Auspício

O foco da lente
Angulares e objetivas de nossos dias
Ah nossa sagrada vitória
Ah pranto represado de minha consolação -
Trouxemos nova vida ao mundo
Trouxemos novo amor à vida
Mesmo que sem querer querendo
Está aí
Dito e feito
Nossa esperança nos alimenta
Frutos doces livres caem das copas de nosso jardim.

Já não sei me enganar
Então me desengano na imodéstia da certeza
Certeza indigente
Verdade mendicante
Ai terminologia obsoleta
Sintaxe amorfa aprisionadora
Estou liberto
Do desatino da lógica
Da frieza do teorema
Intruso num mundo de maravilhas
Pés descalços sobre brasa de asfalto
Ó estradas da terra
Tantas e tão diversas
Caminhos abertos ao criativo
Prova cabal da justiça sem nome.

Quanto descabimento
Me dizem quero viver uma vida certa
Preparando-me pra morte
Me dizem quero viver a vida perfeita
Treinando ética pra próxima
Ou pro além ou pro extramundo duma existência eterna
Eia amigos força coragem
A vida é dura mas é doce como rapadura
Eia guerreiros fronte erguida abram o coração
Nos sonhos temos tudo
Mas a real não é isso assim
E por mais que se desespere
A real é cruel é só uma -
Passo longe de pormenorizar explicações
A graça dela pra mim é que seja assim tão complexa e tão tangível
Tão fenomenal em sua indefinição fantástica em sua próspera diligência
Tão absurda em sua ausência de probidade e ao mesmo tempo tão palpável.

Ah largos vales do Sião perdido
Ó bela alvura do momento indistinto
A substância verborrágica se esparge
Suave unção da consciência
Tragicômica consciência o último reduto de toda inteligência de toda potência
Ah consciência tu és instinto também inconstância e revelação também
Tu és a ruptura do supremo vulcão
Tu és o vôo imóvel do cristal infinito
Ó nobre ventura de minha alheação
Sou espírito de dança e nada mais
Sou a espiral única em que bailam as supergaláxias
Sou uma garça em caça na pontinha das patas
Sou as garras da leoa destroçando a cria fraca
Sou a imponderância do estio abençoado
Verão equatorial numa era glacial virtual
Lótus desapegada
Sou o amor que meu cão tem por mim
O carinho de minha vózinha
Ah como sou grato
Como sou grato minha mãe
Minhas mães e meus pais
Perfeita gratidão é meu nome secreto.

Num silêncio desregrado
Macunaíma de megalópole
Dou vida às máquinas com meu cantar
E sigo cada cor até seu fim.

Perfeita gratidão é meu nome de nascença
Bater dum coração sina sonsa e passageira
Venero à vida como o beijaflôr venera à tulipa
Minha prece silente é vôo de borboleta translúcida
E o universo é um som que cabe todo em qualquer tom.

Em breve sei que rio
Rio de rir
Desaguou minha mágoa
E o rio de minha alegria ganha margens
Tromba dágua sapiente
Estanca o rebanho e arrasta o desatento
Prenuncio medo num rumor
Dou aviso que se vaze vá-se à terra firme
Que a chuva cai e cumula impulso
Rolam grandes pedras de momentos
Foz abaixo arranco árvores pela raiz
Ventos de fúria ainda me ajudam
Desnudando a euforia
Pondo em guarda a hipocondria
Vá se afaste que tal amor vem de arrastão
Vá fuja logo não se afoge histrião.

Pequeno de mim
Imberbe lenhador
O que digo que se me expressa
Vem sem mérito e sem pudor
É a terra fértil em mim que o externa por mim.

Vera perfeita gratidão é meu nome indiscreto
Vera profunda perfeita gratidão é o signo de meu sol
E na entrega à realização
Choque insano da compreensão
Só me resta uma faculdade
Endurecer-me ao zero absoluto da simetria radial
Expansão incansável despertar contínuo de toda fibra incandescência em calmo sangue.

Balada Para Carolina

Digladiando na madrugada
Paixão sem nome rasgando meu peito
Me escapam as lágrimas dum amor perfeito.

