batedeiras

enquanto isso
eu vou acreditando

enquanto isso
eu vou sonhando com o melhor

insira humildade aqui

desculpa qualquer coisa
perdão

não tem porque pedir desculpas
mas às vezes não precisa de porquê
simplesmente precisa ser

Gongada

Vejo-os
cheios de sonhos

vejo-os
cheios de esperança

Vejo a vida desabrochar
a cascata e o vermelho

vejo o dia se espraiar
o estio de uma eternidade

Vejo-os a correr a voar
cheios de sonhos

vejo-os a assoviar gargalhar
cheios de esperança

Stefinição

Tudo que se diga
que se escreva
todo quadro e toda poesia

aquilo que se diz
é sempre só metade da mensagem.

A outra metade
é segredo.

Toda estória que se conte
que se descreva
toda crônica e todo teorema

aquilo que a linguagem alcança
é sempre nada mais nada menos que metade da mensagem.

A outra metade
é o segredo.

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Dos segredos
é mesmo impossível falar

revelá-los é extingui-los
em sua característica de secreto.

A perfeição
é mesmo impossível pintar

a perfeição que cabe
dentro e fora de nós...

Tudo que enfim cantamos
é simplesmente a melhor tentativa

de ilustrar de uma maneira compreensível
o segredo.

Da armadilha que monto para mim mesmo

Homens grandes eu vi -
Eu vi grandes homens.

Homem grande quis ser -
Eu quis ser um grande homem.

Enquanto era criança eterna
falava do que eram os grandes homens
sonhava ser o maior entre os maiores,

ai sonho de tirania ignorante
dediquei-te os anos de ouro de minha juventude

- serei ainda apenas uma homenagem
inconsolável sobre teu sepulcro?

Ai meu sonho eterno e infantil
de ser o melhor entre os melhores

de ser o imenso entre os gigantes
sonho de tomar pelo colarinho o genérico homem
de sacudir pelas nucas a humanidade e comandá-la...

Seria talvez uma ignorância imperdoável
ou quem sabe o mais aspirado atino?

Quem sabe
se aquele pós-adolescente
projetinho de xamã terapolitano

se aquele molecóide pseudo-cientista
pseudo-poeta pseudo-tudo
andarilho fumetinha metido a macunaímico

se aquele bunda mole
zé mané
descabelado desgrenhado

se aquele cabeça chata
com cara de cearence
cabaço presunçoso desbocado

se aquele esporro de artista
engasgo de sensibilidade inventada
se aquele foco de emoção profunda -

quem sabe
se aquilo sim era ideal a se atingir?

Quem sabe
se escapou-me
entre os dedos
pela poesia
o derradeiro poder
o derradeiro fardo,

quem sabe
se aquele mongezinho de férias
não era mesmo o melhor projeto de rei do mundo...

Quem sabe se a batuta não era merecida
se o rastapé a ferro e fogo já não era herdado...

...

Já hoje
vivo melhor

já sem ânsia de tirania
evito ser comandante do mundo
mestre elemental de todo universo -

percebo que é mais propositado
ouvir do que gritar
quando já não se tem mais o que falar.

À luz da vela

todo mundo quer
o creme

todo mundo quer
a paz na terra

uma estrada mais colorida
a escolha que tremeluz

as relações sem vício
uma fonte de energia alternativa

todo mundo quer
um céu mais azul

todo mundo quer
do cremoso -

não tenha vergonha
não não se envergonhe

não tenha vergonha
de falar sobre o paraíso

não não se envergonhe
por cantar sobre o paraíso

não tenha vergonha
por sonhar o amor no mundo

não não se envergonhe
por desabrochar a emoção sincera

não tenha vergonha
de falar sobre o céu
não tenha vergonha de cantar sobre o céu -

não tenha medo de tuas lágrimas
de tua melancolia que amadurece com as décadas

continua fiel aos pássaros em teu jardim
seja muitos seja tanto seja mil pais e mães

não tenha medo de se ver superado
superado quem sabe por si mesmo por quem quer que seja

não tenha medo de passar o bastão
de encontrar o herdeiro fazer sociedade com o irmão

das melhores respostas:
o silêncio

seja a caridade a virtude maior
faça-se o sonho da terra

seja o sonho do homem
o sonho da terra

seja a paz da humanidade
o arco-íris da sensibilidade

seja o sonho do homem
o sonho da vida

não tenha vergonha
de inventar o seu céu na terra
não não se envergonhe de cantar sobre o paraíso...

Do estado daquilo que não para nunca de rodar.

Eu vou fazer
bonitinho.

Eu vou fazer
do jeito que a vovó pediu.

Eu vou fazer
sim vou
bem do meu jeitinho.

Bem assim
desse jeito meio assim sem jeito

eu vou fazer cantar essa chibata
chegou sua hora de espartanizar
se é que chega um dia hora tua sobre esse mundo!

