Uma Hora Vaga

em uma hora vaga

pensamos mil destinos

refletimos nossos desatinos

numa hora livre

nos vêm ao encontro os encantamentos

uma saudade doce

o amargo duma desilusão

em uma hora vaga

navego minha nau

a pena meu mastro

o coração minhas velas

eu vulnerável sem lastro

venerando o infindo oceano

planando sem rumo nem engano

o relógio acusa os minutos e seus funerais

sinto os segundos escorrendo na ampulheta de minha emoção

minha paixão enfurece e lúdico aspiro aos nupciais

na minha terra sem terra de barro

pátria de aço vidro e concreto

amadureço em Deus, encaro reto

sonho as cores em mananciais

lúcido em bodas invernais

me entrego à rima como à doutrina

sempre atento e respeitoso

quero me provar dom de gozo

e o casco flutua rasga o véu do saber

fina lã que permeia o eterno recorrer

embaralho minhas vontades e busco a força do instinto

sei que sou o que sou, seja lá o que isso seja

e sem ânsias de entender, me entendo além de explicação

certa feita perpetrara o horrendo ato da descrença

e mergulhara em ilusão funesta

fiz-me suposto onipotente em prol do surpreendente

e feri-me ao olho, à razão

desdisse-me e encalhei ao ribeirão

jovem homem em confusão

quis ser o rei dos reis, um segundo Salomão

mas a maré me arrastou a mim

a tempestade parecia sem fim

o mar se fez deserto

esqueci-me do sim

um sufoco, um aperto

em superstição um despeito

me fingindo do extramundo

mascarado cínico e imundo

fiz o que pude pra me provar de sangue azul

e desprezei o pai ao sul

em uma hora vaga

minha liberdade nasceu e morreu

em seu primeiro terço já me calava

foi a criatividade quem socorreu

numa hora vazia

me compromisso ao descompromisso

estou em pé, porém de joelhos, submisso

de todo rancor me faço omisso

que deixar secar a alegria é rude desperdiço

estatelo semblante à densa brisa

escancaro o sorriso em decisão concisa

ensaio gestos de grato à vida

valso brinco faço circo da ferida

e o povaréu tão quente de meu Brazyw

me acode intermitente ao gargalo do funil

me lembro do verde do cristal do Goiás

me arrepia só de lembrar, aliás!

as indiazinhas do meu sertão

as pingadinhas no baião

corro corro estafo e me zango

pra me curar um bom rango

da Tia Odete ou da Dona Sônia

um cafézinho sem parcimônia

o pão francês do humilde burguês

reparte-se sempre

na míngua ou na fartura

alimenta e faz freguês

endireita e enobrece

mas é pra agora, que endurece!