Musa distante
Que não tenho esta noite sob meus lençóis
Quem sabe onde descansas
Quem sabe enfim se dormes ou se entregas-te à volúpia
Num breu tão banal de terça-feira
Não sei que há comigo
Não sei que se passa quase me sinto um romântico
Jovem ingênuo sonhando um elo definitivo
Pérfido obrando prosa com viva matéria
Usando-te ah bela ah monumental aparição
Me perco sob teu queixo
Quisera encostar-te neste instante
Ai musa distante.

Em realismo fantástico
Tento esquecer-me do sofrer
Não há tempo que perder.

Não há que determinar
Não há expedições a debandar
Somente desejo estar contigo
E não sei mais que dizer.

Braços de marretas
Dedos de velas acesas
Metamétrico
É erro achar que sei
Ilusão agreste crer-me lúcido
Ócio opiáceo
Sinto algo vago sob minha cútis
Chamo-lhe fluxo porquê evito fixar
Nudez da nudez
Vertem sangue e saliva de meus cabelos.

A roda do dia a girar
Cacti morosos no deserto da glória
Ninfas nuas entediadas
Ai como é pequeno ainda o maior deles
Suspiram aliviadas à alvorada lésbica
E um homem carente se esfacela
Pede sem pedir
Pelo suor das dores do parto
Pela parede branca da boa música
Pelo insólito rubror da benévola maldade.

Selva de meus pêlos
Minha Amazônia em chamas
Brinca manhosa valsa cas cinzas
O futuro do homem virá
Mas não há garantia que o mundo o suporte
Ícaro desmamado
Quantos místicos poentes
A estória do bicho humano tão desentendida
Voz una de antigos sábios
Cantando a vida como doença
Sugerindo enlevar em desavença
Ai dessa rota desalegria
Cansaços amargos por tanto nada se fazer
E pequenas árvores floridas
Rosas roxos amarelos e anís valsando a cadência do alento
O verde incrível explode em mim
E o simpático cachorro resmunga estranho algum sonho insondável.

Desembrulho-me
Afunilamentos
Na memória não cabe tanto
Mas não importa
A vontade é maciça
Desdenho-me subtraio-me de mim
A idéia que faço de mim é um jogo sem regras
Meus ossos são polaróides de faraós imortais
E tanto que corre e subsiste em mim de mim
Já não sei se sou parasita de minha mitocôndria
Aquiles derrocado.

Tantas pessoas em minha pessoa
Poesia pura do clichê
Esboço semblante de michê
E me faço mexer
É funda a noite
É árduo o dia
E a ninfa nua quem sabe
Banhando-se livrando-se do enxofre apostólico
Nua e molhada quem sabe
Fazendo cócegas em si mesma sem notar-me à imaginação.

Os inertes que me perdoem
A prosaica crônica duma vigília
Suspendo-me como boneco fantoche enfeitado
Sacudo das juntas a poeira
Arrisco arisca ginga
Faço melodias à marimba
E o barro duro
Nobre seco portento
De luz ignara e suave
Atravesso-te ânsia minha
E na outra banda de minha presunção
Repouso alegre em confusão
Rolo à relva vou me despencando
Súbito o abismo
Me agarra sem aviso
Estou em quedra livre
Sem medo
A agonia da presença destilada em absinto
Minha sombra vai crescendo
No que o baque se me aproxima
Mas ah cândida liberta rima
Meu coração de estilingue
Lança ao alto a pedra que sou
Mira ao sol
Cega-me a subida
E num átimo de confiança inominada
Na pausa oblíqua do apogeu
Se me escapam minha razão minha lembrança
Não sou mais nada sou pó só moção tração
Deidade em balão de hélio
O empuxo me empurra mais leve que o próprio ar
Meu destino em desalinho é o praonde o vento me soprar.

Papoca

Desgraça pouca é bobagem
É o que se apreende à camaradagem
Felicidade é momentânea
Não nascemos pra sermos felizes
Pois se assim fosse
Não saberíamos o que é a dor
Não haveria o contraste cruel
Que ensina o vero profundo valor da alegria
Que demonstra o quão grato se deve ser à brevidade da satisfação.

Claro que não há realmente dever algum
É mais uma invenção
Mas de todas as invenções de obrigações
A da gratidão é a única que me permito despreocupadamente.

