cão tem por mim
O carinho de minha vózinha
Ah como sou grato
Como sou grato minha mãe
Minhas mães e meus pais
Perfeita gratidão é meu nome secreto.

Num silêncio desregrado
Macunaíma de megalópole
Dou vida às máquinas com meu cantar
E sigo cada cor até seu fim.

Perfeita gratidão é meu nome de nascença
Bater dum coração sina sonsa e passageira
Venero à vida como o beijaflôr venera à tulipa
Minha prece silente é vôo de borboleta translúcida
E o universo é um som que cabe todo em qualquer tom.

Em breve sei que rio
Rio de rir
Desaguou minha mágoa
E o rio de minha alegria ganha margens
Tromba dágua sapiente
Estanca o rebanho e arrasta o desatento
Prenuncio medo num rumor
Dou aviso que se vaze vá-se à terra firme
Que a chuva cai e cumula impulso
Rolam grandes pedras de momentos
Foz abaixo arranco árvores pela raiz
Ventos de fúria ainda me ajudam
Desnudando a euforia
Pondo em guarda a hipocondria
Vá se afaste que tal amor vem de arrastão
Vá fuja logo não se afoge histrião.

Pequeno de mim
Imberbe lenhador
O que digo que se me expressa
Vem sem mérito e sem pudor
É a terra fértil em mim que o externa por mim.

Vera perfeita gratidão é meu nome indiscreto
Vera profunda perfeita gratidão é o signo de meu sol
E na entrega à realização
Choque insano da compreensão
Só me resta uma faculdade
Endurecer-me ao zero absoluto da simetria radial
Expansão incansável despertar contínuo de toda fibra incandescência em calmo sangue.

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ESTÓRICO