da vaga hora foi-se meia

daonde estou vejo o horizonte

detrás da parede defronte

da meia hora transcorrida

me comove e assusta a subida

súbita evolução sem saída

certa feita fiz-me pai de mim

uma boa vírgula

um pai de si em si

no tom dourado do amor

e descobri sem pudor a fonte da vida

refiz a fé na corrida

parei pra sentir o sabor

e deixei-me cair em alvo calor

suingando criador

dando nome ao valor

fiz-me poeta e trovador

na nobre benção do louvor

quando dei conta da confusão

quis justificar a intrusão

desculpar-me ao leitor pela alienação

vi chorar o menino na rua

enquanto passeava pelo mundo da lua

mas tive sorte, tenho muita sorte

de ter no cerrado redescoberto a facilidade do cingir

de ter fiel ao fato enternecido meu agir

sorte forte e promissora

que arrebata como boa professora

um nascido em berço de platina

fazendo da caridade brilhante sina

tão belo o imprevisível do partilhar

mil mais cores a respirar

pranto em engasgo a se libertar

tão bela a grande família sem nome

a coragem honesta da boa fome

satisfação vera e intensa do homem

a hora vaga antes vazia

agora dos três terços só tem mais um

última esperança a regressar

sinal da taça que há-de transbordar

e de verso em verso

vai resumir-se a um quarto

a hora quase cheia

e então a um quinto

um sexto

o sétimo divino

e por isso a ponte

a elo do destino

ao começo não sabia o que queria lhe dizer

em rasante eloqüente não se pode adoecer

selo a boca a alma o ventre

cerro o punho o cenho prenhe

deixo cantar meu silêncio

degustando as uvas da Sicília

banhando no leite da vigília

afrouxo minhas rédeas

cavalgo ao largo certezas pétrias

inspiro lento as primícias

dum encerramento em grossas rimas

a cor

do sabor

da dor

do estertor

do amor

o sumo do lume

o sangue no gume

o som do são

o sim na razão

céu profundo

esquina do mundo

fazendo fundo

n'orar vagabundo

quanto valem cinco minutos

na admiração dos enxutos

na inocência dos estultos

quanto valem mil destinos

na integração dos grãs-finos

na gratidão dos nordestinos

quanto vale a virtude

altaneira atitude

nos elevando a altitude

quanto vale o momento

redentor do tormento

oásis de todo alento

a hora vaga vagueia pra longe

nasce outra e pede mama

a curiosidade sagaz responde

o sempre é da lama à lama

Vudus

hoje sempre o dia mais importante
os infinitos detalhes

a vida em chavões maçantes e desgovernados
por vezes engraçados -
lições aos predestinados

quanto tempo dediquei a amá-la em minha imaginação
mas porém contudo entretanto
é apenas imaginação
e ela roga pra que eu nunca mais a procure
e me vejo na encruzilhada duma loucura
desatino de que me desejo expurgar
e então me consolo novamente na imaginação
desta vez a imaginação de um oceano de amor porvir
e então reencontrar a paz aceitando às limitações inevitáveis

não como um conformismo cínico, ao menos não inteiramente
que a flama queima e quer iluminar
o rio corre e nos convida a banhar
a pura alegria magnéctica do guerreiro da terra termina o serviço
forçando à contemplação inequívoca do organismo
sua rutilante presença
fábula de encrudescência

infinitas tangentes no ó do borogodó
e até um senso de direção provido pelo acento agudo

e a esfera se dilata
o silêncio acolhedor da solidão desperta
firmeza nos punhos e leveza nos dedos
o sonho do real instiga à paixão
em cada pequenino instante
instiga a mil instintos e rebotes e repiques de instintos
instiga à música e ao baile, graças aos bons céus

o preconceito das cores
a particularidade de nossa visão
nossa realidade toda parametrizada por um desenho cristal mui específico
cada estrela que é cada presença

ruge o leão consternado

brada o primevo pai o levante às armas!

nossos hábitos ciganos imorredouros
em suas transformações maravilhosas
nos presenteando néctar em cálice dourado -
até levantando alguma poeira!

Comun In Dios

não tema, mizifi

me sinto forte pra qualquer coisa
minha preguiça morreu
sufocada por uma energia infinita incontível

Mãe Gaya me acariciou
afagou meu ventre cósmico
e minha bandeira branca tremula agora ao vento divino

o amanhã que não existe senão como promesso de um hoje sempre mais promissor

hoje o dia mais importante da minha vida
ciente duma responsabilidade e dum privilégio
a honra dum conhecimento esquecido
conexão singela e simples com a potência assustadora da profunda paz
a comunhão dum sentimento elevado
a partilha de armas e armaduras entre irmãos
na guerra pela luz

e me lembro de tudo
essa viagem de chá
insólita
que me tornou um com os vagalumes na floresta encantada
a intensidade dum sol queimando em minhas veias
o ardor duma loucura absurda que conquistei em inspirações um tanto desesperadas um tanto sábias
a morte do verme em mim
a nítida fronteira entre a volúpia e a morte
a noção de interpolação de todos os pensamentos vivos
como se minha mente fosse um pára-raios
recebendo relâmpagos imensos sem interrupção durante uma hora

quis saber como seria uma dose dupla e soube

e agora sei que pra se mudar de vida
basta mudar os pequenos hábitos

trocar uma refeição exagerada talvez por um bom chá de camomila
trocar uma masturbação funesta talvez por uma valsa favorita, um yoga
trocar um humor forçado e afetado talvez por alguma estaca zero do sorriso
trocar minhas opiniões enferrujadas talvez por um silêncio receptivo
trocar todo meu amor talvez por um todo novo, um novo começo impontuável

