Sem rédeas a que chame rimas verso brando ao branco
Branco este um azulpetróleo e um magenta enferrujadíssimo assim de pordebaixo.

Poesia viva de meu jardim singelo
Meus sentidos e instintos
A flama comovida duma paixão gélida me incendeia
Me sinto como se feito dum algodão doce fumegante
Um azul clarinho
Guardando aquele sutil azedo que tanto nos ensina das fomes e sedes das fumaças
Em verdade uma argamassa concretista enfusionando algodão doce azul e rosa
O rosa do pêssego da musa.

Pêssego ou cacau ou manga ou mangaba morangos ou pêras ou maracujás ou figos
Que das flores e dos frutos das doces se alimenta o coração leal
Do mel selvagem
Brotado do âmago da terra
O feixe de luz transpassando o fantasma de nossa perfeição.

E depois de tudo revisto
Tudo revisitado
Depois de cada pequenina aresta ter sido esquecida e desfragmentada no grande modelo da vida que me faço a mim em minhas arcaicas holísticas
Depois de o amor ter sido o veneno e o bálsamo a ponto do pranto ter-se reservado ao brilho e ao foco do sorriso
Depois da força interna ter-se aprumado e afugentado todo cinismo e magnetizado déspota tirana toda criatividade solar
Depois do orgulho ter-se transladado modesto à sua sombra merecida
Depois da travessia do grande deserto
Depois da vontade ter-se descoberto
Desnudado
Em valsas e passeios sobre seios
Sem freios
Depois dos ésses terem comido toda noção de seriedade da filosofia
Ah sim
Ah! Sim!
Como ainda confio
Como ainda creio.

Não que creia em qualquer coisa
Ou em alguém ou em no quê que quer que seja
Preconceitos e premonições à parte confio ao menos na matéria.

Não querendo afirmar justiça controversa a respeito da ingratidão dos cunhados materialistas obtusos
Aliás muitissíssimo bem pelo contrário!
Confio realmente na aparência
Tanto quanto se pode confiar nela ao menos
Não desprezo o óbvio
E me faço então objetivo
Quem sabe até objetifico isto ou aquilo dum jeito diverso
Com sua nuânce originalóide
Meu estar todo entregue às marés de plumagens e gramagens de nossas quermesses e festinholas!

Canta o sino e respira o tocador
O jogador o parceiro o interaginte o honestamente descuidado
Honestamente maldoso e purificador de olhares.

Sobe a lua cheia
Uiva o lobo
Um hálito de eucalipto vaga como que encarnado num deus dos ventos
Refresca sua prole deslizando porentre as brisas e tormentas
Como um vento nascido do coração do oceano
Só que este tal local não há
Ao menos não há senão como o espaceamento entre as órbitas e astros
Entre todos os grãos de existir lançados por aí enfim.

E parece um medo assim e assim estar-se distante de deus num tal modo cerebral
Mas o coração não deixa de confiar
Não pode deixar.

Pulsa simpático
Mui mas mui sugestivo de fato!

Sugestões mil ao mesmo tempo o safado sacana
O tesão que dissolvemos à atmosfera em nossas transgênicas balangandanças
O ódio que expiramos irresolutos na vitória inelutável da justiça suprema por sobre a fraqueza do vício.

E por bem do bom-humor universal
Extingue-se o prolixo em femonemal deslize
Também porquê se se deixar gostar demais cria apego
E daí isso não é mais a África
E isto definitivamente não pode deixar de ser a África
Ou a sanfona deixaria de tocar
E a insígnia insignificante do flúor espectro tronitruante abandonaria seu reviravoltear brejeiro
A fé estaria afinal resumida à irrealidade duma cegueira
E isto também não é coisa que se permita mesmo entre as mais altissonantes egrégoras.

Claro que há e sempre hão-de haver tais e quais egrégoras
Se é que me é permitido colocar desbocagens por aqui em nome de meus congêneres trovoeiros batucadores.

Aurora Precoce

Dizem que o dia nasce tal hora
Em hora certa de relógio
Dizem que o dia nasce a cada dia em hora um pouco diversa da do dia anterior e da do posterior.

Se o sol nunca pisca
E a lua nunca deixa de valsar
Se o amor nunca cresce porquê é infinito por natureza
E minha vida nunca acaba porquê é fluxo e refluxo de qualquer referência ignóbil e parcial do infinito
O dia nasce quando eu bem entenda.

A mim ao menos
O dia nasce quando eu bem compreenda
Quando eu bem aceite que o dia nunca acaba
Ou que apenas começa e acaba fora desta ínfima parcela do tudo a que chamo meu ser.

Assim sendo tão comprimida esta transitoriedade de meu estado
Sendo tão óbvia a inevitabilidade de meu fim abrupto mui imaginavelmente prévio à treva suprema do existir
Assim Deus o queira ao menos!
Me faz feliz aceitar minha insólita e patética presença eletrostática como o convolucionar duma eternidade autoconstituinte.

