Amor

nobre estigma
supremo enigma
sina maligna
rocha ígnea

saltimbancolagens
balangandançantes
aleatoragens
abadabacantes

Amor

esfera prolixa
vitória prefixa
inspira submissa
tirana malícia

esdruxolosofia
palimpsestorgia
espancalipigia
anarcalegria

ah, O Amor

Borboleta Violeta

borboleta violeta
sapeca à beça
violeta malagueta
vive sem pressa

borboleta violão
rainha da alegria
admiro montão
tua lenta magia

violeta é treta
é sem porém
nega arrebenta
benção e amém

borboleta sim
violeta enfim
sou afim
e timtim

Predileção

quase estupidamente me dou conta
da escolha

me sentir bem
venerar à Vida

as coisas que eu realmente gosto
é disso que quero falar
e das coisas inevitavelmente fonte de toda criatividade que me permite escolher minhas favoritas

paçoquinha de amendoim
a fadiga metálica de Allan Holdsworth
a sétima corneta aos lábios de Miles Davis
o fôlego ininterruptível do supremo amor de John Coltrane
espinafre refogado ao estilo marinheiro Popeye
valsar harmonias imaginárias sobre percussões invisíveis quando em ausência aparelhagem sonora
tantas, ah, mas tantas, tantas garotas lindas
e minha família suportando a crueza de minha lealdade, talvez esta minha alegria azul indigo que é a maior maldição da conformidade lastimosa
dançar canções imprecisamente
dançar canções precisamente
abóbora, canadaçúcar, fejão branco e arroz negro
muita pimenta, tanto quanto possível em manutenção pacífica de acidez
a terra e o ventre da mãe do guerreiro
um pito saboroso, amizades eternas, confusões reclusas inconfessáveis
esta frustração indecorosa, esperança de amor no mundo
esta cegueira a que me condeno por amor ao homem
este pranto represado sem nem mais nó na goela
tão somente uma prece silente à roda do meu coração
ah, tantas e tão belas donzelas
balzacas, lobas, coelhas, mariposas
gregas fulôs violetas lucianas carolinas
tanta teimosia desavisada afiando as lâminas da gaiana sapiência
a ignomínia anômala se acidentando em desilusões
meus pulmões, elo de minha conquista de mim
o mar em velas e pranchas, toda faunaflora com que sou uno
o singular divino do tempo etéreo em sua magia
chama mortiça de nossa virtude em tédio brega resplandecente
esta sincronicidade profusamente prolixa
catapulta de magnitude cósmica o rebento da libido em verso xamã
o correr dos detalhes

Ode Grata

ah alegria alegria!
humor jovial tão tardio
ah alegria alegria
dum pérfido imenso dia
este hoje em que insatisfeito me contento
com o desenrolar da pujança do ser

um cigarro ao trono
algum trabalho inspirador em evolução
ninfas lá cá e acolá a me desmembrar
fixando minha mundanidade
me pregando à terra como tábua de valor imorredouro
nutrindo minhas raízes com chuva de ultravioleta

em que se resume um bom ânimo?
um almoço bem feito e a devida hidratação?
ou uma estória longeva de desapego corajoso?
ou ambos ou nenhum?
que fatores em compilação fazem-se necessariamente pai e mãe duma alegria?
aceitar todo o passado e despreocupar-se com o futuro?
ou corromper toda razão em nome duma presença inominável?
isso e tudo além disso ou nada disso e simplemente tudo?

daí eu teria de cunhar alegres inclusive meus dias mais negros
teria de chamar benção meu desespero e unção minha covardia
teria de agradecer à vida mais pelos obstáculos que me propôs que pelas vitórias que me impôs
teria de agradecer à vida mais pelas dores que me causou que pelo gozo que me permitiu
teria de agradecer à minha mãe por inconscientemente me odiar e a meu pai por abandonar-se e a nós em catástrofe narcótica

e enfim, assim seja
obrigado, santo mistério
por cada desafio em que me amargurei
porquê só assim aprendi a me adocicar
obrigado por cada perturbação e decepção
porquê sem elas jamais teria apreendido a noção de beleza incontestável

sei que hei de um dia pensar diverso
sentir diverso
e quem sabe olhar pra este agora, que então será lembrança
e pensar "quão ingênuo e triste ainda não era"

e então o instante faz-se ponte
duma infinitude a outra
e sigo em frente como espelho esférico
calmamente absorvendo a gravidade circundante
pouco a pouco represando em meu coração um rio de ouro líquido
corrente e maré que certamente me conduzem ao desconhecido
que velozmente me carregam ao sorriso a seguir
à expressividade incontível dum organismo iletrado que descobriu a maravilha
o troar dos sinos tibetanos anunciando uma reencarnação mui esperada

e tudo que já fui antes de nascer
flui poros afora
como serpente que escapa à prisão do ovo

e tudo que hei de ser depois de morrer
me infla e exaspera
como os incontáveis futuros em que tenho direito de perambular em imaginação supérflua

resta uma inconfundível sensação de plenitude
como um vazio fulguroso prenunciando sede e fome
como uma lacuna que abraça todo o cosmos
uma vertigem que é dança e segredo
um estranhamento que é o próprio dar-se conta de si

o sucesso da libido
a vitória da conquista

uma tal desventura indecifrável
foda sem gozo
semente que germina no íntimo
tronco que desponta infalível
fogaréu truncado da magia

