Natal

Vim brincar com as palavras
Degustar as alcaparras
Ah!, quantas farras!

Quase sempre me farto de mim
Mas raramente em quandos de celebração -
Me gosto pobre podre - se à Festa!
Que mal há no pé duro e forte que pinica a lama pálida e gélida numa dança como o faz o pica-pau ao tronco?
Quanto da insolência que atribuímos a nossas crianças não é nossa estúpida e dócil conformidade?...

Pouco me incomoda a miséria
Que mal há na posse desmesurada de homem sobre homem?
Somos o Dê -
A Modernidade o é, o Excuso, o Roto, o Dito-Cujo horrendo do anônimo...
Este desespero
Que quer culpar ao próprio Inteligentíssimo
Inefável
Irretocável
Inexpugnável Coração da Vida
De íntimas desavergonhadas autopiedades...

Pois bem:
O Sol brota do horizonte
O Natal nos abraça como o mundo faz à borboleta quando sai do casulo
E se há um Tempo a ser vivido
Se o homem é coisa que supõe-se que é
E se cada ato de paixão pode ser consagrado em nome de algo indizível e indelével...

Por um instante
Um lapso de inspiração
Me fugia o eixo de mim
E quase fugia do texto
O poema afogado em si
A história viciada em si
A evolução - A Evolução.

Caríssimos,
Se há telepatia a ser feita
É esta nossa derradeira hora.

Engasgo

A natureza nos impele à Paz
Nos força à força
Nos impele ao orgasmo
Nos exige o vigor do búfalo, o riso da hiena, o ventre da Afrodite.

Transmito descontentamento
Ciente da máscara que não posso tirar
Ciente do objetivo intraduzível que supostamente temos de partilhar -
Suspenso no ar
Como sentado numa pequenina amiga, nuvem voadora invisível
Reflito.

Meu intelecto atravancou:
Sinto meu corpo
Sei dele e sou ele,
Mas qualquer coisa quase somente lógica quer se comprovar pura lógica e tomar posse de meu arbítrio.
Demorei demais a aceitar minhas responsabilidades
E isto não me tornou mais feio
Até mais respeitado profissionalmente!
Só que não quero mais que isto seja um canto pra desabafos nervosos de uma víbora
Pouco importa a este ponto minha escolha
Meu documento de identidade
O ar correndo pelos meus pulmões... - ou, não, certas coisas importam e muito ainda...
Ah, sim, estou tentando evitar mentir
Em verso
O que ajuda muito pouco
E cá estamos
Tudo Tudo
Nenhuma fronteira
Continuidade
As drogas todas que consumi... ginseng, THC, vitamina-C...

Além do meu corpo
Há todos os outros corpos -
Só não digo "infinitos" porquê não pude contá-los ainda -
Cada corpo esta auto-percepção auto-existente
Tentando ensinar-se a si de si
Dos outros corpos
Das drogas que consumimos.
Meu corpo:
O que tem dentro da pele
A própria pele inclusa...
Mas à música
Quando danço
Me fundo
E daí meu corpo é o ambiente e todos mais dançantes presentes
E então o prazer é mui mais complexo, - que onde terá ido parar meu ponto-G?
Ah,... se a Vida, apesar de infinita, por causa do Tempo,
Não passasse também tão rápida pros dançantes presentes...
Só que, é!, rápida e furiosa
Ela não diz realmente que se tem de ter pressa...
Como se o silêncio humano apreciasse a paranóia de poder viver eternamente
Pelo simples fato de permití-lo olhar-se de fora de seu corpo sem um espelho.

Então, a Morte vem,
Como uma deliciosa recostada à trilha num descanso de quinze minutinhos que nunca terminou -
Uma ação humana perpétua demonstrada.

Fatualidade

Perdido na neblina dum sonho
O ar frio narinas adentro - respirando a teia de aranha da água no ar
Venho cinzento
Barro cozido sem-graça, de barro de esquina qualquer, até reles
Mas, ah!, pronto ao artista atento
Com seus pincéis güaches óleos cosmologias.

O túnel nos abocanha
O Amanhã é pálido e cálido
Nunca se cala!
O requebrado é veloz
A sutileza atroz
Ama-se o pegajoso
Aplaude-se mais aos perdidos que aos achados
E todas as raízes se fundem numa só no âmago do Coração da Existência.

Ninguém pode duvidar de que
Num certo pontinho longínquo
No perfectamente calculado o vivente em zona mais improvável do cosmos
Um sábio vovô regue suas plantas na chuva
E chame por um cachorro que nunca existiu
Morando sozinho lá naquele pequeno planetinha que sabe-se-lá-o-nome...
Ele que nunca viu um cachorro poderia chamar por um cachorro? -
Lá no meio do nada, sozinho, do mesmo daonde ele mesmo surgiu?
Sem nunca ter visto cachorro, complica mesmo...

De certas coisas
Pode-se duvidar impiamente, por outro lado:
O riso descompassado do mórbido orgulhoso
A apreensão do vaidoso frente ao continuum-existentiales de que participa
O lábio torto do jovem insolente desprecavido descabido
Deus
Jesus Cristo
Friedrich Nietszche
O Papa
Michael Jackon e Madonna
Depois muitos outros como todo Led Zeppelin e The Doors... mesmo Kraftwerk!
Ah, bem, mas não vou enumerar tudo de que se pode duvidar, não duvidemos de que poderíamos duvidar de muita inutilidade, nos tomaria uma vida toda - ou, quem sabe, já nos toma?

