Quintais

É acordado
que se sonha!

À noite,
ou quando deito
faço um passeio...

Mas sonhar,
ah! isto faço acordado!...

É bem acordado
que se sonha melhor!

Transpiração Total

o melhor
da minha vida
não te posso contar...

não é porque não queira
nem porque não deva,
contar-lhe isto é...

o melhor
da minha vida
não te posso contar

não porque tenha medo
nem porque cause dor,
pavor ou sofrimento...

Todo melhor de mim
não cabe em palavras
não se explica ou ilustra,

mas não porque não se queira
ou não se esteja permitido:

mas porque nem a película
nem o disco mais duro
podem registrar

o que acontece em mim
quando danço...

E então,
quem sabe
em sã consciência

um dia acates
a uma tal incontinência,
e que você por sua vez

dance,
dance até não poder mais viver...

Dance
e morra dançando

e renasça pela vida
como pura dança da vida!

Dance
morra e renasça

mil vezes mais
mil partos mais
mil almas mais

Dance
morra por dançar
viva por todo além-vida do dançar!

E caia mais mil vezes
e torne e retorne outras mil feitas

até que seus ossos todos estalem
sua pele evolua a outro estágio
seu sorriso desenrole inato...

Então,
quem sabe
o melhor de mim
seja algo do melhor de você:

saberás logo
do que não cabe em palavras...

Xeques

Se eu te desse
meu coração
que farias dele?

Se depositasse
em mãos tuas
átrios e ventrículos,

veias e capilares
todo sangue e plasma
de minha engrenagem mor:

que farias disto tudo?

Que farias
deste objeto animado,
premeria-lhe constante
ritmado, daria-lhe passo?

...provarias do néctar
ferroso rubro seminal,
serias fluxo e refluxo
do estratagema cabal?

Farias o que, de minha carne tenra e doce?
Pincelarias-me de mel, às moscas?
Ou farias melhor, tornando poros em aço?

(apenas corroboramos com a informação
que fortalece nossa ganância, panacéias e rapapés!)

Dá-me teu coração
de bom grado,

e de bom grado
dele farei aço.

Farei aço ardente
inquebrantável -

farei dele liga
entre ligas
na corrente guerreira

farei de bom grado:
torná-lo aço e caldeiras,
lar de sentimentos incorruptíveis!

Reivindimação

Nobre andarilho
sultão dos gastos solados

você eterno jovem
que averigua as profundezas,
ouve bem
ouve bem se não alquebrei dos enigmas o maior:

o amor
é inventado

por cada um
em seu livre molde...

O amor são muitos
- e todos lhe querem tomar
encabrestá-lo nos sufixos
todos querem por ele crédito

rugem tê-lo descoberto,
revelado...

mas amor que é amor
não se desnuda
não se procura:
inventa-se, claro!

(interrupção inescrupulosa)

Deixa-me te sussurrar
ao pé do ouvido,

estas palavras lanosas
que trazem consigo a tempestade:

meu amor
é incerto e nauseante

exige tudo do amante
garras e presas afiadas

meu amor é do mundo
é seu tanto vagabundo...

Este meu amor
que montei esboçado
por força de teimosias

é um tanto tarado
vive de quebrar protocolos
adoro cafuné ombro -colos!

...é bem indecente
mas de razão, potente
é um amor inconsequente

frágil volúvel volátil
às vezes até me escapa
corre embora com as lógicas!

...este meu amor,
que usei pra dominar o mundo
nada tem de surdo ou mudo

mas já dormiu imundo
já cantou a lama e o caos
amamentou de leite à pedra!

Um amor tranquilo
de paixões calmas

quase um autismo
de brio e ternura,

o olhar de águia
pestanejando o bote

impassíveis cálculos
e enfim a queda, o mergulho:

assim, pesca, o meu amor
pesca a cada dia,
do mar do sabor,
a dança e a cor.

(interrupção inescrupulosa)

...meu amor
é meio vagabundo
meio tarado

mas pensa amplo
e pisa fundo -

diz-me você então:
vale ou não a intenção?

que ouro valerá mais
que a ilusão de tal invenção?...

