Prebiótica

Alguns dias
são mais tristes que outros.

Mas se a música
distorce o tempo,

quem sabe
quem sabe eu pudesse

distorcer teu tempo
ao fazer-me musical.

(quando em momentos de cura, qualquer canção pra fazer chorar)

Tive medo
mas fiz dele irmão,
penei dor
mas fiz dela mãe.

Poucos conocem
os regatos daonde bebi,
os mamões e figos
do éden mundano

ai, punge a alma
em eternos recomeços,

-o propósito...
ai âmago meu...

o propósito era invenção,
mas era a invenção mais poderosa!

Ao que já não vê mais acaso
e destila as harmonias ocultas,

ao que engasga
com a imensidão

... ai jovem aprendiz...

rude anfitrião,
amigo e nêmesis
quisera roer-lhe
corroer como o corpo esguio de uma mulher...

(daonde virá e praonde irá já pouco ou nada importa)

O sim da respiração
címbalos pipocam,

o sopro transversal ruge
é um novo dia no coração da esperança.

(quando em momentos de cura, qualquer canção pra fazer chorar)

Graspe

A gente só sabe do sonho
quando acorda dele -
até então ele é vida!

Tiveste alguma vez
a sensação de não saber
se acordavas num sonho
ou se sonhavas acordado?

Trupiquei
dolori-me,

mas tudo é ginga
abraços nutreicos,

Tudo é dança ... e não perdoa nosso entrave.

Solação

Quando estamos vazios
É esta a hora de aprender.

Quando já não temos o que dizer
É porque chegou nossa hora de ouvir.

Queimar-se é fácil
Difícil é se lembrar.

Quase todos se vingam-

mas só os melhores...

vingam...

Prece #3

Obrigado, Universo

pelo suspiro do presente
as músicas dos ventos
o orgulho solar ardente

pelas abelhas e pássaros
oceanos cometas e vulcões
as ranhuras de sonhos passados

Obrigado uma e outra vez
obrigado pela ruptura do anéis
e por seus sábios religamentos

Obrigado, Existência

por mãos e cabelos
pelos eixos da postura
sombrancelhas e cenhos

a piscar a piscar
sempre crocantes
estremelicantes leais

obrigado pela cura
das postiças famílias
o som de cada nada,

pelos cílios e sóis
cândidos amores
as grades e horizontes

a água o ar as molas
pelo cacau e as igrejas
por suas incontáveis faces

obrigado dijo e redijo
pelo feijão de cada dia
pelas ceias partilhadas,

pelos amigos e inimigos
as auroras e neblinas
por tudo que jamais envelhece

obrigado pela vida
em sustos e coragens
por toda ultrapassagem

obrigado pelo dia
sem fim de magia
obrigado,

Obrigado.

Prece #2

Obrigado, Universo.

Por toda discordância desastrosa que proveste.

Por toda insanidade que em mim cultivaste.

Por todos os erros que me permitiste.

Obrigado

pela lição de cada dia

pela desavença e pelo desafio

que me fazem sonhar cada vez mais alto.

Prece #1

Obrigado, Universo.

Por ser exatamente como És.

Por seguir sendo sempre exatamente como És.

Obrigado

pelo milagre

de cada instante.

O Antropoclasta

De batepronto
quando se vem ao mundo
tudo se enxerga
mas pouco se entende,

de lapada
quando se é infante
vê-se o próprio tudo
mas nada dele se compreende.

O bicho cresce
não tarda tolda nomes
demarca separa pontua

não tarda
o bicho vê as formas
conta espreme quantiza

não tarda
o bicho marca tudo
e já não vê mais a imagem,

já logo bem capisca
tão breve se entende
se desespera da mensagem.

Vem a avalanche
Tromba d'água mortal!

Arrastaram todos os nomes
derribaram todos os ícones
foz abaixo os conceitos
despedaçam-se os efeitos...

Então a imagem
faz-se nova,

sem os marcadores
lisa e estupenda
a vida se reapresenta
ao que é dos olhos nú...

(lá no alto,
bem longe,
lá no alto bebi
de douradas fontes,
puras e cristalinas,
longe
das mãos da canalha
e sua sujeira,

redescobri
a alegria
além de todas as tristezas)

Ode Sinantrópica

Desponta a alvorada
Desgarra-se o dia
Sob o véu pesado da garoa.

A novidade
Cintilante
Perdoa em arrepios idôneos.

A Terra
Jejuava
Purificava-se -
Queria expurgar os vermes do instinto!

A cada respiração
Em algum lugar
Alguém morre

Alguém goza
alguém grita
alguém chora,

em algum lugar
alguém rosna grasna e ruge
alguém alça vôo sem penugens,

a cada fôlego
em cada trago meu
alguma alma entra e outra sai...

Mas
Que sabe do sonho
O sonhador?

E por que tem de saber?!...

Por que então
Haveria de saber
Da vida
O vivo?...

(...desponta a alvorada, desgarra-se o dia sob o véu pesado da garoa...)

ESTÓRICO