Família

Nunca abandonar
Nunca esquecer.

Acendo uma vela ao sol
Pra requentar os cantos frios das paredes
Êxtase claustrofóbico
Rodopio desvairado e preciso desacatando autoridades.

Mundo vasto
Oceano sem fim e seus capilares
Mundo belo
Devasso múltiplos quase o oxímoro hiperbólico
Paroxismo são
Translúcida inspiração de incontáveis gerações.

Ah espírito meu
Cantas e te agradeço
Ah esta faísca negra
Volátil lógica antroposófica
Vícios de ontem e virtudes de amanhã
Uma cadência clara e nítida
Nítida como a paz violeta
Cristalina como o gozo vitorioso
Ardente como o urro jubiloso
Ah infâmia de minha comoção!
Secreta nestes versos úmidos
Lava escorrendo garganta afora
Sol e horizonte rindo-se em sombras
Céu e sal em beijo fétido pai e mãe
Nossa benfazeja e vulgar fedentina
Ai dos meus banhos
Encanados
Contidos por torneiras
Guilhotina conta gotas
Cifrando cada toque
Atribuindo preço
Sem o devido apreço.

Quanto custa isto?

Isto
Sim
Isto quem vos fala momentaneamente.

Quanto custa estar eu aqui concentrado em digladiar comigo mesmo num aquário poético?
Sai-te de graça ler-me?
Pergunto-me
Será que alguém lê?
Já isto felizmente não importa
Leio-me a mim
Vejo meu momento
Erguer a cabeça
Fluir fôlegos -
Tem preço isto?

Mas sim
Dirão os honestos
O tempo como única corretagem do amor se faz vendável também -
E num susto
O que restou dos sonhos
Sou isto
Coração plangendo
Abominável deletrear de suspiros
Também a fineza do brado pungente
Riso tosco acompanhado de soco à mesa
Desconcertante desconsertância
A Verdade -
Se é que se permite ainda usar tais termos -
Cintilando
Cintilando gravidades e vôos
Em anedotas perfeitas
Em que os risos mergem
Cada um o perfeito artífice de si
E as florestas valsam
Juba brilhante de verdes e lázulis
Juba faunaflora do leão imperador.

Espaço e tempo
Citaria aqui em ditirambo um desesperado
Como que tentando se agarrar da mais básica suposição biogeoquímica -
Mas ainda assim o levitar parece possível
Como de algum modo perverso tudo também parece realmente possível
E se nada é proibido -
Ah bem
É tudo sempre caminho de ida ou de vinda ao próprio corpo.

Peremptório da organicidade
Vivaz ressonância do caos
Saúdo ao infinito
Agora e sempre
Sim a tudo
Sim.

Fendas E Zéfiros

Sou um passado próximo
Uma janela de sete dias
Um furo no furor do banal
Traço colorido no cotidiano.

Cotidiano pê e bê
De sonhos infrutíferos
Dos que estão em excesso
Fadiga da terra e do amor.

Somos a flecha
Locomotiva
Bogatires de flúor
Somos a flecha de fogo
Que ascende à pira divina
Que religa o antigo farol
Dá segurança sorrateira
Ao oceano imprevisível
Sua magnética maternidade
Genes e fenes dos sóis que somos
Unidos somos a flecha
Viajando retos
Em direção da unidade de nosso silêncio.

Nosso silêncio
Aquele que nos pertence e a ninguém mais.

Não porquê roubemos do silêncio alheio qualquer autoridade
Nem porquê nosso silêncio seja especialmente relevante à evolução daquilo que o possível leitor considere como o mais essencial à evolução
Mas porquê é nosso silêncio
Nos pertence descompromissadamente.

Não importam os valores -
Que ética ainda é redenção e salvação?

Quero a força do foco
A solidão que abraça o infinito
Que ressoa o infinito
Em faíscas em olhares sinceros
Em aplausos em suspiros em lágrimas em sossegos.

