Distanciação

Um risco que se assume
Um sonho
Que se auto-realiza
E entre os dedos a realidade.

Telepaticamente
Em comum
O sabor
A dor
O calor
O resplendor de um amor
Que por amizade não se deixa constranger.

O tesão numa súplica transparente
Numa confidência
De amantes que nasceram em épocas diferentes
Em universos poentes.

Sem querer querendo
Uma Perfeição.

Monoliticamente

Uma sobriedade eterna abraçando cada bacanau
Totems com publicidade na banca de jornal
E todos os rios do mundo num só ritmo.

Não há pensamento sem corpo
Começo sem fim -
Tudo propositado:
O canto das cotovias
O frio na barriga prenúncio alegre
O suor nas pontas dos dedos
Ficar de pé em cima da língua nos beijos
Amar sempre como pela primeira vez
Vender-se.

Em irreprimível malícia
Meus poros meus juízes
No sucumbir da ambição
No interagir da perdição -
Roleta-russa de redenção
Mortificante pelos motivos errados.

Bronze polido
O cotidiano nos esmaga com o mundo
Este mar de lã em que nos afogamos
A ignorância feminista
Esta crise de convenções
Desprezo tirano
O olfato destroçado
A grama gélida molhadinha
Gaya girando com o assoprar das árvores.

O horizonte banhado em tinto vinho
Crepúsculo
O gostinho de quero-mais.

Homeostase

É receitável
Tal recitabilidade.
Em tal recinto
É mui bem-vinda
Presta habilidade.

Sempre cri que a Vida é um único verso branco interminável
Que a verbalidade é a libido do sol que em cada um habita
Que a imensa profusão da profundidade imensurável do Ser é real
Que falar tem gosto de salada bem temperada
Que ouvir tem cheiro de pipoca estalando
Que cantar é espasmo vagalumínico
Que dançar é contato metassanguíneo
Que as frutas nas copas são as estrelas na lembrança
Numeravelmente
O vento sopra calor
As raízes das plantas enterradas nas calçadas
Os ódios e pavores de desconhecidos me atravessando com a chuva das ondas de rádio e tevê
Meu queixo rechonchudo
Tudo infinitamente o mesmo.

Um zilhão de instantes o mesmo
Um zilhão de infinitudes a mesma.
Esta mesma Vida toda
Girando sobre si
Através de si
Do zero ao um
E depois de novo e de novo
Todos os erros infinitamente repetidos
Todos os vacilos, todas as lições, toda concórdia e honra e pálida deliquência!
Toda lastimosa conformidade
Chegando na muralha no fim da eternidade
Começando de novo do zero
E sendo igualzinha
A existência infinitas vezes se repetindo sobre si mesma
E sempre a mesma
Sempre esta exatamente
Contundente
Intransigente
Resplandecente.

Deus exclamando: "Déjà vécu!"

E o relógio digital próximo da meia-noite
As pernas em lótus firmes fortes
As plantas dos pés bem apoiadas sobre o timo
Meus vícios como vícios
Minha juventude como um esquecimento e um frenesi de amnésia
Minha poderosa marreta enferrujando
Sonoplastia demais me atravessando
Tanto cinema estronchíssimo, cabalmente violento
O vento quase inerte
Meus ossos quase flexíveis
Minha imaginação quase domesticável...

E agir parece um nada, um vazio
Pensar parece um dispêndio dispéptico imponderável
As máquinas recebendo mais carinho das pessoas que as pessoas
Aquele ondular dos gramados e campos
Às marés das correntes soprantes
Meu pranto que não deixo escorrer palpitante
Minha alegria digerindo
O pânico uma injeção de adrenalina em overdose de cocaína
A frustração uma musa incomparável masculinizada
A paixão um sexo que é pura subjetivação
As coceiras e as sujeiras e o que mais tranborde do coração um pedido de socorro
Clamando por cachoeiras, rios e lagos translúcidos
Céus virgens, dias purpúreos
Batizados
Fogueiras em que se não assem pecadores
Clareiras em que se não fixem pregadores
Cumes instigantes
Descansos despreocupantes.

Utopia que me renova
Que me faz envelhecer
Humanidade
Definibilidade.

Torcicolo

Vemos o ponto final
E nos perdemos dobrando as esquinas das vírgulas.
E na mente as mil composições sorvidas
Divertidamente
Fundem caldo
Esgazeiam esfuziantes
Cérebro adentro e afora
Canções inéditas
A maré subindo.

E a juventude
Dona de si em sua rebeldia
Enfastiada do termo
Dos términos...

Vou me esbaldando
Despejando meus baldes de torpor
Denso sabor
Bálsamo em amargor
E uma crônica arriscando rimas
Pelo dulçor.

Quanta carnificina repousa no coração de todas as boas coisas dos homens.
Quanto melodrama nos impomos envelhecendo tão magros de perversidade.
Quanta familiaridade com o ceticismo, o sensacionalismo, - com o ismo!

Malditas referências inescapáveis
Me arremessando daqui àcolá
Bolinha de pingue-pongue
Esta vida
Liberdade e nada mais
Nosso queijo das manhãs embolorando de dentro pra fora
Nossa irremediável sincronicidade
Absolutivamente
Tropeçando nos antigos amores como em truques de magia desvendados
Sorrindo flamejantes imprevistos
Nas entregas à musa inesperada
À madrugada desvairada
Ao coito terno
Ao rouco inverno
Às rãzinhas azuis
Aos trumpetistas
Ao amendoim doce
Ao rasante da pomba confirmando
Ao pouso da pomba inconformando
À exatidão da devassidão da vastidão tão tão larga do silêncio daonde Tudo brota.

Lâmpada
Aforismo
Cataclísmico improviso.
Minha ode indiscreta
Meu inominável.

ESTÓRICO