O Derradeiro Culto

Minha religião é a dança
É este meu último culto.

Quando danço rezo em silêncio
Uma prece muda e ardente
Rogando ao sol e ao céu pela consciência da inocência
Inocência soterrada pela dor da culpa.

Se me vejo com uma missão na vida
É de lutar por exterminar o sentimento de culpa no homem.

Quando olhamos a formiga
Carregando seu pesado fardo sete trezes mais pesada que si mesma
Não louvamos sua força extraordinária
É algo natural
Inevitável
Ela é tão poderosa porquê é sua incumbência secreta.

Do mesmo modo
Vejo o leão e a hiena o abutre e o cão do mato
Lutam pela caça
Por sua sobrevivência
A raposa tão esperta
Ou o gambá com sua arma fedida tão exdrúxula
E não lhes gabamos nenhum heroísmo
Não nos admira a superação que o bicho faz de si mesmo
Como se o fato de ele fazer isto sem a chamada inteligência
Tornasse seu esforço menos valioso que aquele do homem.

Mas quem disse que a inteligência não é só mais um instinto?
Não é toda sabedoria apenas mais um meio pra se sobreviver?
Não é todo mito e superstição apenas mais um meio pra se evitar a dor a aniquilação?

Se tudo na faunaflora é tão livre
E ao mesmo tempo tão inconsequente
Porquê seria o homem a grande exceção da existência?

Temos o livre-arbítrio
Dirão em voz alta os revoltados
Que não podem aceitar que a vida faça por nós o mais importante.

A vida perfeita
Nos molda como barro.

Nosso pior erro é crer que somos tão diferentes
Que somos a grande vitória divina num universo irracional.

Porquê crendo que o homem é tão especial
Esquecemo-nos do mais óbvio.

Esquecemos que nossas contas bancárias
Que o suor da face e o pão na mesa
São somente meios pra alcançarmos o futuro
Assim como é quando uma abelha morre protegendo sua nação.

Então porquê não podemos ser também irracionais neste sentido?
Nos libertarmos de toda culpa insensata que nos forçaram a sentir?

Que loucura pensar que o grande criador seria tão vingativo
Tão mesquinho
A ponto de vigiar cada mínimo passo do homem
Para puní-lo ou recompensá-lo
A ponto de fazer o homem sentir-se a pior matéria
O mais incorrigível erro.

O grande pecado é não termos nos divertido o suficiente em nossa estória!

O grande pecado é sentirmos vergonha de nossos desejos
É reprimirmos a paixão tão direta do toque.

Quero meus amigos sem culpa no coração
Percebam-se livres
Inescapavelmente livres.

Somos inocentes
E se amadurecemos
É somente porquê nos tornamos conscientemente inocentes.

A inocência é inerente
É a base de todo pulso de todo ânimo.

Senão
Que sentido faria?
Que sentido faria um universo em que realizar os próprios sonhos é sinal de traição?
Um universo em que viver sem preocupação é sinal de irresponsabilidade?

Querem culpar o homem por suas ações
Julgando se sua intenção é honrada ou um vício
Como se no fundo simplesmente não estivéssemos buscando a simples noção de fazermos parte de tudo?

Uns se sentem integrados
Somente pela vingança
Somente pela destruição do menor
Ou pelo sofrimento daquele que nos dominou.

A salvação verdadeira é viver uma vida sem vingança
É concretizar os planos por amor à própria obra
Por ânsia de fazer fluir um objetivo prático
E não por necessidade de sobrepujar
Não por vontade de fazer-se grande humilhando a todo o resto.

O que pensamos ser certo e errado
É algo que foi construído pouco a pouco
É algo útil que se tornou um hábito
E depois como hábito terminou parecendo algo obrigatório.

Mas que loucura não é dizer que algo seja certo só porquê todos fazem igual!
Que loucura é pensar que os costumes e a tradição sejam mais importantes que nossa alegria!

Porém
Sacrificamo-nos o tempo todo por isso!

Pagamos impostos fraudulentos
Pra tornar mais ricos os que já são zilionários
E não existe uma lei que impeça que a lei moderna seja imposta
Porquê o maior exército é o que define a justiça de todos.

Se a violência é o idioma de alguns
Se só violência chega aos ouvidos do teu próximo
Fale sua língua
Use sua verdade como espada afiada
E parta ao meio o desgraçado que despreza o próprio hálito
Assim quem sabe
Na dor que causou a si mesmo
Ele deseje algo melhor
E então quando a semente da ternura germinar
A dureza de nosso olhar poderá se converter em carinho
Porquê agora o estúpido já balbucia novas palavras
Pede-nos algum ensinamento
Mesmo que sem admitir.

Mas não aconselho que se viva só pra ser exemplo pros outros
Muito menos aconselho que se viva só pra curar os males alheios.

A verdadeira cura vem de dentro
Não é o remédio que cura
É o tempo e o respeito pelo óbvio
O mais banal
Que insistimos em deixar de lado pra nos cegarmos
Porquê apesar de a vida de um cego ser menos colorida
Deixando de ver as cores ele também deixa de ver as dores.

Se transmito uma missão
Um ensinamento
É que vivamos sem culpa
Que vivamos por nós mesmos
E esqueçamos que um dia esperamos ser recompensados por nossas virtudes.

A virtude ah sim como é valiosa!
Como é bela a profunda benevolência
Como é brilhante a pura bondade que partilhamos
Mas não espere recompensa por isso!

Seja você mesmo seu melhor amigo
Seu mestre e seu próprio juiz.

E aceite sua circunstância
Aceite sua condição passageira
Com gratidão
Abra seu espírito com tranquilidade
Sem pressa nem ansiedade
Acalme-se
Relaxe e abrace sua solidão
Construa o silêncio tão ativo da consciência
Não deixe que as palavras ocupem seu pensamento
Pense um pensamento pensado
Não um pensamento escrito.

O que mais importa é ter prazer
Mas nem todo prazer é pro bem
Aliás
Aqui se torna perigoso meu discurso
Porquê descubro o fato de que quase nenhum dos prazeres modernos são pro bem
E por isso precisamos fundar uma nova escola do prazer
Em que a evolução seja a fonte de alegria
E por isso a disciplina e a força sejam nosso gozo
Pra que nossa saúde imbatível seja nosso paraíso.

Então o sangue que corre em nós estará redimido
Por novamente correr como corre o sangue de qualquer bicho.

A inteligência será nossa habilidade de entrosar
De equilibrar
Ao invés de conquistar roubar e usurpar.

O homem será sempre a criança em meio à natureza
Será sempre o ingênuo riso de malícia da criança que se entrega à brincadeira
E toda metafísica e todos os dogmas serão só ritmos diferentes pra se dançar
Fábulas estranhas contando como o homem errou
E também como alcançou sua divina meta através da confusão.

Amém à harmonia
E que os ventos nos carreguem
Como plumas tão leves
Esvoaçando na batida colossal do coração da terra.

2 comentários:

Papillon disse...

vamos dançar?!

Anônimo disse...

Incrivelmente lindo! Fiquei maravilhada, vc evoluiu mto com as palavras!
e hoje não tem como deixar de te elogiar, porque vc é dono delas!


grande abraço, paz e harmonia;

da sua querida amiga

Lu; zzzz

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