ah, propícia estação, cio da terra

ai das minhas lágrimas estancadas
pranto recluso se recusando à covardia
a água de mim querendo transbordar por excesso de alegria quântica
e então o cristal de mim segurando as pontas
pra lá e pra cá nas ondas do grande oceano de emoção
não choro
e faço relato inequívoco
do sucesso duma tranquilidade curiosa

sucesso que carrega uma imensa tristeza aos ombros
o peso de mil mundos e martírios
sustentado num coração dourado
doce como mel e forte como a própria vida
encerrando em si toda coragem que digere a miséria
concentrando forças em direção duma virtude simples, humana e mundana

e então o horizonte do homem
o ser humano em sua evolução tão constipada
o perigo da esperança cega
a certeza da necessidade de dádiva ímpia

Pela Janela

Olá papel branco e neutro
Perdoa a intransigência o despeito
Hoje lembrei que minha mãe vai morrer
Tive medo de criança quis abraçá-la beijá-la lhe agradecer
Mas ah loucura ela me agrediu por causa de minha barba por fazer.

Sempre soube disfarçar
Talvez uma inteligência me ajudou a mascarar
Sentimento a me rasgar
Eu queria uma família que gostasse muito de cantar!

Ai Pai do silêncio
Ai ouvido sem senso
Se tem mesmo algo aí do outro lado
Que recebe as preces dum sonho alado
Peço-te meus irmãos perdidos
Que reanime os elos esquecidos -
(de subito uma borboleta entra-lhe pela janela) -
Ó coincidência sublime!
Ai ceticismo que retrai!
Ai frutacor que tanto atrai!
Serei cena dalgum filme?
(a borboleta pousa bem em frente ao caderno onde ele escreve - ele deixa a caneta cair e começa a falar em voz)
Que tens pequenina que queres?
Que pode um solitário azedo ofereceres?
Ai borboleta serão minhas lágrimas que desejas?
Será o rio desaguante de angústias que almejas?
Mas ah de repente entendo-te
Repousa moribunda e eu pensando entreter-te
Ouço já agora tua suprema afirmação
Por Tupã creio que sinto tua lição!
(ele muito vagarosa e delicadamente encosta na borboleta, que despenca inanimada assim que é tocada - ele a acaricia e chora, e volta a escrever mudo)
Do caos da lama brotamos
Lótus psicodélicas vamos que vamos
Deserto da glória afora
Rogo por um fresco regato sem demora.
(ele pára - olha novamente a borboleta - amassa o papel e atira-o longe, de súbito muito tenso, internamente tenso - grita repetidamente em pulmões cheios:
"Conformidade lastimosa!!! Conformidade lastimosa!!! Conformidade lastimosa!!!"
(virando a mesa, chutando o cesto de lixo cheio de poemas amassados, e então se estira na cama desconsolado abraçando o travesseiro; se ajeita, olha pro nada e suspira:
"Isso?... foi real?... uau..."

Sermão Do Fauno

Ah noite da cidade
Santa douda sem idade
Desde Grécias e Egitos
Palco livre dos agitos
Ah noite na cidade
Treva e gozo em divindade
Paz dos feios e malditos
Maquilagem aos detritos!

Ah negrume sem nome nem rumo
Vazio indiferente em aprumo
Cantas silencioso tua esplendorosa lira
A harmonia das esferas em pombagira
Ah foice consoladora dos bailarinos
Noite bestial e delicada troando sinos
Evocas o fauno sua corneta seu varão
Quer nova temática à letra - sã ação!

O repique de batuque salsarica
Estrimilica meu coração
Ai musa amada distante pudica
Fremo os pés em devoção
Vejo surgir no horizonte uma lua cheia
Que anuncia dor de parto - farta ceia.

É tempo de inventar-me um novo amor
A mim e a minha rainha sem rosto
Hei de preparar elixir de denso sabor
Um chá da Amazônia de amargo gosto
Pra mór de fortalecer a minha prole fogoza
Fustigando-os com as vergastadas do gingado
Libertarei-os no seio da verdade imperiosa
E nosso segredo profundo será a ordem do reinado!

