Condão

Somos sempre nós
dando traços e sentidos humanos
a tudo que é do mundo e da vida...

Vivemos as coisas
segundo nossa própria medida,
reconheceremo-nas no mesmo grau
em que conhecermos a fundo a nós mesmos...

Até que
quem sabe
possamos superar nossa própria linguagem,
e transcendamos à comunicação inefável
que a pedra, por sua vez,
faz de nós...

Do Despedido

A Oráculo
diria que
'tudo que tem um começo ... tem um fim'...

o campo, o trem, a saudade
e até a ausência...
que o amor sempre torna,
sempre seduz outra vez
mesmo o mais cético,
mesmo o mais desolado,
se ele ainda buscar o azul nos céus...



(Me diz o que seria de nós
sem o prazer de partilhar os prazeres,
que seria de nós sem esta ânsia de cantar
aos sete ventos como a vida é boa
e vale a pena ser vivida!

Me diz
o que seria de nós
se não fossem essas mínimas coisas,
se não fossem essas pequenas grandes coisas que nos forjam,

se não fossem estas alegrias anônimas
que dividimos ao mantermos acesa a teia que nos faz humanos...)

Da Força Amiga

Sob o sol
Tudo é claro
Cá está
A cor perdida!

Nunca se perdeu
Que está dentro
Mas cá está
A luz
Única redenção.
Do repouso ardente
Sob o pai feroz.

Uma favorita no estéreo
Poucas perguntas
O poder
É certeza cega
Tateando
As esquinas cúbicas
Da perdição cinzenta.

Sob o sol
Mais sol
Fogueira
Brasas de mim
Velas incenços cachimbos
Todos os sóis do homem sob o sol!

O Rei
Grita quieto
Ouço seu berro:

Vinde a mim!
Vinde ao oráculo solar!
Ouçam o que tenho a dizer!
Mas cá:

Cá no trópico
Cá no matagal labiríntico
Cá nos meus domínios,
Vinde mas vinde bravo
De braba bravura
Sob o compasso
Rígido!

Ouçam!
Filhos da terra e da água,
Ouçam o que diz a grande voz
Do silêncio violento
Da cintilância violeta:

Cá estás forte!
Cá tens todos os amigos
E também os melhores inimigos.

Olha-me de frente -
Não tema a dor
Beba o trago restaurador
E da novidade -

Do enlace
Que se já desenlaça
Leva o fogo
No peito e no ventre
E rodopia
Rodopia:
Entenderás.

Sob o sol
Agora bebo
E o pássaro
Inflamado
Abre seu primeiro vôo.

Segurando As Pontas

Me lembro
Do dia em que
A Vida
Me disse de boca cheia:

Filhote
Conseguiste
Teu caminho é bom -

Estás comigo agora
Te aprovo
Teu destino agora também é meu.

Mangueio

Quem disse
Que a vida precisa
Ser certa
Que todas as pessoas
Têm de ser
Felizes.

Quem disse
Que o sonho ia aguentar
Que a paz ia reinar
Quem disse
Que tem que fazer sentido
Que tem que ser bom.

Quem disse
Que a vida devia dar
Qualquer quê mais que já dá.

Quem disse
Que a primavera
É pra sempre
Quem disse?

À Vossa Magentade

A diferença
Entre falar
E fazer
É delicada,

Mas óbvia
Clara qual
A diferença
Entre a noite e o dia.

Tropel

Na treva do corpo
Em seu interior de
Curvas e esquinas
Úmidas e vermelhas:

A geometria sagrada
Ricocheteia lampejos
Cria nossa dança
Minimalista.

E na ampulheta
A limalha de ouro
Corre impiedosa
Exuma a paixão
Força à coragem.

Transárcade

ISTO NÃO É UM POEMA!!!

‎(Ou
Em outras palavras:
As palavras não descrevem a realidade do objeto
A nomenclatura apenas aprisiona
Um fantasma abreviado e conveniente
Da realidade imensurável...
Conveniente pra nossa sobrevivência!
O nome é uma mentira de que não se escapa, 
É tambem a ilusão maldita
Sem a qual estaríamos perdidos, meu caro,
Perdidos...)

