Panturrilhando

Estava doendo
e enquanto doía
de repente me percebi sofrendo.

Por um instante
breve e imenso
quis que não houvesse a dor

mas então percebi
que ainda era hábil ao sofrer
e o dom que isto compreendia.

Quem não quer sofrer
também não pode querer viver
então entendi como estava apto a ambos.

Pedir pelo fim da dor?
Não.

Pedi força pra encará-la e superá-la
Dei graças pela sensibilidade ainda ativa
Amei o fato de ainda não estar calejado demais.

Pedir por mais dor?
Não.

Pedi por mais vida e sabedoria pra vivê-la
Dor, dores, de parto ou do fim de virgindades
Sei que, vivendo e amando, dor e dores sofrerei.

Estava doendo
e enquanto doía
de repente me percebi vivendo.

Por um instante
breve e imenso
quis que não houvesse a dor

mas então percebi
que ainda era hábil ao sentir
e o dom que isto compreendia.

Da Potente Ducha

Gosto de banhos longos
e beijos lentos.

Todos os tipos de pimentas,
de interromper os seus lamentos.

Gosto do som de um olhar quieto,
dançar na lama debaixo de chuva.

Tirar poesia do sofrimento,
de estender as roupas no varal.

Sentir fome antes de comer,
de uma boa segunda-feira para enlouquecer.

Gosto de frios na barriga
e ardor nos pensamentos,
gosto de longas caminhadas
e duros treinamentos.

Noites de insônia cafeinada,
de escapar da armadilha armada,
gosto do tesão tranquilo
e da cerveja super gelada.

Horizontes largos
e gestos atraentes,
de inventar palavras
e rir com todos os dentes.

Gosto de saber do que não gosto
e também das lições amargas do desgosto.

Gosto do esforço,
do suor,
da muvuca
e da poeira,

e é por isso que,
acima de tudo,
gosto tanto de um banho tão longo.

Mamutes Domados

O poeta é um bicho engraçado
faz da vida o trabalho

usurpa as próprias emoções
por uma posteridade imaginária
que mesmo que um dia ele alcance
ainda para ele não passou de imaginária

O poeta é um bicho sagaz
quando dança

Ah se o poeta dança
se o poeta sabe se calar

ah se o poeta sabe se calar
silenciar sua mente
e dançar!

Quantos arrepios indizíveis e indeléveis
o verdadeiro sublime
o verdadeiro ouro de uma existência doutro modo majoritariamente preenchida da escuridão friorenta

Mas há uma ingratidão nesta percentuação
O Infinito
é imenso

há seu frio
e seu suposto vazio
mas eles repousam nas mãos de Deus

Deus que sei que está lá
Lá que brinco de chamar de lá
pois é aqui é aqui é todo lugar
é em todo lugar e é todo o lugar

O Lugar
que se eu me permitir
sou eu nadando no oceano sem fim de Deus

que se eu for poeta e bailarino cósmico o bastante
se eu for verdadeiro e cheio de emoções o bastante
sei que Ele vai me deixar ser
aquele que nada
braceja se perde e resfolega

nas marés maravilhosas da alegria
a única alegria cabível
a alegria que uma inteligência que encontra a coragem de conversar com Deus

Deus quer ouvir nossa voz
ele já conhece nosso coração
mas nossa voz depende de nós
a voz mais profunda
a voz profunda cheia de emoção
cheia da nossa verdade pequena tão humana tão ignorante

Deus quer ouvir essa voz.

O poeta é um bicho engraçado
que se for bom
não guarda rancor no coração
nem tem medo de quebrar velhas tábuas bolorentas

que se for bom
dança com a mente quieta
se hidrata como se não houvesse
que se você parar pra pensar na verdade não há
e dança mas dança de acordar três dias depois com as panturrilhas ainda lembrando da divina ceia do ritmo

a lealdade
é ouvir o próprio coração
que às vezes deseja o que faz sentido
que às vezes sofre por viajar maionese de azeitonas pretas chilenas
mas que nos dá nossa pequena verdade humanóide
a única verdade que nos cabe
vem do coração

Coração Simbólico
claro sem freios pedagógicos
o coração é o cérebro que é o infinitesimal em cada instante incompreensível
mas daí o poeta perde o compasso e a noção de que há um esforço que todos merecemos fazer

o coração
Coração Simbólico

ele é um esforço
não é um órgão biológico
não é uma signo compensatório
não é um baú de segredos sofridos

ele é toda uma perfeição inominável e tão ai, ai... tão tão possível!