Talvezes

o homem talvez
contemplando-se a si como a qualquer coisa contemplavelmente contemplante
o homem talvez
um ruído cintilante lancinante nas marés supergalácticas
o homem talvez
um sonho eterno matriz dum cosmos todo a si somente
o homem talvez
um gatuno em deletrear vilipendiosamente aglutinante
o homem talvez
uma troça de toda pretensa parametrização de instinto e concórdia
o homem talvez
uma roda gigante estradas afora contando alegrias em sorrisos únicos
o homem talvez
uma valsa extremista sujeitando ao calvário toda lastimosa conformidade
o homem talvez
um vulcão incontrolável responsável pela manutenção de sua estapafúrdia essência cristalina
o homem talvez
uma linha, uma linha sem aparente rumo definido, nascida num talvez e então espiralantemente decretada ininterruptível pelo conluio desbragado de toda redenção
o homem talvez
uma esfera intangível de raio infinitesimal em emoção sorrateira pregando sobre a prezada previdência
o homem talvez
um meio bruxo meio tímido
o homem talvez
um jovem crendo n'O Grande Mistério se fazendo leve como a brisa abraçando todo toque do coração
o homem talvez
um medo duma rabugência previsivelmente prevista pela noção preponderantemente pastiche do solilóquio inevitável
o homem talvez
a superação de todo medo da morte
o homem talvez
um segredo novamente viajando árvores adentro
o homem talvez
suas próximas gerações, que, Deus os guarde, venham como vierem, virão em apuros

Pranto

um senso de responsabilidade vago

por vezes me alcança entrementes porventuras

um pranto imenso

eu debaixo do chuveiro

um banho incompreensivelmente restaurador

em que toda água do mundo eram minhas lágrimas

eu chorando por minha mãezinha

o pequeno tronco d'água deslizando por minha pele como uma outra pele se me agarrando

e então toda tristeza duma vida expurgada num pranto sem medida

um engasgo de libertação de toda conformidade

e a água rolava macia acariciando meus pêlos e cabelos

como um tronco d'árvore ereto e imóvel eu recebia aquela chuva

apenas panturrilhas contraídas, o resto do corpo mera massa esvoaçante em gravidade zero

um banho incompreensível

um pranto sem medida, nó na goela por tanto maltrato à minha mãezinha

e então o chuveiro corria

o magnetismo de minha aura dissolvido naquele fluxo

encanamento acima e abaixo minha eletricidade viva viajando velozmente pela continuidade do fluxo líquido

eu me fundindo à geometria de meu lar no abraço quente da higiene

num pranto engasgado em que tentei sentir minhas lágrimas

e vi um oceano em torno de mim como uma lágrima infinita

minhas lágrimas como meras gotas fundidas ao fluxo do chuveiro

um pranto que durou um minuto e uma eternidade

por vezes um senso de responsabilidade me alcança

e tenaz sigo em minha intenção hiperbórea

sabendo que tudo é possível e que inclusive o impossível, por não ser senão o infinitamente improvável, é muitas vezes o próprio óbvio latente

sabendo que nada é proibido

penso no sol

e em como quero ser íntimo dele

e na dieta que isto implica

penso em como penso ser importante a intimidade com o sol

e compartilho de minha mesma opinião, previsivelmente, porém não senão através de um contínuo esforço de transparenciação espectral

amo o sol

sua delicadeza e sua monstruosidade

o grande tirano de meu coração

ah, sol, quão ridículo me percebo ao cantar-te

tu, que não invejas nem mesmo uma alegria demasiado grande

ah, nobre astro

como lhe sou grato

como lhe quero como símbolo último de meu despertar

e creio que você saiba bem de que estou falando

apesar de ser sempre sol e sol somente, apesar de não comunicar nada senão silêncio solar, silêncio que exige o silêncio e o sol de cada um

te amo tanto

e por vezes até alucinadamente

e por amor de ti esmago minha fraqueza

por amor de ti cultivo o jardim de meu matrimônio e oro em valsa perversa

por amor de ti encaro o insólito de minha patética existência

e me percebo ferramenta bela, ótima, à construção dum palácio de magia

graças à tua hospitalidade sei da grandeza de meu destino, mesmo sem poder saber que destino seja afinal

peço permissão então

pra sonhar contigo em meu coração

permissão e benção

pra surrupiar de ti esta clareza implacável e benevolente

pra viver minha cintilância como fazes tu, irretocável, supremo redentor de toda dor, afago último da original instância