Chegou a hora de ser mármore
mármore rosa açucarado sambando tentáculos

chegou a hora de ser supremo cabresto de luz
é hora de tocar o berimbau pra Deus poder dançar

chegou a hora de ser a firmeza masterizada
os pulmões infinitos na maratona musical eterna
chegou a hora de agradecer e não pensar em nada mais!

Eu vou fazer.

Vou.

Bonito que só!

Vou fazer
do jeitinho que minha vovó pediu.

O passado todo vai me amar
por pegá-lo pela mão na pista

tudo que passou vai voar
porque puxei-lhe pela cordinha
e o peão não para nunca mais de rodar!

Porque o peão não para
nunca de rodar

o sonho da presença
não para nunca de rodar

as múltiplas dimensões
todos os multiversos frugais
a seiva as tosses o choque elétrico do tesão
eles não param nunca de rodar

-mas vai de nós conquistá-los:
conquistar o estado daquilo que não para nunca de rodar.

massaterapias

o dom de apaixonar
de fazer fascinar

a magia dos abraços
dos resfolegos

o poder
da coceguinha

é o que mais queremos
daí tantas guerras

queremos as coceguinhas
de luz

os arrepios
vivos matutos

queremos o pássaro
de asas abertas a voar

mas ai... ai... pranto doído
ai... lição profunda...

percebi o dom
habilidade do fascínio

e o que vem junto
a responsabilidade

tenho coragem pra amar
perdoo-me as imposturas

que a dor cresça
organizada me fortaleça

sou o pássaro
a voar de coração aberto

do amor que tarda mas não falha

tanto ela faz
ao tão pouco fazer

lá está ela
ela corre e escorre pela cena

tanto ela faz
e quase parece nada fazer

ela sim salabim
sabe sorrir sabe dançar
na batida do reggae ela falou

cantou de amor incondicional
risadeira alto astral
doce entrega de sua voz

tanto ela faz
ao sorrir ali no regato

tanto ela faz bem
por estar ali pelo amor

extra-via

eu vou deixar
vou deixar deus falar por mim

ele já sou eu
tudo que vejo ele vê
tudo que sinto é ele

vou deixar ele falar
pela minha voz que é dele
e vou só me divertir ouvindo

vou deixar ele falar
falar tudo que sinto

falar de tudo que é
conectar as peças
completar alguma tarefa pelo poema

vou deixar ele rir
gritar e chorar
vou fazer todo escarcéu

eu vou é me divertir
ouvindo o que ele fala por mim

todo dia é uma estrada
com placas desgastadas
é uma estrada por onde os ventos correm

todo dia é uma escola
e pra ser mesmo feliz
tem que se acostumar com o dez

tem que ser ator
beber do mistério insolúvel
fazê-lo o enigma revelado do deus de si

cada sabor
cada nutriente

cada som
cada amor
cada dúvida

ofereço ao deus em mim
que vê tudo que vejo
e sente tudo que sou

que o deus em mim desperte
saboreie
aprecie até a última gota do néctar

ofereço a deus
em mim
este ar que me alinha

este olhar
que se desnuda

ofereço ao deus em mim
minha vergonha minha hesitação

minhas dúvidas espúrias
ao deus em mim o perdão

por tudo que é pequeno demais
por tudo que é ingratidão

por tudo que fiz e refiz
esqueçam-me todos os passados
estou zerando meu sistema

deus me formata
agora o disco rígido está branco

contem-se as estórias belas
que emocionam e fazem chorar

contem-se os contos da concórdia
as vitórias dos heróis que saborearam o deus de si

deus está entre as linhas
como o amor que faz do fio solitário um agasalho

ofereço minha diversão
minha mansa criancice
é esta a dádiva que semeio

que o deus em mim
que deus
através de mim
desfrute

desfrute disto tudo
que ninguém consegue enxergar
desfrute a guerra silenciosa
o erro sem significado

deus abençoe
tudo que não posso tocar
mas que em certa altura
quem sabe
por um tropeço meu
se faça iluminar

Do que todos diziam ser impossível...

Você pode levar sua comida
e comê-la toda sozinho,
e se garantir,

mas se você repartir
e passar o seu pra frente,
irá experimentar um pouco de cada coisa
que também foi colocada na roda.

Repartir
é muito mais divertido!

Quando você entra no mato
só dá pra comer arroz ou frutas secas
você só pode carregar uma única coisa

mas se entrar na roda
abre mão do seu
mas irá provar o de todos
que estão dividindo juntos ali.

E quando todos os solitários
tiverem ficado sem reservas
e morrido de fome,

aqueles que se uniram,
estarão repartindo

até o último gole de água
com amor...

e sobreviverão...

Portais Postais

dias de sol
tardes de chuva
flores coloridas
ventos sábios
crianças
crianças a correr
a brincar
a imaginar
a amar suas mães
famílias especiais
pureza e carinho
ternura e firmeza
cânticos do coração
da alma da terra
da paz das águas
dança do sonho eterno

O dia em que o menino voltou...