Quero a ternura dura
A pedra rosa
Jaspe doce
Quero o azul invisível do rio do amor
O verde que nutre cada ínfimo detalhe
Quero todos os sonhos desamparados
Todos os desejos inomináveis todos os ansejos impostergáveis
Quero a brisa quente do meiodia
O grande meiodia
De nossa teia
Nossas gerações porvir
Jardins de nossas fantasias mais mundanas
O desconhecido
Que tecemos em nossas genealogias
O elo com o futuro
No samba desbragado
A crista da onda
Nós sabíamos
Nós sempre soubemos
Já tínhamos o comunismo
Já tínhamos a lei unificada da relatividade gravitacional
Já tínhamos a ciência cristal dos aceleradores de partículas e explodíamos supernovas secretas em nossos balangandãs sabíamos ser a onça o tatu o morcego o babuíno
A fonte suprema da criatividade
O infinito oceano de caridade
Caridade déspota e ardente
Nos incendiando mesmo nas madrugadas mais gélidas
Dando norma a nossos ossos
Pondo em fôrma nossas ânsias
A vida nos modela
E ainda temos nossas pequenas -
Pequenas grandes -
Escolhas.

Ainda temos os pontos finais
Àpesar da libertação das vírgulas
Prosa soprada
Em contratempos povoados
Cortejos lancinantes da nova era
Era do novo vinho
Do novo sangue.

Nossa era
Tão repleta de primeiras vezes
Tão transbortante de incógnitas e sucessos monumentais
Este tempo tão incompatível com o tédio
Época assaz profunda e real
Sufoco lento
Dum novo começo
Que pelo amor
Ah pelo amor
Um dia há-de florescer.

Há-de bendita aflorar enflorir florescer fosforuscar
Suingar raízes e copas junto de calcanhares e timos
Ah nossos cimos
Neve eterna
No alto da cordilheira
De nossa rara irmandade
Branco caiado
De nossos reikis transviados
Dos terreiros de nossa ira.

Há-de bendita voltar sempre sorridente
Mesmo que fria e moribunda
Mesmo que abandonada
Há-de triunfar em sua ruína
Pois que sem ela não há esperança -
Sem ela
Não há qualquer quê.

Ai bendita retorne sempre
Sorria-me de novo e sempre
Por favor me dês sempre esta ternura
De me fazer humano por tua doçura
Mesmo que em tua doçura mais acre
Mesmo que de lábios costurados e olhos furados
Me perdoa
Me dá sempre
Quero tudo teu
Quero ser você
Ser você gozando mil vezes
Eternamente esquecida
Queimando
Numa fogueira sagrada
E então os frutos de nossas sementes
Então de novo tudo que possamos inventar.

Vem e volta
E mesmo que distante
Mesmo que inelutavelmente distante
O grande fogo
Ah ele sempre queima
E aos que esfriam
Fica a alegria do relaxamento
O supremo relaxamento
Grato ao calor
E também acostumado ao frio
Uma esfera em si
Mística holística
Toda dança de minha vida
Toda dança que minhas mãos e meus pés e todo eu já dancei
Ah toda esta dança ela sim é minha salvação meu julgamento final.

Sou um furo
Um tempo anormal.

Somos a flecha empaladora
Rabo acima da ditadura.

Somos a tribo sem fronteiras
Os reis sem pátrias
Os últimos que serão os primeiros.

E quando a hora vier
Esta hora que forço que venha
Quando eu olhar pro meu agora
Quando eu encará-la face a face a face a face a face a face a face -
Sem dízimas periódicas -
Quando eu vislumbrar meu instante
O presente de minha presença
Esbugalhando testa e pulmões
Ah aqui estou.

Isto sou eu.

Um indivíduo com sua estória
Um cristal carregando uma lembrança
A memória de meus dias.

Memória viva
Em que perambulo
Sem lar senão meu coração
E sem coragem senão o amor que tenho por meus fraternos.

Amo-os
Ah como os amo
Meus grande amigos.

Ah como estúpida e romanescamente os amo
Talvez em minha fraqueza em meu espasmo sôfrego
Porquê derramo lágrimas por ti
Isto nunca ninguém me poderá responder.

Os amo esquecido
Amo-os como vivo
Respiro-os sem querer
E depois querendo
Mais e mais e mais e mais.

Ah como amo a amizade
Amo o amor
Redundante até bem brega.