Ah, mas nem todos desconhecem o compasso frio e inerte da espiral da grama mundo adentro
Há, sim, Esperança
E ela irradia dadaísta em cada emprego de vontade
Nossas amizades meras certezas infinitamente transmutantes.

Trintetrês

Sou um amigo
De quem se esqueceriam
No instante breve e fugidio em que eu de mim mesmo me esquecia
Estupefato por tamanha ignorância
Conectado a tudo por cabos e membranas
Louco ao troar do sino que se dissipa.

Trinta e três, trinta-e-três, trintetrês...

A madrugada desperta aliviava-se no canto da cotovia
Tempestades solares nos noticiários
Ácido lisérgico e hemoglobinas
E dobrada a esquina de mim mesmo, custei a prestar a devida atenção à minha respiração...

Buscamos no mito a realidade
E ela se esbalda de nós, nos atirando baldes de tempo,
Tão infinitamente impossível
Tão afinal real -
E ao espelho me achei um roto maltratado...

Só que me resta minha labuta
Os compromissos d'amanhã
Os planos todos
Curto médio longo prazo -
E o longuíssimo?, pergunta afoito o superlativo
Tão nobre em sua benevolência paterna.
Me restam todas as intricâncias fotografáveis dos corações de minhas canções favoritas
As resultantes dos bailes de meu espírito
A imensa fornalha onde arde minha alegria.
Ah, se não impiamente nos arrebatasse tão real a Realidade...

Depois
A vontade de fazer xixi
Saber que tem que ir pra cama
Saber que tem que se levantar pros compromissos d'amanhã
E então imaginar um zilhão de seres joviais e faladores -
Não como no meu bairro a esta excusa hora do breu, que só de vez em nunca passa a Kombi entregando os jornais.
E de novo a respiração, e saber que ainda não fiz xixi
E entender que a música continua em nossas cabeças enquanto fizermos força pra isso.
Talvez eu seja um mago cínico afogado em antenas parabólicas
E lembrei de que se abrir mui bem os olhos, o mundo parece mais brilhante, e enfim
Quem sabe, meu mundo possa me parecer tão brilhante quanto deve ser.
Quem sabe eu aprenda a orar, e,... ah, sim, já lembrei do trabalho!

A Babilonia é o que é
Curta e grossa
E eu sou quem sou
Curto e grosso.

Respiremos então o cheiro da grama e da terra que reside sob nossas peles
Lembremo-nos, sempre respirando - fluxo contrafluxo
De que somos barro eletrizado
Borboleta de vinte dedos
Caipirice preconceito-free!
E sshhhhhhhh!!!!!!, que já passam das dez há tempos!
Quietinho, júnior, que a essa hora já cantam os galos e estão de pé o povo que faz café e bolo de rua pro povo.
Eh, povaréu! - Onde vai parar?...

Ah, creio que não há de parar... difícil parar...
Coisa teimosa,
Tão dilatada, quase pavorosa
Ai, essa juventude de aço e concreto... vamos fugir pra perto de um rio...
Nos fartar do tempo que doamos
Adormecer em meio às consequencias inevitáveis de nossas tentativas diárias de realizarmos o sonho de uma Vida.
Se o Sol não fosse dourado, eu não duvidaria que a Morte é a invenção mais bela.
Bom dia, e Amém.

Prestidigitando

Minha ciência da consciência
A aturdida disponibilidade da infinitesimal criatividade.

Balouçando ao vento
A moça
O catavento
Meu tormento meu talento
Minha sina que alucina
Síncope sincopada
Branda brancura
Branca brandura
A Unidade.

Aguarde processamento:
Ruído, paixão, benevolência;
Matagal, usina indústria, astral musical;
Acelere o processo, catalise o progresso, assuma o Acesso.

O fraseado continua
Na fibra que se quer fortalecer
No Amor que quer prevalecer.
Os pontos, pontuados, um a um, todos duma vez, desenham a linha do tempo
E às vezes parecem pontuadamente pontuarem-se mutuamente num mesmo ponto
Como uma civilização toda que se concentra em firmar-se afirmativamente.

Depois disso um rife rasgado
A repetitividade da retiscência
A potência da voluptuosidade
O recato da monstruosidade de Miles Davis
O sinistro da aprofundidade da Verdade.

Ah, essa radialidade que me conduz
Essa juventude transviada que me traduz
Essa luminescência da quintessência que através de mim reluz...
Ah, esse amargo delicioso de depois-do-jantar
Essa ansiedade que retorce as entranhas quando se está perto de uma festa ou de um evento qualquer que envolve alguma tolice platônica...
Ah, a ferrugem azul do cobre,
A transparência no tórax da borboleta tão tão requintada,
A imoderação do artista sobrevivente
A velocidade abstratamente fenomenal com que dedos conseguem desenhar canções...

Concretamente
Brinco com os termos
Por temer os términos -
De seja lá que for! -
Que o terminal a seguir é sempre uma surpresa insondável.

Dar um passo em frente em seguida do instante em que algo mui relevante e imprevisível a ocorrer se fez pressentido...

ESTÓRICO