o amor
ah o amor

como razão que quer fibra e nada mais
como intuição que intoxica o bacante
como fuga da bondade indubitável
como voracidade maternal em surra merecida

ah o amor
conjuntura salubre
néctar meiamargo da certeza
âmago insolente
condução nutriente

como dar-se conta de objetivos grandiosos
e então dos consequentes grandiosos obstáculos

como dar-se conta dum desapego irrefreável
e então acatar à morte como à orfandade inconsciente

como dar-se conta dum hálito em trânsito revogável
e então das infindas estradas percorríveis em lealdade

o amor
ah o amor
ele é o mór

presença vítrea fumegando cortinas
pingapinga do irrepresável sentimento
instinto atraindo o estelar e o cósmico

não porém como fuga dogmática a um extramundo
nem tampouco como resolução impostergável duma infalibilidade

quem sabe
talvez
o amor
ah o amor
tão perigoso talvez

tortuosas veredas desvirginando-se
pérfidas loucuras descontraindo-se

algum suor tranquilo em ceia sacrossanta
o esforço à digestão do mais potente
algum estanque sereno em alegria volátil
o perfeito restringir-se em mundanidade

alguma humanidade
fugaz ira caridosa
e também seu constante reciclar
volúpia dum matrimônio sem contrato

de onde vêm as palavras?

um pataco escorrente de titica

não é engraçado demais o que termina por transpassar-nos e ecoar através de nossa retinas?

sou uma confluência de musas
a flama andarilha dum lampião à prôa
nau bastarda buscando redenção
alguma anarquia esquizofrênica
sede de guerra
passar a limpo o olho por olho dente por dente
trucidar o quê? a política? o papado?

quero uma guerra sangrenta
em que não se escorre sangue em equívoco
chacina inaudita telepata
os guerreiros em nome de tudo o mais
mas o que fazer?
como um homem com um sonho pode canalizar um cosmos todo sem enlouquecer?

ah, bem!
e dá-lhe amputação

O Silêncio seja ouvido:

guerra à guerra
paz da solidão altiva

mas porém contudo todavia
se o mundo fosse outro O Utópico
mui certamente fantasiaríamos os bons e velhos tempos em que éramos mais mesquinhos e amargos
em que desbravávamos coléricos a ignorância maquinal

Tudo é o que é
e quem há de fazer qualquer coisa a respeito?

e então o que sinto que tenho de dizer
é que certa vez escrevi sobre salvar o mundo
e me peguei pensando nisto
e então como me satisfazer com resoluções virtuais pra leitores quem sabe se nascidos?

como quer que eu quisesse querer este momento, pouco ele se importa com isto
segue
imóvel
na velocidade do pensamento abraçando e engolindo a si mesmo infinitamente
O Agora
O Impositivo
O Inegável
O Inócuo
O Grande Referencial
O Sol Central d'A Vida
A Fonte
o recomeço recomeçando no fim do fim

furtivos perigos
nobres abrigos
doces umbigos
negros vertigos

tamanha indelicadeza
violação ininterrupta de si
A Mãe
ela sabe o que faz
e quem o há de negar ah pobres paupérrimos opacos adimensionais fracos

ocaso
o caso do acaso

o ocaso
oco
ondulando
ostentando

inerte e valsante
pedra respirante
brado, avante!
porventura doravante!

vício do leigo
prece silente
úbere, leite
vê se sente

assente
santo
sano
os sãos
os ãos e os nãos
partilha os pãos
de grão em grãos
o armagedão
pai O Sultão
O Azedo
O Imbatível
O Destemido
O Aural
sângue no suíngue
si lá sol ô dó dá ré ni mi

sim
lá O Sol!

O Provedor
O Anfitrião
A Senda

o tabernáculo da comunhão
a paz em manifestação
íntima implosão
tranqüila em sua acidez
em sua liquidez metálica
a esquina da gravidade
a tangente áurea
o lilás em sétima maior
O Coração d'O Cosmos

amém, Santo Pai

Saludo

que hiato é este que dei-me a mim?
ou estarei na crista de meu ditongo?

estranheleza escrevinhante
personalidade parida em esporro meio controlado meio impetuoso
me desleixo
me deixo
quero sempre o além de mim
a saúde de amanhã que é a estafa de hoje

sem rima
sem métrica
sem paixão até
talvez inclusive indiferente pra com o tido como supremamente essencial

talvez um estranho no ninho
explorador capturado por canibais no meio de suas férias
um ser que amarga uma ânsia por sucumbir

quer sucumbir porquê o melhor de si já é inalcançável
quer dar-se alguma folga
mesmo que contando passos ao corredor da morte
quer alguma alegria
ao menos o direito à afirmação solene de pujança
sucumbir violento
um monstro derrocado à força de aço fundido

aço sedento de minha psiquê
lâmina inflamada de minha opinião
espada mortal dum escopo
gira voraz numa cura

a cura da satisfação
mesmo que uma satisfação solitária e incompleta
a cura pela noção de estupidez inescapável numa satisfação solitária e incompleta

quereria irar-me contra mim
escravizar-me a mim mesmo
a obedecer às ordens tirânicas do perverso de mim
só que me neutralizo
em harmonia dinâmica
bem sabendo da indigestão causada pela pressa

dou boas vindas a mim mesmo
estou de volta a mim
vero e grato

bem vindo
seja bem vindo eu mesmo recôndito em minhas entranhas
bem vindo ao domínio de mim

ESTÓRICO