Progonia

Silêncio reconfortante
A música apodera-se de mim
Arrepios à nuca à coluna
O cajado finca novos passos
Os pés vacilantes
Tateiam os leitos rochosos do desconhecido
Pés leves e soltos
As mãos olhando e vendo o fundo do abismo
Fendas vertem água e cristal no coração da vida
À sombra sonsa de buritizais fractalizantes.

A poeira seca e densa se me apega
O sol inflama as asas solertes do pensador
Os titubeios da arte se desenganam
Ai sonhos infantis ai desilusões tão profundas do amor absolutista
Sou fome de mistério saciada
Sou sede de segredo amainada.

Tendes sedes celestes?
Tendes fomes morosas caro comparsa?
Refugia-te em teu silêncio
Toma abrigo em tua crua ambição.

A tempestade rugia relâmpagos
Espargia-se mítica na afirmação do indefinível
E o sol por detrás
Tão sóbrio
Tão resolvido em sua clara nudez
O sol acima além
Tão indubitável em seu fenômeno
Tão certo e tão imponderável
Sussurrava liberdades irrecusáveis
Tronitruante em seu discurso térmico
Aforizava anomalias transgênicas
Solicitava ao bailante a plena irrestrição da lucidez.

Numa longa estória de desalento
Em meio à insidiosa multidão de bons e justos
Submerso no oceano estéril da ascese idólatra
Nadando impávido entre tubarões
Em caça de lagostas magentas
As guelras do filósofo rangiam a vontade de pureza.

Pureza suja
Descabida
Do degenerado que compreende-se a si mesmo
Do tardio
Que descobre sua ventura no esquecimento da irrazão -
Pureza estúpida
Do homem que retorna à sua infância
E difama o mundo com seu solilóquio bastardo
Abrindo túmulos indevidamente
Tentando mover a pedra do passado.

Deixou de olhar pra trás
De sentir e crer pra trás
E então as maravilhas dum novo desafio se impunham.

Desejava ardentemente um novo começo
E temia a foice sibilante da suprema lógica -
Quisera destituir-me do atavismo
Mas a fusão com o núcleo é somente outra continuação
Somente outro instante infinito dentre infinitos instantes sucintamente inseparáveis.

Os erros faziam-se flores
As borboletas dos sonhos dos andarilhos revolviam-se em seus casulos
Prenúncios de terremotos
Esperança de cataclismas
Que rompessem a pele e o pêlo da terra e fizessem brotar novos manancias do ventre verde
Que destroçassem os templos intocáveis das paixões e impelissem à invenção de novas maneiras de amar.

Um rubato soberbo
Sindicalizando os radicais
Homenagem incitante
Estruturando gastronomias virginais
Síncope suave
Despertando em aridez cosmopolita
O louvor em cada valsa
Salvação que todo movimento implica.

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