Fala Ação

Fala
Fala tudo.

Qual teu mistério?

Qual o detalhe
De tua arte
Mais imprescindível?

Quero o núcleo
Desta coragem
De ceder aos amigos
Buscá-los
Por seu mais importante.

Decifrar
O intransponível
De cada um
Tudo e todos
Alcançar a esfera
Dos teus preferidos
Dos teus grandes favores.

Benção
De linha
Que desenrola
Enrosca carretéis
A tronca
De lapada
Numa só
Na pressão
E cuidado não desmaiar.

Excitofrênico

Vai manda pra dentro
Nem sabe o que é
Mas vai que vai!

Deus deu a mão
Ela quis o braço todo
Vai vai enfia o silicone
E depois não pode mais abraçar forte!

Açúcar engorda
Mete adoçante então
A gripe é pandêmica
Mete a agulha na veia!

Me salvem
Socorro bradam
Berram ajuda ajuda!

Não sabemos mais pensar
Temos as vistas turvas
A fala arrastada
Temos o raciocínio lento
Mas por que
Ó senhor por que
Se tudo ao redor é tão rápido?

O que sei da vida
Que me contam pela telinha
Parece incompleto
Mas menos completo sou eu
Ai grande menu de carnificina
Odeio mais ao assassino ou ao corrupto?
Desprezo mais à china ou à somália?
Ai dor da partipulação
O busão travado no trânsito
Passeia por mil locais que desconheço
Desconheço meus vizinhos
Nos meus sonhos sou sempre outro
Chamo a amada pelo nome errado.

O nobel da paz
É a isca perfeita
Politicamente correta
Samba no anzol múltiplo
Apoiando a dor nuclear
Defende sereno a destruição.

Ah santa mãe de todos os santos
Ajudai-me!
Dai-me alguma razão
Dai-me cinco minutos
Ai cinco benditos minutos
Pra que eu possa respirar
Pra que eu possa olhar pros pássaros
Sentir o vento!
Pra que possa me acalmar
Olhar um instante pros meus filhos
Fazer um afago à minha esposa.

A vida não passa rápido
Somos nós que aceleramos
Pisamos fundo sem chorar
E quando surge o denso muro
Não há nada a contemplar
Choco-me com a mentira perfeita
Heptaplégico suspiro então
A perda de todo sentido.

Quisera a alegria mais banal
De poder ver minhas próprias mãos
Quisera o sonho virginal
De correr descalço rolar na grama
Quisera um tempo anormal
Em que tudo fosse natural.

Mas não há tempo
Não há paciência
Vou de drive-thru
Que depois arde o cu
Se eu fosse macho
Espancava alguém
Incendiava um mindingo
Dilacerava um velho índio
Se eu fosse gente
Metia mão naquela boceta
Quebrava o queixo do patrão
Machadada à testa da dondoca!

Ah se eu fosse melhor
Se eu soubesse beber água
Se eu soubesse cavar buracos no chão
Se eu soubesse tirar do frio da terra
O mamoeiro o abacateiro da ponderação
Mas quem precisa de harmonia
Pros infernos com o silêncio
Quero palavrões em todas expressões
Preciso do gesto abrupto que aprisiona
Que atrás de grades é que sou eu
Estável protegido do mundo lá fora.

Ah tenebroso mundo lá fora!
Há estradas eles dizem
Mas eu não creio
Nunca vi
Há gente boa lá fora
Eu não creio
Nunca senti
Há perfeição lá fora
Nem a pau
Nem lá fora nem aqui dentro!

Mas há um futuro
Bom futuro que me aguarda
Quando o mundo tiver menos gente
Quando os terremotos e dsts vencerem
Lá estarei eu firme e forte
Vestindo a máscara da bondade
Conformado orando por sobreviver
Uns têm medo de não viver
Uns temem o mundo não ver
Mas eu
O que eu temo
É a consciência
É a verdade óbvia
Que não sei
Não quero saber
E tenho raiva de quem sabe!

Ode Numenalista

Um beijo intenso
Entre antigos amigos
Que rasga o freio da língua
É útil.

Um suicídio violento
Dum banal desconhecido
Cujo corpo nunca descobrem
É útil.

Uma farofa com banana
Um jogo que termina em empate
Um verso perfeito pensado e esquecido sem ser escrito
São bem úteis.

Um suspense que termina mau
Uma sopa desprezada na geladeira
Um ventilador ligado no quarto mofado
São úteis.