A perfeição
A Perfeição

É tudo que há
Pois que o que há não podia deixar de ser
e sendo assim irretocável inalterável incomunicável em sua irrepreensibilidade
é obviamente perfeito

Mas
se cabe o adjuntivo divertido
Mas a perfeição
A Perfeição
se permite aperfeiçoar

É esse o esforço
o ideal
seu ideal
o ideal de cada um

que você bem sabe o que significa
o que é o seu ideal
o seu eu ideal
que dança
que tem a mente quieta
que faz da vida alguma espécie de poesia

seu eu feliz
disciplinado
cheio de paixão pela vida
cheio de paz e calma na hora do vamover
cheio de amor pelas pequenas coisas do mundo que o fazem tão perfeito

esse ideal
ele está aí
ele é possível...
ai...
é tão tão possível!

E... te digo...
eu já estive lá...
no meu...
certa vez
estive lá
foi lindo
e durou
durou bem

Depois escapuliu
demorou mas fui entender
que estive lá e escorreguei
e a benção é ter hoje essa ciência

pois que posso novamente criar o ideal
o eu perfeito imaginário
O Pefeito Aperfeiçoado
mui mui bem apessoado eu ideal

E sei que ele é possível
e que o dia que eu chegar lá de novo
não vai ser fácil
e nem vai ser pra sempre
porque toda perfeição aperfeiçoada exige constante manutenção
mas quando eu chegar lá
vai ser lindo
e além de feliz
eu vou fazer alguma diferença pra Deus

Deus vai gostar de mim pra valer
Ele vai me dar os maiores presentes
e realizar os sonhos que eu tão pequenino nem nunca imagino imaginar pra mim.

Deixo que Deus sonhe por mim meus sonhos.

E busco meu eu ideal.

O poeta é um bicho engraçado.

Carta para um Eu Futuro

Às vezes eu me lembro, por uma ou por outra razão, algo me faz lembrar. Dela. Ainda dói. Talvez tentei apagar rápido demais, empurrar para longe as lembranças, pela dor que o rompimento trouxe. Mas a memória se mantém, queira ou não.

Comecei odiando o fim. Nosso fim. Odiei ela um tempo também. Depois me odiei, por ter me colocado na situação de amá-la. Me consolaram dizendo que todo amor é válido, que fica marcado em nosso aprendizado. Tentaram. Quem sabe agora eu possa me consolar. Sei que ela não vai voltar. E se ela sente minha falta, ou se um dia vai sentir, se um dia vai me querer de novo, nada disso eu sei. Quem sabe alguma coisa boa tenha ficado, algo do que eu fui tenha sido positivo para ela. Mas não posso ter certeza.

Sei que ela se cansou de mim. Ela nunca realmente quis aquilo como eu quis. Precisei convencê-la a estar perto de mim. Depois de um tempo, numa ou noutra ocasiões, ela parecia me amar, falou isso com todas as letras, ela que nunca expunha assim seus sentimentos. Ao menos não para mim. Quis que ela se desse mal com outros, que sofresse com os próximos, para entender o quão bom eu era. Ou quão bom poderia ter sido, se ela tivesse lutado, se entregado. Mas isso tudo é uma fantasia estúpida. Tudo é o que tem que ser, sem vírgulas que se possa alterar.

Amores vêm e vão. Não tenho problemas com fins ou começos. Gosto deles. Para um lado e para outro, significam liberdades. Liberdade de acariciar ou de procurar. Liberdade para mergulhar na intimidade, ou para garimpar novas escolhas. Amor eterno, se um dia vou vivê-lo, quem sabe. Mas não tenho problemas com começos e fins, enquanto isso. Minha angústia, minha dor, não é perceber que o amor se apagou, que a história terminou. O sofrimento dessa passagem é uma noção de um amor que não esteve realmente lá. De que ela nunca esteve realmente lá. Comigo.