Encaro já ao homem e sua inteligência como encaro à floresta à paisagem
Admiro-lhe a força a sinuosa perfeição
Mas não acho-lhe mérito algum
Já me soa descabido recompensar com elogios à chuva
Não há mais senso de dívida pra com a faunaflora
A grande providência divina não é mais que a indiferença universal malinterpretada.

Quer-se a relevância como artista
Anseia-se notoriedade como cientista genial
Quer-se crer que nossa civilização sobreviverá mil milênios
Como se da pós-modernidade enfrente fôsse certa a continuidade da humanidade como a conhecemos
Como se pudéssemos e até devêssemos considerar o essencial do ser humano atual como o essencial imutável do homo sapiens desde a imemorabilidade.

Só sei que nada sei.

O prazer aniquila a dor
Vitória do hormônio do gozo
A vida é pura dor
Em cada esquina pulsante
Mas ela se supera
Ela cria sua mesma anestesia natural
A força em expansão
Expulsa inclusive a ciência
Devora a tudo
Devora cada sensação
Leva tudo ao chão
E a dor intrínseca é esquecida
Se perde do foco
No alvoroço adorável da conquista
Singela beleza sadia
Nos deixa insensíveis
Ah incrível formosidade
A alegria nos embrutece
Nos torna insensíveis à dor
Até que só se consegue enxergar a luz do poder.

Castelos De Areia

Escorre o tempo por nossos dedos
Escapa entre nossos gestos
Volve e revolve em nossas veias
Tempo sem tempo do eterno agora.

As conexões todas já são
Não há fim algum
Nós rodamos à roda
E isto é o que há.

Uma patifaria
É saber dizer sim à ilusão
Amar consciente da mentira que é o amor.

Assim como percebo que não faz diferença alguma
Sinto tudo vivo à minha volta
E me faço lembrar
De algum pensamento qualquer
Lembrar de sorrir
Vago e alheio
Sorrir acima de mim e do mundo
Sorrir apesar de mim e do mundo afinal
Pois que não há perdão não há retorno.

Se há utilidade nisto tudo?
Se há propósito universal na vida?
Sou bobo mas sou feliz bobo é quem me diz!

Não basta estarmos vivos?
Não basta estarmos remotamente cientes do fato impressionante de que há a vida e de que estamos no meio da coisa toda agora mesmo?
Mas não
Quer-se fazer apaixonar sequencialmente pelo que seja
Quer-se entregar cegamente a qualquer ponte sem corrimão
Por sobre abismo inesperado quer-se ainda dar cambalhota e não se deixa de esperar pelos aplausos
E nada como morrer num erro numa queda nenhum aplauso mais fervoroso que o da queda fatal.

Sigo reto
Por sobre a corda bamba
Não desgrudo pés do chão
Quero ser um coletivo
Quero falar pelos que sonham
Venho à tona de mim
O tempo escorre escapa me foge entre o piscar de olhos
E não sei mais que seja direita e esquerda
Sou urubú-rei planando
Três milhas acima imóvel pairando por sobre todas as tragédias humanas
Ai por demais humanas
Comédias rancorosas o ciúme a inveja
Ai pudendos de nossas almas
Quero falar pelos destemidos
Pelos que superam o nojo e saboreiam o bafo amanhecido
Pelos que estão com todos olhos abertos
Quero convidá-los ao relaxamento
Diabos quero pressioná-los ao silêncio
Mostrar-lhes o lar e a cura que residem na serenidade esclarecida.

Deixo em parcelas o melhor de mim
De grão em grão a galinha enchendo o papo.

Em flores minha primavera
E a indiferença do outono
Sou a febre varonil do trópico
Verão eterno às brisas do leste
Sou o urso em hibernação gordo farto
Encarando com escárnio a alvura do inverno.

Certa feita fôra um conluio de musas
Uma confluência de inspirações
Mas hoje sou descomprometimento extremo
Sou a suntuosa irresponsabilidade do instinto
Surpreso denovo e denovo
Inconformado e contente
Em luto ainda pelo falecimento desta e daquela utopia
Triste sim triste porém lúcido
Revoltado como não porém aberto
Não é um preço alto demais a se pagar
É como posso encorajar ao aprendiz
Não é um preço alto demais a se pagar pela liberdade do sentimento
Perder o prestígio nos círculos sociais deixar de mitigar afagos incestuosos
Abandonar as ânsias de glória e fortuna megalomaníacas se desafogar do oceano sulfuroso da gramática.