Uma deusa
Que ele jamais tocaria
Nem mesmo em seus sonhos
Era muito útil
Muito útil à poesia.

Biscoitos duros demais
Ou muchos demais pra serem comidos
Máquinas de escrever analógicas
Posando de itens decorativos abstratos
Adstringências
Coloquialidades
Um pigarro desgraçado
Marretas construindo prédios
Tudo isto era bastante útil.

Armários cheios de tralha
Que ninguém nunca abria
Músicas que vinham à mente
Como falantes que soassem reais
Pequenas estripulias
Uma criança com o dedo atolado no nariz
Eram boas coisas
Boas pra boa poesia.

Ciências
Mitologias
Vícios
Traumas
Fadigas
Subornos
Mártires
Cadelas
Tudo útil.

Paneladas de macarrão
Grandes baseados bem verdes
Televisões desligadas
Corrupções bem modeladas
Dentes batendo de frio
Ou de doideira na anfetamina
Banhos de mar
Bundas gostosas
Eram coisas úteis
Demasiado úteis.

Risos histéricos de solidão
Um pão com manteiga no tostex
Uma barraca armada no quintal
Alucinações tenebrosas e suculentas
Bramidos
Gemidos
Filosofias orientais
Catapultas
Sonolências
Estalar os dedos
Cantar no chuveiro
Estas coisas ajudavam
Ajudavam um bom bocado à poesia.

Um abajur vermelho
Quadros mal acabados
Improvisos nunca repetidos
Um hotdog prensado gorfado
Eram ótimos.

Mesmo uma dor na lombar
Ou insetos insolentes
Uma moeda perdida num bueiro
Até um mero cadarço
Todos eram enfim cruciais.

Tão essenciais
Quanto os começos e os fins
Tudo de mais estúpido
E mais inerte
As melhores coisas
Vinham com voz própria
Faziam-se sentidas.

As boas coisas
Pra poesia
Eram as que glosavam sabor
Travalínguas do amor.

Canis Diem

Não adianta
Preferem não saber
Optam pela ignorância
Todos os dias dizem amém
Ao estapafúrdio noticiário televisivo.

A verdade
Está lá fora
Cantou certa vez
A bossa da crueza.

Exasperam-me
Mas logo desisto
Me desleixo da opinião
Deixe que creiam na catequese
Que corroborem com todas as guerras.

O pensador
Pesquisador
O trágico e cômico
Cientista nato
Em seu rigor seu método
Tentava ajudar
Levantava a voz da clareza
Mas satirizavam-no
Mude-se pra cuba jamaica
Vá-se a samoas ou haitis diziam
Queremos a champagna de nova iorque
E riam-se a caminho do posto de vacinação.

Mas não há cura
Pra quem precisa de remédio
Salvam-se apenas os iletrados
Que dependem das moitas anciãs
Boldos e cidreiras.

Não haveria vingança
Nem recompensas
Não haveria justiça
Nem epifanias
Tudo seguiria seu curso.

De um lado os convictos
De ouvidos tapados
Vociferando da liberdade de expressão
E do outro lado
Os incertos
De bicos calados
E corações quietos
Buscando compreender a composição
O tom magistral da sinfonia implícita intermitente.

Impróprio

Talvez isto seja só um espasmo
Da mão revezando caligrafias
Mas eu queria confessar
Meu tesão descontrolado.

Quem sabe por aquelas
Que devesse ver apenas como amigas
Não sei
Se ao suspirar-lhas aos ouvidos
Ponho tudo a perder.

Os abraços
Pueris
Mas sinceros
E inspiradores
Que gotejam aqui e acolá
Em meio a todo respeito
Que não transgrido.

Quisera abandonar meus sistemas
E valores repressivos
Deixar por terra
Todo este medo
Que é no fim pouco mais
Que uma covarde estupidez.

Por que ter medo
De dar prazer?
Por que a ação mais desejada
É também a mais pavorosa?

Quisera fazê-las todas gozar
Doze treze mil vezes
Enquanto retenho toda minha proteína
Pra não perder o pique.

Sem artimanhas
Só queria amá-las
Livre de toda censura.

Mas aonde cheguei
Foi só numa confissão
De uma página.

Hipocracia

O louco
Lanou o linho
Da lei da lama.

Quero ver quem faz
Mais perfeito que isso
Quero só ver.