Riso

Riso
Sorrindo

Riso
Rindo

Rindo-se de si
Riso risonho
Em risadas rimbombantes

Relaxando
Em rasante
Fazendo tábula rasa
Em razão rosada

Raspando respiro
Em ruído engraçado
Ah!, Risada!

Minha maior amiga
Minha mãe e meu pai
A ponte por sobre todos os rios da ignomínia
A esperança cética do prodigalizado
O punho do cunho do vernáculo
Entorpecido à taberna
Em divino espetáculo
A crua singeleza
A sinistra estafa mística
As mandíbulas do tubarão boca afora em brado certeiro

Saravás

Salve às Xivas da Silva!
Salve mãe cabocla do sertão!
Salve os padrinhos e aliados!
Salve Chico Mendes e Mussum!

Ao povo do realengo,
Aquele abraço!

Banana pro domingo,
Não quero estar dormindo!

'Bananas!, bananas!',
Já dizia o piadista.

Salve Mãe Iemanjá!
Salve Ci, Mãe do Mato!
Salve nosso Imperatore sem caráter!
Salve a sanha do Brazyw!

Mah quê!
Pois pois!
Ora bolas!
Sensacionalismos!

É, só.
Possacrê.
Bote fé.
Concertezas.

Tiozão faminto,
Moleque sabido,
O carente no colo,
A menina de fada na fantasia do estrangeiro.

Êia, povo de Deos!
Creaturas iluminadas do café com leite,
'Mani!', já dizia, em nome das filhas da macaxera.
Creação formosa
Nos vagos dos planos e planaltos
Nas danças de quentes e frios das brisas redemunhantes.
Creação tão bela
Esta imensa primavera
Lar de mansidão mesmo à fera
Instigando comoção da vera.

E mesmo ainda distante do próximo pranto,
Mesmo ainda controlado e seco e rígido em deletrear de segredismos,
Mesmo inocente em excesso de poder,
Não me dóem as mandíbulas nem me desespera a loucura.

Mesmo em sandismo apócrifo e extramemente dubitável,
Mesmo em cínica profilaxia e lúcida anomalia,
Mesmo em fustigante inspiração hiperbórea,
Não me creio detentor de qualquer ulterior segurança espiritual.

Como o parto dum dragão.
Ou a morte em guerra contra o inimigo invencível.

Como uma pluma de platina
Esvoaçando arrepios às nucas
Levando fumo aos lábios
A satisfação da semente que germina.

Salve Paim Iexuá!
Amém.
E amemo-nos, mas não amenamente!

Amor

nobre estigma
supremo enigma
sina maligna
rocha ígnea

saltimbancolagens
balangandançantes
aleatoragens
abadabacantes

Amor

esfera prolixa
vitória prefixa
inspira submissa
tirana malícia

esdruxolosofia
palimpsestorgia
espancalipigia
anarcalegria

ah, O Amor

Borboleta Violeta

borboleta violeta
sapeca à beça
violeta malagueta
vive sem pressa

borboleta violão
rainha da alegria
admiro montão
tua lenta magia

violeta é treta
é sem porém
nega arrebenta
benção e amém

borboleta sim
violeta enfim
sou afim
e timtim

Predileção

quase estupidamente me dou conta
da escolha

me sentir bem
venerar à Vida

as coisas que eu realmente gosto
é disso que quero falar
e das coisas inevitavelmente fonte de toda criatividade que me permite escolher minhas favoritas