Reconhecimentos e perseguições
Salmos calmos
A vida é a arte do caos
É o irreversível decantado
Na via sagrada da reprodução
É o descaso do pródigo
Colorindo a monumental sinfonia inorgânica
Dando espírito às estrelas
Fazendo dançar tudo que ainda pode dançar
Fazendo correr pés e pernas despertos.

Somos filosófos do suíngue
Anatematizando enclaveamentos prolixos
Somos a avalanche desencadeada pelos ecos dos suspiros da entrega
A vertigem ascendente
Escrava da travessia
A nau prisioneira do infinito
Somos os exploradores do erro
Fundindo categorias e desmarcando fronteiras
Como tem de ser
Somos talvez quem sabe um degrau firme
Na passarela frágil da docilidade
Do respeito involuntário
Somos duendes desencanados
Vestindo trajes de arlequins
Suiçamente precisos
Em casta caça de piriguétis
Em nocivo encalço do inédito
Peste infestando festas
Somos a gargalhada incontida
O cuspe descarado às caras do pecado
Faceiros facinhos
Abelhas laboriosas
Nadando no pólen da folia
Fazendo mel de sabedoria
Nutrindo as entranhas da colméia
Estocando o ouro da alegria
Pra mór do incenso não faltar
Pra mór do ciclo não calar.

Progonia

Silêncio reconfortante
A música apodera-se de mim
Arrepios à nuca à coluna
O cajado finca novos passos
Os pés vacilantes
Tateiam os leitos rochosos do desconhecido
Pés leves e soltos
As mãos olhando e vendo o fundo do abismo
Fendas vertem água e cristal no coração da vida
À sombra sonsa de buritizais fractalizantes.

A poeira seca e densa se me apega
O sol inflama as asas solertes do pensador
Os titubeios da arte se desenganam
Ai sonhos infantis ai desilusões tão profundas do amor absolutista
Sou fome de mistério saciada
Sou sede de segredo amainada.

Tendes sedes celestes?
Tendes fomes morosas caro comparsa?
Refugia-te em teu silêncio
Toma abrigo em tua crua ambição.

A tempestade rugia relâmpagos
Espargia-se mítica na afirmação do indefinível
E o sol por detrás
Tão sóbrio
Tão resolvido em sua clara nudez
O sol acima além
Tão indubitável em seu fenômeno
Tão certo e tão imponderável
Sussurrava liberdades irrecusáveis
Tronitruante em seu discurso térmico
Aforizava anomalias transgênicas
Solicitava ao bailante a plena irrestrição da lucidez.

Numa longa estória de desalento
Em meio à insidiosa multidão de bons e justos
Submerso no oceano estéril da ascese idólatra
Nadando impávido entre tubarões
Em caça de lagostas magentas
As guelras do filósofo rangiam a vontade de pureza.

Pureza suja
Descabida
Do degenerado que compreende-se a si mesmo
Do tardio
Que descobre sua ventura no esquecimento da irrazão -
Pureza estúpida
Do homem que retorna à sua infância
E difama o mundo com seu solilóquio bastardo
Abrindo túmulos indevidamente
Tentando mover a pedra do passado.

Deixou de olhar pra trás
De sentir e crer pra trás
E então as maravilhas dum novo desafio se impunham.

Desejava ardentemente um novo começo
E temia a foice sibilante da suprema lógica -
Quisera destituir-me do atavismo
Mas a fusão com o núcleo é somente outra continuação
Somente outro instante infinito dentre infinitos instantes sucintamente inseparáveis.

Os erros faziam-se flores
As borboletas dos sonhos dos andarilhos revolviam-se em seus casulos
Prenúncios de terremotos
Esperança de cataclismas
Que rompessem a pele e o pêlo da terra e fizessem brotar novos manancias do ventre verde
Que destroçassem os templos intocáveis das paixões e impelissem à invenção de novas maneiras de amar.