Esquerdos Autorais

Copiar
Não é roubar.

Quando roubo
Tiro o do outro
Ele fica sem.

Quando copio porém
Crio o meu pra mim
Compartilho o elo.

Por isso é tão bacana
Copiar.

Do Aguardado Dia

Vim cantar
Os novos deuses.

Vim parlar
Das boas novas.

São Denúncio
Nunca fui catequizado
Jamais serei canonizado
Sou o santo serelepe!

Sou o sacro
Que despensa o sacro
E dispensa os sacais.

Sou o fauno
De postura ereta
Rugindo trombetas
O Anfitrião.

Sou o purificador de olhares
O maravilhoso desastrado
Sou o que consola os castrados.

Mil olhos esbugalhados
Esquadro obtuso de ombros
Sou o dragão que assovia
A grande serpente alada.

Sou a mão
Que desdivide as coisas.

Sou o sal
Que nosso sol adivinha.

São Tocantins
São Amazonas
São Danúbio Vermelho!

Sou todos os espíritos
Que correm à superfície das águas
O cristal molecular desiderato
Do capote valente.

Sou chuva de pedras
Imensas catastróficas gotas
Sou a eterna tromba d'água!

Alargando sextas margens
Expondo óctuplos sentidos
Sou o fim do número tirânico
A vitória da linha sobre o ponto.

Sou a ânsia de cimos
O escalador unisso
A adrenalina e a serotonina!

Sou o fim de toda ciência
A super nova original
Cadência fixa do varão
Sou a extinção dos elementos!

E na bifurcação
Inescapável
No grande tê
Do meu tesão de viver
Quero ser ambos os caminhos
Quero ser tudo que não sou
Pra criar meu mais precioso -
Meu calipígio imoral.

Contrapresso

A noite
É mais funda que o dia
Dizia o sábio.

O sol
Está bem aqui
Mas a noite vai fundo
Sem fim.

Só que a sabedoria da madrugada
É siamesa inseparável da matutina
E eu creio na voz da alvorada.

Creio na poesia
Das manhãs
Pura quanto pode
Ponte do sonho ao som
Do sono à sanha.

Ela é livre
Desbragada de paradigmas
A mãe matinal.

A vida era trabalho
Infinita enquanto era
E a felicidade
Era do guerreiro
A alegria
Era do grande transmutador
Que ordenava inconscientemente.

Canto Matinal

A melhor água
Não é a esterilizada
Sem vestígio de substância.

Pelo contrário
A água mais pura
Tem organismo.

É um caldo
Complexo
Em que muito se mistura.

Quando estiver perdido
E não te reconhecer mais ao espelho
Quando estiver derrotado
E não tiver mais vontade de vida.

Quando odiar a si mesmo
E sentir que é o menor de todos os seres -

Bem aí
É que vais descobrir
O quão humano
Realmente és!

Das Fontes Inauditas

Sobre O Amor
A Força
A Honra:
Jamais economizar!

Não viemos economizar
Nós viemos pra gastar
Viemos foi pra gastar!

Entreação

A lealdade
É o grande elo
Que une toda vida.

A compreensão
Pralém do compreensível.

Ela é natural
E universal.

Tranquila
Como a água fresca
Correndo
No rio pedregoso
Sob o sol.

A lealdade
É o olhar de águia
O vigor de búfalo
O humor de hiena
A voz de leão.

É a inocência
Da criança
Que só a criança
É verdadeiramente criadora.

Somente aquela
Que nunca deixa de fantasiar
Pode afinal alcançar
O dom.

A carícia azul
Com seus dedinhos
De deuses.

Ratoeira

O pior inferno
Os piores remorsos.

A pior conduta
As piores punições.

O maior chicote
As menores jaulas.

Estavam reservadas
Aos mais inteligentes.

Protocromo

Que a arte
Alcance sua vitória.

Que a mensagem
Atravesse o espírito.

Doa a quem doer
Com as palavras duras
Secas ou complexas
Como forem.

Que a verdade
Seja dita
Mesmo que às vezes
Seja feia.

ESTÓRICO