Os beijos, aconteceram. Mas foram apressados, intensos demais, como que empurrados. A paixão, aconteceu. Depois ela me disse que eu fugia para a paixão, enquanto as dificuldades ficavam de lado, sem solução. Eu só achei que estava fazendo amor com quem me amava. Para mim, não era uma fuga, era uma alegria. Mas eu realmente me tornei um chato, aos poucos. Percebi isso claramente. Para ela, tudo estava normal, as coisas que ela me falava, o jeito como me tratava. Mas eu sofria, punhaladas certas, aqui e ali, pouco a pouco me indispunham. Eu fugi da minha própria consciência, da percepção de que estava sendo destratado.

Ainda dói. Às vezes algo me faz lembrar dela. De um jeito ou de outro, vou me lembrar dela. Mas quero guardar algo bom disso, tornar esse veneno que ainda me corrói, em bálsamo. Foi bonito, teve seus momentos. Eu estava lá, ao menos. Eu tentei. Fiz tudo que pude, lutei pela conexão. Mas não houve recíproca. E enquanto eu tentava desenvolver uma proximidade, ela parecia fazer de tudo para se manter distante. Ela nunca tirou uma foto de nós dois. Nunca vestiu aquele vestido que eu trouxe de presente de viagem. Nós nunca acordamos juntos, nunca nos beijamos após uma noite de sono lado a lado. Pressa e pressão. Não havia solução.

Agora ela está longe. Sei que ela vai ser feliz, seguir seu caminho. Sei que ela vai fazer coisas que vão me machucar, se um dia eu ficar sabendo. Ela já está fazendo isso, sei que está. E eu previ que faria, seja como for. Tudo que preciso é olhar para a situação de uma maneira positiva, entender que não podia fazer nada além do que fiz. Ao menos, aprendi que sei amar, de mais um jeito.

Aprendi que meu amor é forte. Que sei cuidar de uma mulher. Que posso dar aquilo de que ela precisa. Se for de mim que ela quiser receber, enfim. É essa a lição. Sentir a recíproca. Dos gestos, da entrega, do compromisso, da curiosidade. Sentir que existe uma escolha consciente, de boa vontade. Poder enxergar com clareza que a conexão evolui com a soma das intenções, com a combinação das decisões.

Já não importa tanto o que ela nunca fez. A água vai me salvar, a água sempre salva. Pelo suor, pelas lágrimas, pela saliva que ri, que fala e que cala. Algo bom vai ficar disso tudo. E eu vou conseguir recomeçar, mais uma vez, recomeçar.

Ode Resolucionária

Mãos fortes
Doce toque

Visão clara
Largos horizontes

Longos passos
Caminho reto

Fontes puras
Sede leal

Amores tranquilos
Paixões dedicadas

Pulsos firmes
Gestos sutis

Ceias fartas
Apetite lúcido

Loucuras ágeis
Preces profundas

Coração sensível
Pensamentos amplos

Lições concretas
Mestres prudentes

Lutas atentas
Paz criativa

Danças precisas
Confusões musicais

Cores absurdas
Foco constante

Desafios afiados
Sabedoria paciente

Sonhos oceânicos
Asas libertas

Desejos sensatos
Abraços leves

Beijos ardentes
Sabores complexos

Belas paisagens
Missões sagradas

Honras secretas
Humilde virtude

Tempo extenso
Trabalho digno

Sacrifícios úteis
Prazeres abstratos

Cautos instintos
Hábeis arbítrios

Relíquias cabíveis
Raros ventos

Contentes contatos
Veros perdões

Questões colossais
Voz sincera

Bençãos esmeras
Repouso capaz

Apelos fragrantes
Curiosidades genuínas

Ausências sólidas
Obras máximas

Sintonias celestes
Ritmos mundanos

Apegos elevados
Tréguas tônicas

Destros tropeços
Tristezas mínimas

Influências fluentes
Tenazes amizades

Incontáveis alegrias
E um único Deus acima de tudo.

ESTÓRICO