Um rubato soberbo
Sindicalizando os radicais
Homenagem incitante
Estruturando gastronomias virginais
Síncope suave
Despertando em aridez cosmopolita
O louvor em cada valsa
Salvação que todo movimento implica.

Doce Deleite

Si pá
Lá vou
Vôo eu
Ao estrique da folia
Bonachão
Incontinente
Silencio-me
Em cio
Lobisosmagens
A cracatua e a calopsita cantam
Sim sim siriri sim sim!

Breque estroncho
Suor roto
Bebo da amarga
Ai cunhã
Tua luta impressa em teus poros
Provo-te
Desnudada
Tu és meu galardão
Tu és a sadia mania do meu varão!

Ah como te quero
Ai tanto que canto!

Ah como te sinto
Em todo signo encanto
Teus beiços finos delgados
Deitada à rede sob estrelas
Faço-te sorrir
Os pulmões arqueiam
Pernas joelhos entranhas bamboleiam
Fogo louco
Vou à festa do cabide!

Descambar-me da caustina
Desmembrar-me em cocaína
Sou o tuím da orgia
Ânsia sã de ruptura
Sapagens mouras
Venço o minotauro em mim
Tótem do tabú
Digo sem medo pau no cú
Com acento no intento
Cheirem-me os sovacos caretas infelizes!

Danço funesto
Lambo os lábio é meu gesto
Espalmo palmas
Ceia largada enfaço fumos
Vou de cardume
Atuns salmãos ó bons irmãos
Ginga rubra do açoite
Passeio incauto toda noite!

Vou de certeza
Perversa nobreza
Vou de bem me quer
Sou de quem quiser
Vou de amor mulambo
Na sina do mucambo
Ponho mesa de feijão
Aipim toucinho macarrão
Meto chifre na dengosa
Armadilha de vento e prosa
Quero todas as esposas
Pra largar bem das cousas
Quero todos os conradas
Expertar-me às espadas
Sou o lance que atrai
Ímã mago samurai
Sou o laço desfazendo
Escolho desentendendo.

Si pá
Lá vou
Vôo eu
Aos confins dos jardins
Becos soltos berros loucos
Por trás das moitas preces afoitas
Rasgo vestes quero coração e coração
Peito com peito ventre com ventre
Quero todo abraço mui caliente!

E ó amados amigos
Ó lúdicos da capoeira
Vamos que vamos a noite inteira!

Até o sol raiar
Pra treva se espantar
Vamos nos afogar
É de garapa nosso mar!

Me enrosco lá e cá
Nas espirais da musa sarará
Loura amena sol da terra
Calma borboleta em jatobá
Pra partida um bom óleo de copaíba
Mas se ferida nem procure por saída
Não me deixe sem beijo e queijo
Não me tires a harmonia no que vejo
Dou-te a mão
Sou bom patrão
Em dando prazer vinte vezes gozo
Quero time libre à cubana o entrozo
Aos calcanhares estrimiliques
Côxa e côxa os friquefriques!

Afoxé santa irmã da sarrafa
Evoé ígneo bróder em sinéxtia
Salve salve douda transfusão de sangue
Sambarroque ritmando os sem ranço
Honro a virtuosa catinga
Sou a herança em desencontro
Mistureba espessa clamando pátos
Sou a vermelhidão que tudo permeia
Escondido no branco platina do sol.

Esperança

Como música
Flui de meus poros uma triste alegria
Pranto insano
Desvelando resvalando no mistério.

Respiro fundo
Porquê quero o fim abrupto de meus hábitos funestos
Fedentina indesculpável
Frutos corroentes de minha dieta desequilibrada.

Julgo o que devo
Evito agorafobias
Vou de encontro ao sensível em mim.

Ai testemunho dos sentidos
Tão único -
Minha estória que não cabe em tradução
Que não se encaixa na vulgaridade do linguajar
Sou esta gama de poros e papilas
Trilhões de pontos em dança cadente
Sincronicidade onisciente.

Fiz tanto sofrer meus instintos
Fiz guerra em mim por mim
Pela pátria de minha lucidez
De minha inocência pérfida -
E galguei degraus
Subi por cima de cabeças e corações
Estive à parte do mundo
Fui vaga de superstição déspota
Provei dos antigos elixires e retornei com um grande talvez
Um grande talvez
Cravado entre meu peito e minha testa
O grande talvez
Da mais alta esperança.

