Féretro

Esquifei-me
Afogado no êxtase do supremo amor
Tantas vezes vítimas de auto-descaso
Embebido de acre vinho
Propedeuticamente
Psicroterapeuticamente
Psicrometrando...

Coisas no caminho
Que fui deixando -
Esbarro em mim:
A pequena que me ensinou tanto sem saber
A má tão bela que me sempre nutriu
Os signos que nunca compreenderei
As melodias que invento
Olhando ao mundo como ouvisse música
Minhas flores depois de mim
Eu jardim
E o medo da vírgula
O medo do fim
Que não se quer manifestar propositadamente
Só mente
Descrente
Mentiroso sem semente
Como alho que nunca fosse dente
Ou coração que nunca fosse quente.

E foi-se a cefaléia
Foram-se a cicatriz e a ferida
Tempo sem medida
Minhas contravenções
Contrações
Desditas.

Uma bordadeira ungida
A prostituição
Agonia inaudita.

Coerção

Tormentas
Atormentam
Rebentam
O pranto do super-herói
O cântico primaveril
Do sangue quente da tarantella.

Um escudo
Losango de luz entre os olhos
Pipa esvoaçante de Amor
Gargalhando
A biogeoquímica eterna
Das cromáticas degustações.

Maturidade úmida
Da humildade ímpia
Da sapiência ímpar
Da novela futurista -
Os pés sempre ao chão mesmo quando virados à lua.

Escolinha agridoce do perdão
Trovejando
A incomparável inconsternável pacificidade da maternidade.

Lenhador

Subiu a maré
Acima de todo pé
A água incontível
Incontável
Irreprimível
Inabalável
Notável
Infalível.

E a bela louca nua à Avenida Pacaembu comia javali defumado aos solavancos
A insana lua luzindo despreocupada os bafos do dragão de São Jorge estelionatário
Olhos piscando
Sóis pulsando
Flato consternando
Plasma trotando
As tradições das pobres locuções
Das formigas pisoteadas
Dos pavões mascarados
Da bitolagem exagerada -
As exasperações.

Fogo e vulcão
Lodo e falcão
Engodo guão
Sinapse ou não:
Caminhos à servidão
Manifestos de escravidão
Lastros emplastos
Porta-bandeiras virgens
Foligem...

Bem e mal
Abobrinha natal
Solitute normal
Beatitude nominal.

E minha entranhas
Pra me justificar.

Truques

Para fortalecer a audição:
Muito gengibre e pinhão
Muita erva doce
À glutão!

Já à emancipação:
Arte de desencontro
Branca brandura
Nobre ventura
E as brumas bradam
Acolá
Ali e aqui
Cá.

Entre nós tanto ranço, tanta selva
Tanto manso, tanta treva
E os ninguéns que ninguém conhece
Os que somens nas margens de erro das estatísticas.

Viva o Império Imortal!
Viva o Rei Sol!
Viva vívida
Vã solícita
Madame estrupícia
Viva toda esta malícia
Que ainda acalenta.

Quanto à magia?:
Sete vezes seis
Vem
Habitai
Conhecei.
Pergunte por perguntar "o que há de mais improvável a ser perguntado?"
E talvez
Escorrendo pelos espaços entre as letras
Um sino boçal troasse
E todo pássaro calasse
Cada fresta e aresta sorrindo
Um não-sei-quê confundindo
O propósito do significado
Uma foice
Um rubror rugindo.

Certa Vez

Uma pomba mui assanhada
Imitou grito pra moçada
Voz de dona
Como falante indiscernível
Se fez de mulher humana
O mito.

O grito
Depois cunharam inconsciente coletivo
Transporte supletivo
Xarope digestivo
Mas a pomba arrasa
Em rasante às testas rasas
Faraônica
Dança com a cabecinha àfrente e àtrás.
Ela também é malandra
Moleca
Caga na cabeça correta
Ciente da hipoteca
Do relógio mecânico e do caramujo
Amiga eletrônica
Do dono da flora e da fauna
Faz o noticiário oficial em assovios e gargarejos
Ecos sobejos.

Conta da Escuridão
Do desmembramento do esquecimento
Deste mundo de cimento
Cinza
O presidente um jumento!

Já roubamos o brilho do céu em tais e quais bairros.
Também às pobres crianças,
Que não mais brincam
Com barro...

Inespelho

Vida minha
Que minha nunca foi,
Vida nossa
Além de toda apropriação nominável:
Te conheço de dentro pra fora
Como conhece o orvalho à rosa.
Em minh'alma te sinto borbulhar
Como um banho sente quente o sabão.

Em verdade
A bem da verdade
A verdade é uma mentira.
E os verdadeiros gritam: ao menos é uma mentira honesta!

Este fio platinado
Duma teia de aranha
Que une meu coração à minha sensação,
Este cabelo inquebrantável
Tão só
Cílio único
Do uno olho,
Este abismo invisível
Inflexão risível
Cortina indivisível:
Reencarnações
Reencenações
E a musa provendo ensolações.

Dormi demais
E perdido no mais íntimo do ventre das trevas
Os uivos dos lobos me despertaram!
Esqueci demais
E escondido no mais fétido das certezas humanas
Ensurdeci:
Deus orava a si mesmo por discernimento.

Universo Cacofônico

A neve é morna.
O gelo é quente.

As acontecências insalubres,
As impermanências tão tão lúgubres,
E uma penitência que aparenta paciência testemunhando nossa ruína.
Sóis em mim,
Cada mitocôndria;
Tanto por mim,
E uma conformidade corcunda...

Apostamos tudo
E a roleta do eterno deu
Duplo-zero!
Aprendemos a barbárie
E nossa cultura se contaminou
Com a verdade.

O hoje nunca nasceu.
Só sempre foi:
Isto que Tudo é:
Isto que Tudo sempre foi:
Isto Tudo.
E esfrego os olhos desapercebido das supernovas consequentes ao ato.

Outro sonho se finda
Silencioso.
Os portais da morte se fecharam
E despontou ácido
De aço
O abismo azul do céu sem idade.

ESTÓRICO