paçoquinha de amendoim
a fadiga metálica de Allan Holdsworth
a sétima corneta aos lábios de Miles Davis
o fôlego ininterruptível do supremo amor de John Coltrane
espinafre refogado ao estilo marinheiro Popeye
valsar harmonias imaginárias sobre percussões invisíveis quando em ausência aparelhagem sonora
tantas, ah, mas tantas, tantas garotas lindas
e minha família suportando a crueza de minha lealdade, talvez esta minha alegria azul indigo que é a maior maldição da conformidade lastimosa
dançar canções imprecisamente
dançar canções precisamente
abóbora, canadaçúcar, fejão branco e arroz negro
muita pimenta, tanto quanto possível em manutenção pacífica de acidez
a terra e o ventre da mãe do guerreiro
um pito saboroso, amizades eternas, confusões reclusas inconfessáveis
esta frustração indecorosa, esperança de amor no mundo
esta cegueira a que me condeno por amor ao homem
este pranto represado sem nem mais nó na goela
tão somente uma prece silente à roda do meu coração
ah, tantas e tão belas donzelas
balzacas, lobas, coelhas, mariposas
gregas fulôs violetas lucianas carolinas
tanta teimosia desavisada afiando as lâminas da gaiana sapiência
a ignomínia anômala se acidentando em desilusões
meus pulmões, elo de minha conquista de mim
o mar em velas e pranchas, toda faunaflora com que sou uno
o singular divino do tempo etéreo em sua magia
chama mortiça de nossa virtude em tédio brega resplandecente
esta sincronicidade profusamente prolixa
catapulta de magnitude cósmica o rebento da libido em verso xamã
o correr dos detalhes

Ode Grata

ah alegria alegria!
humor jovial tão tardio
ah alegria alegria
dum pérfido imenso dia
este hoje em que insatisfeito me contento
com o desenrolar da pujança do ser

um cigarro ao trono
algum trabalho inspirador em evolução
ninfas lá cá e acolá a me desmembrar
fixando minha mundanidade
me pregando à terra como tábua de valor imorredouro
nutrindo minhas raízes com chuva de ultravioleta

em que se resume um bom ânimo?
um almoço bem feito e a devida hidratação?
ou uma estória longeva de desapego corajoso?
ou ambos ou nenhum?
que fatores em compilação fazem-se necessariamente pai e mãe duma alegria?
aceitar todo o passado e despreocupar-se com o futuro?
ou corromper toda razão em nome duma presença inominável?
isso e tudo além disso ou nada disso e simplemente tudo?

daí eu teria de cunhar alegres inclusive meus dias mais negros
teria de chamar benção meu desespero e unção minha covardia
teria de agradecer à vida mais pelos obstáculos que me propôs que pelas vitórias que me impôs
teria de agradecer à vida mais pelas dores que me causou que pelo gozo que me permitiu
teria de agradecer à minha mãe por inconscientemente me odiar e a meu pai por abandonar-se e a nós em catástrofe narcótica

e enfim, assim seja
obrigado, santo mistério
por cada desafio em que me amargurei
porquê só assim aprendi a me adocicar
obrigado por cada perturbação e decepção
porquê sem elas jamais teria apreendido a noção de beleza incontestável

sei que hei de um dia pensar diverso
sentir diverso
e quem sabe olhar pra este agora, que então será lembrança
e pensar "quão ingênuo e triste ainda não era"

e então o instante faz-se ponte
duma infinitude a outra
e sigo em frente como espelho esférico
calmamente absorvendo a gravidade circundante
pouco a pouco represando em meu coração um rio de ouro líquido
corrente e maré que certamente me conduzem ao desconhecido
que velozmente me carregam ao sorriso a seguir
à expressividade incontível dum organismo iletrado que descobriu a maravilha
o troar dos sinos tibetanos anunciando uma reencarnação mui esperada

e tudo que já fui antes de nascer
flui poros afora
como serpente que escapa à prisão do ovo

e tudo que hei de ser depois de morrer
me infla e exaspera
como os incontáveis futuros em que tenho direito de perambular em imaginação supérflua

resta uma inconfundível sensação de plenitude
como um vazio fulguroso prenunciando sede e fome
como uma lacuna que abraça todo o cosmos
uma vertigem que é dança e segredo
um estranhamento que é o próprio dar-se conta de si