Minha filosofia ganhou silêncio e força
Ganhou a prata da lua cheia e o ouro do grande meiodia
Fiz-me rico de cores e até aprendi a nobreza do abdôme.

Recôndito em mim
Interativo e reservado
Lanço em malícia escarlate aos amigos as marés melódicas de meu segredo -
Notas soltas na batucada
Papagaios livres na cidade
Calangos urbanos no apocalipse
Nossa civilização tão ameaçada por seus próprios meios.

Sei que não tenho tempo pra me lamentar
Sei que em meus rodopios desvairados os pensamentos que insurgem rodam à roda do amor
E assim ganham amplitude infinita.

Sou a alegria do aperto de mão banal
Ah quantas sérias alegrias pequeninas e despercebidas
Quanta vera benevolência vivemos em nossas comarcas insalubres
Quanta felicidade debaixo dos gestos inúteis
Dos olhares amáveis.

Sou flecha incendiada
Correndo o vazio do negrume
Flecha de aço
Em direção difusa
Radial
Porém centrada perfeitamente no estratagema da meta -
Sou sol verde
Iluminando a flecha de aço da coragem
Em direção do dízel de nossa verdade avassaladora
Em direção espiral e retilínea do explosivo de nossa orgia pós-moderna.

Sou a máquina de gozo
Incendiando a subúrbia mortiça
Sou o fora-da-lei destroçando mandingas em decibéis extremos bem depois das dez da noite
Estaca cheia de guizos pululando
Sou a prece pétria do atabaque
O óbvio sutil ai tão sutil que denuncia o fato
Que aponta histérico ao flato
E assobia indiferente às flâmulas do futuro.

Sou a contração do cócxis
A glote travada e a testa aberta
Sou trabalho de postura
Um heroísmo refinado
Sou um estudante afinado
Sim mui alienado mas não ao inalterável presente.

Esqueço-me de tanto em meus pudores
E intento a ponte entre intenção e ação -
Quero acesso à minha destreza
Contato cristal com minha necessidade.

Sei bem que os hábitos definem demais meu imprevisível
Atavismos poeirentos odiosos
Herdados inelutavelmente -
Mas não me indisponho
E apesar de meus erros boçais
Apesar ainda do desperdício do sêmen e do excesso de industrialidades
O sangue arde redentor
Pralém de toda sistematização de ideais
Pralém de toda ânsia de coprofagia
Sou um vento em trânsito
Ai tão fugaz
Sopro imedido
Sou hálito sem trégua nem régua
Sou oscilação ultrassônica intracrânio
Definindo ordens imorais ao organismo
Organismo que rege a si mesmo na inconsciência tão consistente do animal.

Espírito livre
Tangente às opiniões da época
Meus dedos frugais jejuam
Pacientes esperam as próximas regalias
A próxima sessão de música cruel
A próxima transa radiante
A próxima sessão de iôga anômalo e do-in transversal
A próxima vez em que me surpreenderei plantando bananeira.

Dou um longo trago
E prendo a magia ao máximo em mim -
Venenos e bálsamos de minha simplicidade
Represento a tragédia da geração
O choque entre o medo dos pais e a curiosidade dos filhos
A resistência da liberdade que não se deixa dobrar pela tradição
Que não se permite baixar a cabeça frente à estúpida adoração estatal.

Por amor à eternidade
E por via etérea
Sou fadiga insone
Represando experiência
Fazendo-me de sábio e conhecedor
Só pra poder pensar algo bom de minha biografia
Só pra poder encarar ágil ao insosso da nostalgia.

Aconselho mas não espero que se me acate
Dou me faço miserável mas não espero que se me retribuam
Supero-me ferrenho sou talvez a placa que indica ao atalho mais útil e também mais cheio de perigos
E tento não perder tempo como guru nem como docente
Quero que a vida faça-se a si mesma em torno de mim
E por isso desisto de vigiá-la
O amigo e o inimigo que se centrem em sua evolução
E se decidirem pela ascenção
Alcancem-me
Farei ótimo diálogo
Um poeta mesquinho e irônico
Serei a melhor antípoda
Pra que nosso confronto pacífico nos fortaleça
E nosso encontro entre guerreiros engrandeça a esperança terrena.