Não é saci
nem curupira

não tem mula sem cabeça
nem boitatá -

a lenda do meu mato adentro
é vivo mito e se chama Tainá.

Floricultura

estou em mim agora
mais em mim agora

isto quer dizer
que estou menos em mim agora
menos em mim agora

porque quanto mais eu sou
menos eu estou

porque quanto mais em mim estou
menos em mim estou
porque eu em mim sou muito mais que simplesmente eu

estou mais eu agora
mais eu porque mais meus amigos

estou mais tranquilo agora
mais tranquilo porque desencabrestado
porque vagamundo pelas bicas brisas das minas gerais

o sul me chama

o sul chama todos os pássaros em mim
o sul do verão eterno me chama

meu coração está migrando
pro trópico da minha alegria
pro estio de minha arte itinerante

agora sou mais eu
porque sou mais além de mim

agora estou mais em mim
mais em mim porque pra além de mim
meus braços são os ventos abraçando a terra inteira

Deus é a gente sem os problemas...

se eu confessasse
minha insânia

se eu colocasse
em palavreado simplório
minha ânsia de loucura

loucura que se resolve
loucura atinada longe da multidão

se eu confessasse
meu cânhamo
meu torpor de bailarino

a vida me é sonho
de todos tipos sonhos a realizar

vendo com olhos de dragão
sorvendo juventude
bailo com as mãos

se eu confessasse
minha incompetência

cadê que roubaram minha consequência
vou fingindo assim que sei da alegria
fazendo sorrir o novo de cada dia

meu desleixo mesmo pra com o essencial
por vezes minha cilada contra mim mesmo

abocanha-me pela canela
a arapuca armadilha cósmica
agora arrasto seus guilhões

correntes que cedo aprendem a voar
a bola de ferro vira em balão de hélio

minha loucura meu compromisso
derradeiro conceito atenuante
minha missão é brasa e samba no pé

que querem de mim
a morte
a vida
a noite
o sol do grande meio dia

que tanto averiguam
todo tempo

por sob todas as peles
todos os véus e cortinas
que tanto esnifam fungam inferem

que tanto querem de mim
a noite
o sol
a vida
e a morte

que há de mim que se beba
que a noite e o sol
descansadamente bebam

que há de mim que se prove
que a própria vida
e a própria morte provem de doce

que tanto mexem remexem
escapulam de lá pracolá

essas luzes
na batalha

como vagalumes
o fio batendo
fazem lume

essas luzes
da guerra no breu

essas faíscas
relâmpagos

pocantes
silenciantes

elas iluminam
o caminho do guerreiro

e da poesia de faísca
da prosa dos relâmpagos
fará ele sua última foice

Descaminho

Descobri
um mapa
do tesouro.

Indicações e instruções sagazes
o mapa da mina ditava severa rota
em cujo fim se via a alegria do grande xis!

Pelo xis
vendi tudo
minha casa e meus pertences.

Agora invisto tudo na terra prometida
botando fé que lá certamente estará minha glória
gastei minha fortuna pra poder me dedicar a escavar.

Descobri
um mapa
do tesouro

repleto de jóias raras
enterrado sob os segredos do mundo
o baú continha as maiores riquezas imagináveis.

Alcancei
a vitória
do xis

abandonei tudo que conquistara
pelo sonho que o divino me revelara,
quis acreditar e me veio a recompensa -

veio grande
veio imensa
pagou mil vezes a crença!

PANESPIRITUAL

vieram me deixando
deixando atrasar

deixa me deixa
ser irresponsável

só um pouquinho
estou precisando ser feliz

vieram que vieram me deixando
passar cantar fui abrindo caminho a troar

vieram que vieram
me beijando abraçando me amando

e eu fui me dando
fui dando e fui tomando

uma hora já não era mais eu
era mosaico criatura viva de retalhos

era um acolchoado gostoso
de retalhos recortados das brisas dos ventos

era mosaico colorido de pedrinhas e conchinhas
sideradas amontoadas bonitinhas fazendo poesia

já não era mais eu era uma egrégora
de abraços carinhos ternuras sinceras

era um coletivo de mantras
suingando com as nuvens altas

dançando com as flores abertas
bebendo com as raízes nas escuridões

eu vim foi pra animar os foliões
se alegrar pois já deu de reclamar

já deu de reclamar de apontar
já deu de passar a batata quente pra frente

já deu desse vacilo todo de achar mais importante o ruim
que o amor é o melhor e ele não faz preocupar não deixa exasperar

vieram que vieram me puxando pro samba
me empurrando afobado pelas salsas mais calientes

vieram que vieram me educando das artes malemolentes
afinando minhas varas me sorrindo sem economia de dentes

a loba já me lambeu
a cigarra quis me homenagear

a leoa foi caçar pra mim
se encafifou trouxe foi bagas silvestres

ESTÓRICO