E como um novo começo novamente se me apresenta.

Se me apresenta como o ruflar de meus dedos
Traduzindo em folha nova sensações inéditas
Como o sangue de minha prole pulsando em mim
Meus filhos em mim meus filhos por aí aqui e ali.

Energia infinita do amor
Que nos lança sempre na esquina
A dor empurrando o resistente
A esquina do fim do tempo
Onde nossas alegrias convergem
O vazio do nada vindouro
Onde todas as alegrias tornam de volta à origem de si mesmas.

Quero este fluxo.

Quero a afirmação
De nosso silêncio.

Na ruptura do tempo
A mente transgredida pela ânsia de evolução
Fito manso ao espantoso banal
Tento não levar as coisas tão a sério
E também não levá-las tão ao de leve.

Leve nisto e pesado naquilo
O silencioso mantra do sim
E toda saliência de símbolo
Que nos permite ousadia e prudência.

Que nos lance inadvertidos
Às mais altas esperanças
Que as geometrias espirais nos abençoem
Náutilus e berrantes prosaicos
Chaves e fechaduras no mais absoluto breu.

Nutrição

Solados gastos
Cascos de pés estradeiros
Patas de carantonhas itinerantes
Os passos bem brasileiros
Nas bêérres de Pindorama
Da gente que sabe quanto coração custa andar um quilômetro.

Como mãos adjacentes
Quase como pinças saltitantes ou um compasso de desenho atarrachado firme em noventa graus
Os pés barbatanas humanas
Desenrolando horizontes num vôo sem tempo nem espaço O Amor os passos alargando alargando.

O fundo do céu
Abismo nítido de cristal incandescente
A voragem do vazio cósmico nos sugando à grande esquina do eterno
Nos liquidificando na telepatia una
O saber solar Gayano experto.

Esquecera-se o homem
Esquecera-se e em seu vício valetudinal e repudiosamente inocente teorizara a grande infâmia do covarde
A salvaguarda de toda responsabilidade no enclausuro duma determinação
E então a moral como lei
Imposta a ferro e fogo
Governada pela fantasia da cobiça -
Bem porém pois bem
Graças a ninguém
Também o outro lado do vintém.

Se o bem e o mal são dois lados duma mesma moeda
O verdadeiro valor da vida é esta moeda girando em velocidade descomunal
Deslizando ininterruptamente sobre o azulejo e o mármore de nossos esqueletos apoteóticos.

Santo vilipêndio das entranhas
Sempre ensinando a ruminação
Caldo ardente de intimidades
Salutar anonimato do solitário.

Cuidado
Escadaria sem corrimão
Entrada não permitida para menores de trinta e três éons de idade.

Apertem os sintos
Que a sensação é fantástica
Presente dado sem embrulhos
Chuva de caldo de cana.

Quanta abobrinha e farinha
É meioamargo e picante
Pirão revirado de Pirarucú
Saladas de morangas e morangos
E tronos e castelos de confeitos de chocolates.

Cebolas alhos aipim e gergelim
Triture talos de bugalhos bem assim
Borbulham os óleos e as olívias
Refrescam as ervas e nutrem as fibras
Meu lar é a cozinha que carrego em mim.

Guardo minhas facas nas gavetas
Idéias voláteis ponho ao gelo
Brinco com o fogaréu ancião
Vez ou outra a dor da desatenção.

Ah hmmm!
Mas quando enfim está posta a mesa!
Ah ô beleza!

Todos correm
Santos irmãos
Partem pão e opinião
Uns vigiam outros segredam
Verte-se ventura
Ah refeição
Goladas de alegrias
Ricas de coressabores
Como os tamborzinhos e a cuíca
Mastigando estralos em repiques de harmonias.

Daí todos fartos
Punhos à mesa
Fôlegos estranhos
Um e outro pito.

E tudo que se invente
Cambalhotas de abraços de assoalhos
Fogueiras e sofisticações
Risadeiras passeios piscinas doideiras
Tudo que se invente em conjunta vertente
Represado afluente
Brincadeiras marmanjas
Nossos mantras dominicais
O experimentar-se através do outro
Ah quanto entendem as entranhas
Quão sábias
Quão profunda e verdadeiramente sábias
As distantes e incompreendidas espirais dos intestinos
Elas fazem o trabalho mágico
De tornar o objeto em magia
De tirar a luz da pedra.