Pro bem da verdade
Não é guerra que a mãe quer.

Não é luta e dor que ela deseja
Não é por guerra que a original anseia.

Mas se o que ela quer
Ah grande objetivo inominável
Se pro que ela quer implicita-se guerra e chacina
É isto que em nome do amor há-de vir à tona.

Saturninas

Desabrocha o denso sabor
Ao largo vale da concórdia
Vem em hera e cipreste
A primavera imprevisível vai trepando meus calcanhares.

Meu medo e meu ódio engasgam
Sou o gozo do improviso
Destroçando predicados
Em abraços sérios e fanhos
Longevos louvores às retiscências perdidas
Crochê sem nós
Queimo os pés andando sobre brasa
Tiro teimas num bom banho com sabão
Juá aos dentes sigo na contramão.

Família próxima e distante
Família de sangue diamante
Tomo-te bruta pedra laica
Tosqueio lasco voam as rebarbas
Dodecaedro em solipse transfusa
Palimpsesto litúrico e pagão
Orno-te violeta ao peito.

Saudoso marrom sob meus pés
Sujeira limpa da estrada
Vai se despregando
Vacilo um pouco e já sou de novo rouco -
Ai desta teimosia
Vou mudar
Já me disse de mim pra mim
Vou mudar e é presto!

Meu ascetismo sem fé
Minha escolástica da dor
Ardo e gelo pra me encouraçar
Sol e regato pra me endurecer
Mátria patrona Gaya mãe
Vou de carona
Bandido do tempo
Cambalhotas invertidas celebrante
Vou soletrar o instigo do mirante.

Sem ideal sem utopia
Sou a lingueta mirabolante
Sou a esperança distante
Sem futuro nem apoio
Vôo turvo ferroso alheio
Sou fermento no centeio.

Busco alcanço
Perco e sigo
Chuto estulto
Sangro e bendigo
Sou enlace sutil rapace
Sou o bote do guepardo
Vela acesa na chuva.

E a cera branda
Escorre lasciva
Faz fomes e sedes
Ama e trucida
Quero sanha
Controlá-la
Ai ingênuo
Me desleixo
Quero mesmo é ser um eixo
Varão do fauno
Quero a lua iluminada
Ouvir pores do sol
Dia a dia
Em cada noite
Quero estar sempre ao teu lado.

E ah caro amigo cara musa
Me interrompo
À imposição
O meiodia meu carrasco
Me cobrando pé descalço.

Córgos Elíseos

Fazendo justiça com os próprios pés
Me dou conta
Do espírito da dança
O grande espírito de plasma que nasce da confluência de nossa entrega
A borboleta viva
Nascida de nós e além de nós
A borboleta que já é
Magia da vida que só quer que se aceite
Que só quer que se encare que já é
A grande borboleta da dança já é
Basta reconhecê-la
E relaxar
Relaxar em seus eixos e vórtices
Tornar-se borboleta e espírito de dança
Na mais simplória destreza
Amor pelo tudo que nos rodeia.

Abro meu coração
Crio espaço em mim
Pulsos firmes e dedos soltos
Sou expansão em demonstração
Sou o oito malicioso recluso na caboclagem
O infinito recorrente escondido no rumor do vento.

Às margens do nosso Tocantins
Ribeira acima da nascente sacrossanta do Alto Paraíso
Reencontrei minha família atemporal
Fugi transfugi
Saltitante e alegre
Rumo ao silêncio profuso da emancipação
Direto ao núcleo sem nome do mundo
Mergulhos ascendentes
Fazendo vida da vida
Em guerra e orgia
Escapei do tempo
E o relógio maquinal de minha rotina
Foi substituído pela ampulheta do amor que gira estranha e corre as areias da saúde.