E o mal que me fará tal ilusão
Toda funesta angústia que um dia certamente há de contrapor este meu Sim a um tal absurdo enganar-me
Caso eu não morra num átimo atropelado e livre de reflexão aturdida e descompassada
Deus queira que minha morte venha como susto inconsciente!
O mal que me fará a certeza do infinito de meu desenrolar
Há-de ser um excesso de força e fadiga.

Há-de ser um arrepio estúpido kundaliní acima
Demarcando a fronteira entre minha verdade nua e crua e a alegria de minha fantasia tão mundana
Há-de ser um amor supremo
Uma ânsia de proliferação duma cultura soberba
Para poucos
A ganância de transmissão duma herança de ignorância complacente e loucamente satisfeita de si
Satisfação alienada vivendo um mar de cores e sabores em cada irrelevância.

Há-de ser uma ponte a um futuro imprevisto
Uma vitória sobre minha imaginação supérflua
Minha ilusão há-de resgatar-me sempre da desilusão com outra maré de insolente abundância de presunções.

Que os ângulos retos do templo que é meu corpo sejam a honra que concedo a meus filhos
Deus queira que haja filhos paridos de ventres ímpios dotados da agudeza desta minha falha de caráter
Este supremo sim a uma impossibilidade
Este imenso abraço em que o cosmos todo me aquece com sua incontinente indiferença.

Ao menos valsarei sempre como folha despregada do galho em meio a vendaval furioso
Ao menos meu ósculo será sempre uma entrega da volúpia toda de meu silêncio inefável
Ao menos minhas amizades serão sempre o campo de guerra em que apenas o mais forte de mim pode prevalecer
Em que somente o imbatível de mim restará após a carnificina da conquista.

E me vem uma revelação
Que nada tem de mística nem de instantânea
Uma chance de prestar bem atenção no fluxo de meu inspirar-expirar
Uma chance de criar uma cultura que constrói novos degraus na escadaria por onde tão inesperadamente escalei ao cume de minha mais alta esperança.

E terá fim tal escalada?
Haverá uma América ainda secreta
Além
Além dos desencontros dos vôos mais longínquos?

Sim
Além do esgotamento impostergável de minha nau
Voarão ainda outras aves mais longe
E não preciso de outra certeza.

Pois se pinto os céus com minha ode desvairada
Se marco no horizonte com fumaças liláses esta mensagem de solidão
Se mergulho no oblivion deixando fincada bandeira de sucesso sobre mim mesmo
Se abandono esta minha ínfima infinitude na certeza de que outras aves perceberão tal distância e se projetarão esfaimadas de travessias para além de minhas conquistas
Não preciso de outra certeza.

Chave De Ouro

versos inscritos em minha pele com pena de pedra
minha ambição mundana

inventei a mim um amor
parecido com a tortura da roda de despedaçamento

me agarrava abstratamente por minhas asas
e as alongava brutalmente
fazendo meu coração desabrochar como uma alcachofra cozida
pouco a pouco conquistando domínio sobre meus disléxicos titubeios
pouco a pouco me desiludindo de toda ânsia de verdade
pouco a pouco me afogando na perversidade latente

floresceu o jardim de minha vontade
e é uma visão completamente óbvia

é um jardim pacato
uma tranquilidade por vezes incomodada por sedentarismos intransigentes
é um relógio de sol inerte e estupidamente preciso
uma sagacidade morosa e relutante
é uma canção sem nome seguindo o suíngue do vento

e hoje mais que nunca prezo à força
prezo à minha gana de ter mil filhos com quarenta e duas esposas
prezo à minha família e a todo erro abissal do pensamento humano que enfim proveu meu espírito de um heroísmo palpável

eu herói de mim

não por um atestado de fama e glória
nem por uma suprema isenção fiscal

eu herói de mim por viver a bela vida que me caiba

não por provar a ninguém que o certo e o errado sejam assim ou assado
não por ser reconhecido hegemônico soberano do coração gaiano
não por satisfazer a qualquer divindade no rolar de dados do destino

eu herói de mim por falar a língua do sorrir
eu herói de mim por me permitir uma inteligência transparente
eu herói de mim por conduzir um vigor concreto e lúcido
eu herói de mim por superar meu pranto e me orgulhar de minha cria
eu herói de mim por atender à angústia da condensação de todo desejo
eu herói de mim por me satisfazer irresoluto em sufi espiral
eu herói de mim por abraçar minhas extremidades e controlar minha bestialidade

como um dia atrás do outro
como isto ou qualquer coisa completamente diversa
como qualquer coisa irrelevante que compõe uma totalidade autorreferente
como um jovem homem obscuro em sua mais alta esperança

dançar o roçar da areia da ampulheta do amor

ESTÓRICO