Deletérios

Doces ilusões
Elixires suaves
De nossos encontros perfeitos
Da mistura de nossos sabores.

Penso um zilhão de coisas
E se digo Eu Te Amo
Exponho todas elas duma vez.

O silêncio espanta os medos
Na certeza do inegável
O coração bate rebate
Atrás de grades de costelas.

Seja minha liberdade uma mentira
Seja minha verdade pura imaginação
Seja minha alegria obscura hipocrisia -
Ainda assim a máscara triste compraz.

Tão bem progrediu o homem na arte de montar palcos e direcionar holofotes
Por fim concluiu que na natureza o que não é útil ao homem não é útil afinal.

Não quero mais sonhar com a próxima grande guerra
Não quero mais ter como utopia uma anarquia insidiosa
Não quero mais fantasiar com a chacina dos políticos e bufarinheiros -
Mesmo um idealismo facínora e insidioso calunia a vida
Apesar de denegrir menos o mundo que uma utopia ecumênica.

Sinto-me bem
E às vezes isso me dá medo
Porquê sei que me sentir bem está longe de significar que eu esteja bem.

Porém felizmente
Não me sinto feliz
Engraçadamente
E falando muito a sério
Não poderia dizer como me sinto.

Talvez não seja exagero afirmar que não tenho mais sentimentos -
Sentirá algo o rio foz abaixo?
Regozija ou se revolta o oceano?

Se sou tempestade
Sou tempestade e nada mais
Sem raivas nem remorsos
Apenas a trovoada a enxurrada os afogamentos.

Se sou límpido meiodia
Sou ouro aéreo e nada mais
Sem nobreza nem destreza
Apenas a mansidão a ardência as continuidades.

Que há algo de especial no homem
Ah sim isto ninguém pode realmente negar
Apesar de muitos contestarem veementemente a decisão premeditada ou não por parte do universo de nos criar.

Tem sim algo de especial
Algo intangível perdoe dizer
Que o amor é ainda o bem mais valioso
O amor e os frutos de sua abundância multiplicação de si por si indefinidamente.

Canto de galo abstrato
Substrato sonoro do fato
Palito de fósforo estarto.

De Sopetão

Em primícias falava o homem da pedra filosofal
Tão selvagem quanto urso entre ursos leão entre leões
Em sua longeva inocência louvava virtudes antropomórficas mesmo ao barro e ao líquen.

Transportava seu foco entuchava enfim sua mônada e sua gônada goela abaixo da faunaflora
E via vingança na carnificina tão beata da hiena
Via sortilégio sádico na manipulação divertida do rato por parte do gato
Via e quem sabe ainda veja honra no pavão e santidade no louvadeus -
E os pensamentos humanos que atribuímos aos bichos
Falácia moralista que pregamos pra tentar afirmar que a natureza em verdade é prova concreta de que o humanóide bípede incorrente é o fundamento de todo propósito universal.

Ah cabal aparição -
Ah nossa poesia nos cegando
Nos cegando como a verdade deva cegar a uma deidade.

Evoluía
E mesmo os gêneros dentre as espécies lhe pareceram um tanto indiferentes -
Lembrou-se das rãs fêmeas que trocam de sexo quando não há machos coachantes -
A Vida sempre encontra um jeito
É o que se dizia alcionicamente.

E será que não somos também isto?
Também pura inconsequência e caos
Caos no sentido literal claro que no fundo está tudo em seu lugar -
Não seremos também a mais irrestrita inconsciência?
Também o mais inelutável descontrole -
E se somos
Que é de todo mérito?
Tudo bem que nesta toda falha também caia por terra
Mas estaremos em paz repousando na certeza de que tudo é engendramento e nada mais?
Repousaremos na certeza de que não há castigo nem recompensa?
De que nossas vitórias são tão naturais quanto a queda das folhas no outono
De que nossas tragédias são tão inevitáveis quanto o correr da ampulheta?