Escafedeu-se de mim aquela pleura
Êta prêula
Pão de abóbora cerradence
Tantos risos e sementes
Parás cajús girassóis amêndoas a varrer
Me afoguei nos picolés e nadei em lagunas de sorbê artesanal
Lindos nomes a granél
Murici buriti araçá jaca cajamanga mutumba tapioca coalho do sertão itaberaba jaboticaba que me perdoem as síbalas descalças desencaixadas que a memória não permite tanto e vai que vai de frutas do sertão tantas e tão saborosas
Me perco nas saciedades
Os saltos de dúzia de metros de altura
Do alto de pedras belas mergulhos cristalinos adrenalizantes
Olha digo-te
Não passe esta vida sem conhecer o coração de cristal da Brazyw amada
Duzentos káême ao norte da capital atual
Descubra qual foi o dragão que São Jorge venceu.

Aquela água carrega todas as respostas -
Chapada dos Veadeiros -
É só isto que lhes peço queridos
Caros caríssimos
Sem preço
É só isto que imploro
Tão estranhamente
Sem vírgulas nem sotaques
Chapada dos Veadeiros
E que ande os dias não vacile
O dia começa quando o sol nasce
Levante-se então e faça correr tudo que ainda corre em ti
Vá de bonde da alvorada
Pegue carona com o calor
Fulgor do pai
Cérebro solar
Cérbero sonar.

Líquida
Ela voa
Sempre
A grande borboleta
Do tudo que já é.

Não desaconselho muita coisa
Prefiro cantar alegrias e guerrilhas
Violei o sentido do juízo
Ah graças aos bons céus
Violei a seriedade da comédia suburbana meioburguesa
E pralém do bem e do mal
Aprendi a realmente literalmente abrir meu coração.

E as omoplatas se afastam
E o peso some.

A lagarta
Pasma
Virgem ai tão virgem
Casulo afora.

Exemplos então
Cito-os desordenadamente
Pra dar cor ao sabor -
Primeira balsa já de cara com o grande trovador do sertão seu Joaquim Falcão ô santa benção!
E então Reginas e Joanas e Ninas Marianas ai santa Lígia Calipígia teu rio de rosa sinergiza
E a direção e os irmão
Ô povo sofrido
Mas putaquelospariu quanta alegria
Em terra batida
Em empreguinhos fodidos
Em muito abandono quase uma idade das trevas
Mas santa comadre do Bonfim cacetada quanta alegria
Quanta densa e torpe e tirana alegria
Quanta sagacidade genial
Expressa na troça caipira do negão largado
Forte como touro
Culto como poucos
Um engenheiro cósmico dentre tantos esquecido nos origamis dos judiciários e dos noticiários
Ai esta terra sem nome que habitamos
Tão poderosa
Pindorama sem fronteiras
Esta tribo vigorosa
Sou-lhe grato
Repisamos o ventre inócuo
E sou-lhes grato
Pelo relaxamento
Pela comunhão
Pela conquista dedicada que alcançamos no gingado rodeando as fogueiras.

Bioenergéticas
O Projeto Xangai
Demônios escorraçados e micróbios desinfetados
Larguei treze macacos nas orlas dos deltas e parângulos da ilha pluvial
Que aliás bem se lembre
Está prestes a ser afogada no tóxico projeto de mais uma barragem mui probabelmente a ser embargada descaradamente lá pelos entornos e adentros do Tocantins
Hidrelétricas lindas
Esquentando os chuveiros e torradeiras do oblivion Hiroshima Nagazaki.

Mas aqui é mais
É ENCA
É Zé Celso
Caetano
É mãe da lua e bandeira branca -
Ai como ia amar o passeio dos cânions e o vale da lua Dalí Monet VanGogh
Surfe de cristal
Vôo ultracentral
Magnetize-se ao teu objetivo
Crie força de repuxão em direção à tua meta
É este o segredo
E então a atmosfera te arrastará
Basta que sigas a rota da vontade
Não terás peso
Será dente-de-leão solto lúcido lúdico siderado
Anos e anos à brisa
Entre áfricas e américas sempre
Indo e voltando
Nos caprichos das grandes tormentas e vendavais.

Quanta gratidão.

Agradeço aos que amam.

E especialmente
Agradeço aos que amam duramente.

Segue então o famigerado projeto
Planejamento Integrado de Recursos Energéticos e Alimentíceos
Os Joãos Paulos da nova era que nos ajudem.

ESTÓRICO