o sucesso da libido
a vitória da conquista

uma tal desventura indecifrável
foda sem gozo
semente que germina no íntimo
tronco que desponta infalível
fogaréu truncado da magia

o amor
ah o amor

como razão que quer fibra e nada mais
como intuição que intoxica o bacante
como fuga da bondade indubitável
como voracidade maternal em surra merecida

ah o amor
conjuntura salubre
néctar meiamargo da certeza
âmago insolente
condução nutriente

como dar-se conta de objetivos grandiosos
e então dos consequentes grandiosos obstáculos

como dar-se conta dum desapego irrefreável
e então acatar à morte como à orfandade inconsciente

como dar-se conta dum hálito em trânsito revogável
e então das infindas estradas percorríveis em lealdade

o amor
ah o amor
ele é o mór

presença vítrea fumegando cortinas
pingapinga do irrepresável sentimento
instinto atraindo o estelar e o cósmico

não porém como fuga dogmática a um extramundo
nem tampouco como resolução impostergável duma infalibilidade

quem sabe
talvez
o amor
ah o amor
tão perigoso talvez

tortuosas veredas desvirginando-se
pérfidas loucuras descontraindo-se

algum suor tranquilo em ceia sacrossanta
o esforço à digestão do mais potente
algum estanque sereno em alegria volátil
o perfeito restringir-se em mundanidade

alguma humanidade
fugaz ira caridosa
e também seu constante reciclar
volúpia dum matrimônio sem contrato

de onde vêm as palavras?

um pataco escorrente de titica

não é engraçado demais o que termina por transpassar-nos e ecoar através de nossa retinas?

sou uma confluência de musas
a flama andarilha dum lampião à prôa
nau bastarda buscando redenção
alguma anarquia esquizofrênica
sede de guerra
passar a limpo o olho por olho dente por dente
trucidar o quê? a política? o papado?

quero uma guerra sangrenta
em que não se escorre sangue em equívoco
chacina inaudita telepata
os guerreiros em nome de tudo o mais
mas o que fazer?
como um homem com um sonho pode canalizar um cosmos todo sem enlouquecer?

ah, bem!
e dá-lhe amputação

O Silêncio seja ouvido:

guerra à guerra
paz da solidão altiva

mas porém contudo todavia
se o mundo fosse outro O Utópico
mui certamente fantasiaríamos os bons e velhos tempos em que éramos mais mesquinhos e amargos
em que desbravávamos coléricos a ignorância maquinal

Tudo é o que é
e quem há de fazer qualquer coisa a respeito?

e então o que sinto que tenho de dizer
é que certa vez escrevi sobre salvar o mundo
e me peguei pensando nisto
e então como me satisfazer com resoluções virtuais pra leitores quem sabe se nascidos?

como quer que eu quisesse querer este momento, pouco ele se importa com isto
segue
imóvel
na velocidade do pensamento abraçando e engolindo a si mesmo infinitamente
O Agora
O Impositivo
O Inegável
O Inócuo
O Grande Referencial
O Sol Central d'A Vida
A Fonte
o recomeço recomeçando no fim do fim

furtivos perigos
nobres abrigos
doces umbigos
negros vertigos

tamanha indelicadeza
violação ininterrupta de si
A Mãe
ela sabe o que faz
e quem o há de negar ah pobres paupérrimos opacos adimensionais fracos

ocaso
o caso do acaso

o ocaso
oco
ondulando
ostentando

inerte e valsante
pedra respirante
brado, avante!
porventura doravante!

vício do leigo
prece silente
úbere, leite
vê se sente

assente
santo
sano
os sãos
os ãos e os nãos
partilha os pãos
de grão em grãos
o armagedão
pai O Sultão
O Azedo
O Imbatível
O Destemido
O Aural
sângue no suíngue
si lá sol ô dó dá ré ni mi

sim
lá O Sol!

O Provedor
O Anfitrião
A Senda

o tabernáculo da comunhão
a paz em manifestação
íntima implosão
tranqüila em sua acidez
em sua liquidez metálica
a esquina da gravidade
a tangente áurea
o lilás em sétima maior
O Coração d'O Cosmos

amém, Santo Pai

ESTÓRICO