Se Sim
Daí a única liberdade
É Aceitar.

Darandinando

Flores feridas ao mar
Disse A Deusa Iemanjá -
Frutos estranhos.

Estanho e cobre da musa
Em meu hálito adocicado pela ternura da alva cútis
Minha mãe meu pai os bichos vivos todos que jamais viveram
Reto numa linha torta entrózo e gozo troçando trocando trocando.

Troco os cimos pelos baixos
Os certos pelos gôxes
Vou de dicionário debaixo do braço aporrinhar o apologista propedeuta -
Quem sabe até me ensino a rir de mim
Me ensino a rir por rir -
E o sinistro radar fustiga
O Tudo em torno de mim
Este multiverso que a mim cabe
Como fases entrecruzando em transientes calibrados
Esta vida toda em torno de mim a desenlaçar dum sonho supremo.

Me vejo objetivamente estéril
Acolhendo novamente o místico em mim
Mas não como uma criança acolhe brincadeiras -
Muitas pontes perigando as exíguas certezas do maturado.

O futuro é um só porém realmente livre e infinitamente improvável.
Quem poderia afinal calcular?
Ah sim grandes máquinas podem responder este tipo de questão pra nós.

O óbvio
Tão avassalador
E também tão tranquilizante -
Ah O Grande Óbvio
Como brilha
Um Sol Virgem
Esta Realidade
E afinal que outra senão Esta certo?

Ah
Se ouves o canto secreto da grama
Se danças à valsa do ar -
Ah se danças à valsa do ar
Quanta gratidão
Quanta perfeita gratidão.

Braços espalmados retezando um coração
Esta emoção tão sutil
Quase imperceptível
Ah funesta desalegria!
Quase imperceptível!

Ah
Por quão pouco não se sujeitam -
Mas não quero insistir nisso como bem sabem.

Percebe-se bem sua face
Em casos raramente.

Uns têm sortes de se envenenarem vagarosamente
E notam os solavancos crendo em inspirações
Há os que se envenenam de estímulos
E há a redenção do vermelho solar.

Há a salvação da música
A salvação da sincronia da emoção
Numa canção.

Meu coração canta sem folga
É um canto de pardal.



Jubileu Jequitibense

Sempre em frente
Que as cousas nunca são as mesmas -
Cascata de confeti e serpentina!

Sempre em frente
Que até a vida eterna soluça e engasga -
Berro buzina feliz da língua-de-sogra!

Sempre em frente
Que a chapa é quente
Que a paixão é demente -
Coceiras de rolar na relva
Venenos arco-íris da selva
Fé do calipígio que enleva.

Em frente porra
Ou te atiro à masmorra
Te excluo da boa zorra
Tortura tradição do vão
Censura prisão do são
Descarrila o trem truão.

Sempre em frente
De carona ao vendaval
Estalo embalo fraternal
Cavalgo ao dorso da Esfinge
Em caçada de hipopótamos
Punhal de platina na algibeira
Garrucha safa de espoleta.

Estouro Amor insaciável
Rutilo frenesi incontornável
Exploro as frestas das ranhuras
Sarapantado pintalgando diabruras
Sempre em frente
Diferente.

Impressões

Cinzas despregando de minha pele
Poeira que se solta no reciclar de meu ser
De sete em sete anos abandono um eu de pó à atmosfera
E com sorte aos quarentedois nasce o sétimo fantasma na carapaça.

É estremecer em dança pra espantar o frio
É mergulhar no rio e tragar goladas de cristal
É ser amigo leal respeitando de tudo o pré e o pró
É viajar o teleférico elétrico da emoção no nó do coração.

Aquele grande é
Aquele grande hmmm
Aquele grande putz
Aquele grande urrúl.

Aipim sertanejo frito à lenha em cozinha de chão de terra batida
Os dois olhos tão negros da indiazinha inexplicável as musas todas
Tudo que se faça com chocolate e café tudo que se chupe até ao bagaço pra degustar!

As surpresas os sustos
Versos em sussurros
Nomes roucos fingindo fronteiras entre as coisas -
Este zumbido irrequieto
Vespa verde do Serengueti
Em vôo aberto dentro de mim quicando entre as bordas dos meus contornos.

