Esperança

Como música
Flui de meus poros uma triste alegria
Pranto insano
Desvelando resvalando no mistério.

Respiro fundo
Porquê quero o fim abrupto de meus hábitos funestos
Fedentina indesculpável
Frutos corroentes de minha dieta desequilibrada.

Julgo o que devo
Evito agorafobias
Vou de encontro ao sensível em mim.

Ai testemunho dos sentidos
Tão único -
Minha estória que não cabe em tradução
Que não se encaixa na vulgaridade do linguajar
Sou esta gama de poros e papilas
Trilhões de pontos em dança cadente
Sincronicidade onisciente.

Fiz tanto sofrer meus instintos
Fiz guerra em mim por mim
Pela pátria de minha lucidez
De minha inocência pérfida -
E galguei degraus
Subi por cima de cabeças e corações
Estive à parte do mundo
Fui vaga de superstição déspota
Provei dos antigos elixires e retornei com um grande talvez
Um grande talvez
Cravado entre meu peito e minha testa
O grande talvez
Da mais alta esperança.

Minha filosofia ganhou silêncio e força
Ganhou a prata da lua cheia e o ouro do grande meiodia
Fiz-me rico de cores e até aprendi a nobreza do abdôme.

Recôndito em mim
Interativo e reservado
Lanço em malícia escarlate aos amigos as marés melódicas de meu segredo -
Notas soltas na batucada
Papagaios livres na cidade
Calangos urbanos no apocalipse
Nossa civilização tão ameaçada por seus próprios meios.

Sei que não tenho tempo pra me lamentar
Sei que em meus rodopios desvairados os pensamentos que insurgem rodam à roda do amor
E assim ganham amplitude infinita.

Sou a alegria do aperto de mão banal
Ah quantas sérias alegrias pequeninas e despercebidas
Quanta vera benevolência vivemos em nossas comarcas insalubres
Quanta felicidade debaixo dos gestos inúteis
Dos olhares amáveis.

Sou flecha incendiada
Correndo o vazio do negrume
Flecha de aço
Em direção difusa
Radial
Porém centrada perfeitamente no estratagema da meta -
Sou sol verde
Iluminando a flecha de aço da coragem
Em direção do dízel de nossa verdade avassaladora
Em direção espiral e retilínea do explosivo de nossa orgia pós-moderna.

Sou a máquina de gozo
Incendiando a subúrbia mortiça
Sou o fora-da-lei destroçando mandingas em decibéis extremos bem depois das dez da noite
Estaca cheia de guizos pululando
Sou a prece pétria do atabaque
O óbvio sutil ai tão sutil que denuncia o fato
Que aponta histérico ao flato
E assobia indiferente às flâmulas do futuro.

Sou a contração do cócxis
A glote travada e a testa aberta
Sou trabalho de postura
Um heroísmo refinado
Sou um estudante afinado
Sim mui alienado mas não ao inalterável presente.

Esqueço-me de tanto em meus pudores
E intento a ponte entre intenção e ação -
Quero acesso à minha destreza
Contato cristal com minha necessidade.

Sei bem que os hábitos definem demais meu imprevisível
Atavismos poeirentos odiosos
Herdados inelutavelmente -
Mas não me indisponho
E apesar de meus erros boçais
Apesar ainda do desperdício do sêmen e do excesso de industrialidades
O sangue arde redentor
Pralém de toda sistematização de ideais
Pralém de toda ânsia de coprofagia
Sou um vento em trânsito
Ai tão fugaz
Sopro imedido
Sou hálito sem trégua nem régua
Sou oscilação ultrassônica intracrânio
Definindo ordens imorais ao organismo
Organismo que rege a si mesmo na inconsciência tão consistente do animal.

Espírito livre
Tangente às opiniões da época
Meus dedos frugais jejuam
Pacientes esperam as próximas regalias
A próxima sessão de música cruel
A próxima transa radiante
A próxima sessão de iôga anômalo e do-in transversal
A próxima vez em que me surpreenderei plantando bananeira.

Dou um longo trago
E prendo a magia ao máximo em mim -
Venenos e bálsamos de minha simplicidade
Represento a tragédia da geração
O choque entre o medo dos pais e a curiosidade dos filhos
A resistência da liberdade que não se deixa dobrar pela tradição
Que não se permite baixar a cabeça frente à estúpida adoração estatal.

Por amor à eternidade
E por via etérea
Sou fadiga insone
Represando experiência
Fazendo-me de sábio e conhecedor
Só pra poder pensar algo bom de minha biografia
Só pra poder encarar ágil ao insosso da nostalgia.

Aconselho mas não espero que se me acate
Dou me faço miserável mas não espero que se me retribuam
Supero-me ferrenho sou talvez a placa que indica ao atalho mais útil e também mais cheio de perigos
E tento não perder tempo como guru nem como docente
Quero que a vida faça-se a si mesma em torno de mim
E por isso desisto de vigiá-la
O amigo e o inimigo que se centrem em sua evolução
E se decidirem pela ascenção
Alcancem-me
Farei ótimo diálogo
Um poeta mesquinho e irônico
Serei a melhor antípoda
Pra que nosso confronto pacífico nos fortaleça
E nosso encontro entre guerreiros engrandeça a esperança terrena.

Pro bem da verdade
Não é guerra que a mãe quer.

Não é luta e dor que ela deseja
Não é por guerra que a original anseia.

Mas se o que ela quer
Ah grande objetivo inominável
Se pro que ela quer implicita-se guerra e chacina
É isto que em nome do amor há-de vir à tona.

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