Quem é que me diz
Do que que é feito o som
E de que som é feito o amor
Quem é que me diz
Quantos caminhos um destino tem
E quantos destinos uma vida encara.

Quem é que vai me dizer
Porque que o mar muda de cor
Daonde que o sol faz o sabor
Qual o verdadeiro remédio pra dor.

Me dá algo mais perfeito que isso
Se é que há
Me dá qualquer coisa mais certa
Mais especial
Que morrer lutando pelo sonho.

Ah meu sonho absurdo
Oblíquo quem sabe obtuso
Ah minha sina forasteira
Estrangeira em toda parte
Sou um pródigo que nunca deixou o lar
E tufões fabulosos fazem minha colheita por mim.

Quero ver quem faz melhor que isso
Quem arranca o gemido na unha
Quem partilha o pão com o indigente
Quem é nato aos mergulhos no inferno
Quem samba em jejum e desiste do beijo
Quem odeia direito pra poder amar com tudo.

O sino soou
O sal assou
O sol sarou.

No chiqueiro
Dos donos do mundo
Discutiam novas leis
Planejavam os séculos por vir
Já nem viam mais a escravidão
Criam tolos já que o mundo
Era a eles submisso por opção.

E no festim de luxúria incólume
Entre selos pitos e bitocas
Os pobres coitados batucavam
Celebravam o dia da ternura
Como celebravam todos os dias
Foices de berros histéricos rasgavam o ar
A tribo abjeta gritava urras de perdão
Fazendo mandingas e capoeiras pérfidas
Irretocáveis agitando vida inédita no vão do museu.

Quero ver quem
Quem é que faz
Mais perfeito que isso
Mais perfeito que
Saber tanto assim
Por só saber respirar.

Meu avôzinho diria
Que sou sensível demais.

Desembaço

Sou o descontrolado
De desejos volúveis e imorais
O que perdeu o atino corriqueiro
Do respeito às velhas tábuas.

Sou o desordeiro
Do além confundido por demônio
O que quer o que se há pra querer
Carente abusado extravazando
Sacralizando o sacrifício
Da entrega ao prazer.

Sou o inócuo solitário
Banhado do próprio leite fértil
Gozozo das lembranças dos sonhos que nunca tive.

Um maníaco
Tarado agressivo e também medroso
Cúmulo de promessas quebradas
De corações partidos
De espíritos insaciados
As fomes que nenhuma imaginação satisfaz.

A hiena briguenta
Rindo sobre a carniça do próprio irmão
A tirana matriarca
Comprovando a soberania da ferocidade
Onde só os mais fortes têm direitos
Ulterior tribunal da impiedade.

Os fracos rogam por perdão
E a onipotente onisciência os satiriza
Diverte-se noutras bandas
Com as orgias silentes dos aborígenes.

Sou o perverso
O chacal
Espreitando esquivo
Sob o tênue luar
Preparando bote
Por vezes
Não pelo alimento
Mas pelo treino
Pela mais pura alegria
Do assassínio.

A ferraz investida
Incompreendida
Dá vida nova ao bando
Novos reinados do porvir
De leoas humanas.

Os abutres
Pacientes
Aguardam
Pelas migalhas dos santos.

Longevo banquete
Sem preces.

Psicodelícia

Nalgumas ocasiões ele sabia
Possuía a mais resoluta certeza
Possuiria enfim
Se não fosse ela quem o possuísse.

A verdade era relativa
E todas verdades eram parentes
Paternalidades partilhadas
Brincávamos de deuses
Criando o impossível da arte
Em ranhuras tranquilas das amizades.

O sopro vinha rasgante
Mas não tardava cessava.

Curtos ciclos
Curtas saias
Cultos cultos.

Nalgumas raras
Excelsas
Ocasiões inesperadas
Exalava o mais doce
Alvorada da sanidade
Déspota demente sanidade!

Ah pirata trêbedo
Fúrio de moléstia fácil e frouxa!
És um sidarta
Ou apenas mais um filhinho da mamãe?

Parcas respostas
A vida agora era outra
Em códigos de barras
E pândegas barradas no baile
O normal agora era ser perdido de si.

Então na sóbria esquina
De repente tudo era luz
Tudo era música intensa
Perfeição metaritmética
Sonho lúcido do existir.

A restaução era imprópria
Apropriava-se
Um estupro que inspirava gratidão tardia.

ESTÓRICO