Eu de carne e osso marinado em mel e manteiga
Eu pai do suíngue em bebopes e maracatus
Eu meus pés olhando pro centro do mundo -
E não há medo e as cores espiralam o movimento único da vida em meu hálito.

Sei que me tornei um louco
Sei que sou um ignorante evitando quase tudo a que se preza hoje em dia
E queria desabafar pelo mundo desaventar todo malogro deste jogo de azar
Mas já em silêncio me trucido -
Ouves consumir-se meu mundo?

Que resta de mim?
Este furor nas entranhas um quase medo?
Que se fez de mim?
Um tilt transpassado de toda alegria do infinito?
Não se consumou meu mundo? -
Abro todos os olhos venham todas as imagens!

Ouça-se O Silêncio.

As flores então respiram
Fora do tempo -
Girassóis fumegantes.

A Águia E A Serpente

A ave deslumbrante delgada em beges e cremes
A réptil auspícia enrosca-se-lhe ao pescoço meiga -
Plainam dóceis acima dos nuvenzais irmãs eternas por sobre O Abismo.

Serpente espessa e pecaminosa de cor e timbre de peçonha negra
Águia pérfida e precisa mãe da vastidão do mais imponente foco -
Ela em torno do busto dessa em vôo radial espraiado a funesta perfeição.

Tanto tão incrível por sobre a face deste mundo
Tanto tão nobre e cruel tanto tão pleno e inconsolável
Mas
Ah
Se o homem isto ou se o homem não aquilo -
A verdade é que ninguém realmente sabe
Mas o instante presente desembrulhado ah este sabe de tudo.

Transe torpe do desregrado
Bafos sórdidos dum inadimplente
Surtos epilépticos sob controle
Valsa molesta da tecnosfera -
E não me permito esconjurar nem ofender a que quer que seja
E vejo minha frágil continuidade como uma oferenda sem rumo uma prece dum ateu.

Rezo ilógico ao anacronismo do axioma
As Plêiades acomodam meu travesseiro de pedra
O substantivo se torna o próprio verbo intransitivo
Rogo ao caleidoscópio vivo em meu labirinto
Peço algo que não sei pedir peço uma confusão de pedidos desencontrados
Rogo pra que tudo assim seja como é e então isto é quase como o avesso dum pedido
E dou a sorte de me dar conta de que tudo é realmente perfeito em sua infinitude cósmica -
Não há algo como erro nem falta
O grande pecado original é não termos nos divertido mais em nossa estória!

Haverão sempre seguidores e palradores
Haverão sempre pavões glutões e tolos
Haverão sempre cornucópias iriscidentes
Haverão sempre idealismos estrupadores
Haverão sempre tudos e nadas extremos
Haverão sempre todos os aquis e agoras
Haverão sempre os perpétuos dos amores
Haverão sempre as duas amigas flutuantes.

Sangue

Rio de fogo contido em minha fibra
Magma suave jorrando pulsando e pululando
Luz de minhas entranhas reluzindo índigo nas íris
Estalos espirros e estampidos superssônicos da faunaflora interna.

Quisera imiscuir-me de toda responsabilidade
Mas este não definitivo ao julgar ao discernir é ele o tédio fatal
Quisera apagar de mim todo senso de culpa
Mas ínterim despregariam da alma também todos risos das conquistas.

Sente e transpira e talvez uma e outra coisa não sejam ambas uma mesma
Enfurece-se e redime-se e quem sabe mesmo a mudez da agonia seja uma paz inconsequente.

Que nobre transgressão esta de esquecer-me do violento intrínseco em minha herança
Que benevolente repúdia a todo soberano de ataraxia a todo idólatra impune a cada despeitoso mestre.

Cilada

Numa tabacaria oriental o chinês com seu bigode cumprido dormitava
As tranças de Sansão roubadas no escalpelo da noite por sua Dalila
Os treze juncos tão juntos dos cascos das tartarugas que sustentam o mundo
Orgias de coelhos albinos nossas telefonias nossas condutas e emendas.

Tão fina a linha
Transbordando anonimato pra ambas as bandas
Tão fina a fronteira
Entre o condicionado empacado e a ave livre.

A Grande Saúde -
É o que convém deletrear
E então espavitado reverberante dando graças à minha mesma obra
Uma loucura transgênica evitando cefaléias e pudores crônicos
Um horizonte imprevisto até indesejado exigindo a força.

E o solista flutua
Sua orquestra intangível levitando-o na antigravidade do tom
Salvas de fogos de artifício espectrais nos sinergizando no mantra do inevitável eterno.

Estompe estompe grita o tendão de Aquiles no saltitar do bailarino
Picote nela no banheiro do botequim pra ficar com gosto de quero mais
As molhadeiras e as febres as andanças os sonhos nossos filhos e além
Pego o bonde andando abrupto e ainda dou tchauzinho pra rir sozinho
Quero porquê sou esta coisa que sem querer termina por muito querer.

Ode Ociosa

Crueza pátria minha ímpia idolatrada minha santa iletrada crueza
Quero-te sempre pérfida e cáustica catalítica como és quero-te como valsa de mitocôndria e requebrados de madeixas
Crueza inominável de mim minhas entranhas em cio sem fim fome sem trégua do ventre vulcânico
Quero-te sempre úmida e desquebrantada de anseios extremistas quero-te como a alva nudez de minha doce lama
Crueza minha -
Ou será inverso?

Não serei eu em verdade posse explícita de minha mesma crueza?

Eu crú pouco a pouco sob o sol chego no charque de mim
Ou me cozo ou me asso em fogareiros estalantes de marchantes da paz
Eu crú pouco a pouco encrudesço sempre mais e disto não posso escapar não se pode
E mesmo que ferva ou torre ainda assim encrudesço e me esqueço desfaço-me como bolhinha de sabão a saltitar.

Este banho de sais sagrado que é nossa mãe nossa raiz abandonada ao relento do murmúrio das máquinas
Tantos caminhos a percorrer -
Ainda não se esgotaram nem o homem nem a terra dos homens!
É sempre tempo de despertar
Para o estonteante
Do descabimento do delicado
Tempo de aflorar e chover
Que quando já não for mais tempo
A flauta já não canta mais
O sapo já não pula mais
O bico já não chora e também já a dor não acalenta.

Foragido do mundo
Um fora do tempo
Mambembe solerte
Em fristailis ecourbanos.

Mente tanto o poeta
Mente tanto o santo
Mente tanto o justo
Mente tanto o certo -
Mas a crueza não mente nunca jamais.

O crú de mim não tem arbítrio nem honra não tem orgulho nem decência
É mesmo quase uma demência tal nível de transparência na foz da incandescência
O crú de mim não vela nem teme não chora não remói não enquadra não conspira
É ao de leve praticamente a mais perfeita e incógnita definição popular do malévolo
O crú de mim versa a valsa da sintonia nas síncopes insensatas da incansável sã sinfonia
É um estigma pagão o sangue que corre em minhas veias o sol que arde minhas teimas
O crú de mim também me despreza em certa medida porquanto eu ora fuja de tanta crueza
É rei sem lei é a irreprimível demanda é o par e o ímpar do suntuoso organograma quântico.

O crú de mim me odeia em minha poesia
E sugere sempre o treinamento de guerra como o mais eficiente trajeto à simpatia
Implica sempre nalguma autoflagelação
Não por sadismo nem por beatitude busca a fragilidade pra ter de encarar o tênue do óbvio
O crú de mim me possui e talvez esta crueza nem seja conceito nem persona
Talvez o crú de mim não seja senão um lapso de palpabilidade intermitente
Uma sonegação de instintos ou uma interiorização de vinganças abjetas
Talvez minha crueza defumada reclame ainda da pequenez do império
E nisto seja o último fólego duma cega tirania a última ira da confusão
E então seja enfim novamente só o crú de mim e nada mais
Novamente o singelo rancor do estanque da torneira
Novamente o vento usurpador correndo a queimada
Novamente o mundo pequeno e maduro e ao alcance
Novamente a expedição bandeirante mistério adentro.

ESTÓRICO