Cool Bop

A vida
é bem mais dor
que prazer,

mas depende de nós
dobrar todas as leis:

fazer da vida
perfeição e alegria.

Gomada

Tudo no universo
é elástico.

O aço mais firço
a obtusidade da estrela de nêutrons...

se há uma Excalibur,
ela e sua rocha

são também elásticas...

Distenda-se então!

Alongue-se
oblongue-se,

a vida são os elásticos
os flufs e as pererecas
a vida é o frescobol
o sexo selvagem...

Estender ao invés de entender,
rebater e evitar debater!

Chuchus abóboras
quiabos e inhames,
tudo mais que é pegajoso

Copaíbas e janagubas
haxixes seivas favos,
e tudo mais que é grudento e borrachudo -

Aqui tens o essencial,
toda a nutrição nos elásticos
seus repiques rebotes e estouros...

Tudo no multiverso
é elástico
ao infinito:

quiquemos pois não,
quiquemos!

(o bom poeta
não contempla
mas completa,

o melhor poeta
interpreta)

Chávena De Pólen

Uma flor
não me basta.

Não sou uma flor,
uma flor é muito fugidia.

A flor
logo se transforma,
logo é outra
desfaz-se em frutos

e dela não resta o doce
nem o azedo
não restam a casca, os gomos
nem as sementes.

Se eu fosse uma flor
como poderia sorrir
quando brotam os frutos?

Se eu fosse uma flor
como poderia voar
quando tudo seca e decai?

Uma flor
não me basta:

sou campos -
campos floridos!

Sou campos floridos
e suas florestas adjacentes!

Sou o deserto impetuoso
e as hienas que o rodeiam,

o matagal ciliar
os riachos de bebericos
as feras e insetos
o mel e a geléia real.

Sou campos floridos
em vigor sazonal,

e se hoje sorrio
e vôo sobre as nuvens

é porque minhas flores murcham,
mas há sempre outras a desabrochar...

Não me basta
ser uma só flor...
sou campos -
campos floridos!

Políquiros

O poeta
sabe
coisas...

-ah, se sabe!

e sabe mais
por não sabê-las
medidas ou extensas...

Onde está
realmente
a poesia do mundo,

os que amam, sabem:

ela está principalmente
em não saber
exata ou pontuadamente
qualquer coisa...

talvez...

as coisas,
que nos saibam?...

(de tanto amor que deste, agora te quero retribuir)

Me deixa,
me deixa entrar...

Por favor
é só isto
pouco que peço:

me deixe
sempre
entrar
em ti

me deixe
sempre
ser o sopro
musical

o baque
sonoro
sensato
do acento metálico

o encontro
do ponto
na síncope
do compasso...

me deixa entrar
sempre
por todos os lados

por todos os centros
todos os núcleos
e quimeras imaginárias...

(de tanto que deste, agora te quero retribuir)

A urgência
grita
berros de amor
afoitos

-um sentimento
que não se podia esconder,
o medo
de que a grande árvore caíra!

Ai, este meu sorriso torto
este nó cego no âmago -

O Sonho
evanesceu...

mas a mãe
guiou
através da perdição,

A Árvore
realmente tombou,
mas ouça bem filho meu:

se eu tivesse
força para tanto
eu te deixaria
aos teus próprios desígnios,

mas não...
te imploro:

traz-me de volta!
salva-me, suplico-lhe!

Sonha outra vez!

O Sonho morreu...

mas outro ainda vive secreto!

Sonha outra vez!

Casulos

Eu gosto
dessa coisa
de me emocionar...

Gosto até!

Lágrimas na goela
que não escorrem,

uma faísca estranha
fundo no coração

iluminando com paz
as esquinas da eternidade.

Eu gosto
curto bagas

essa coisa assim...

essa coisa toda...

de a gente
se emocionar...

Crugiveria

Ó abençoada aurora!

Sob o duplo crepúsculo
da noite chuvosa,

Ó aurora da sabedoria!

Roçares da liberdade
da supremacia volúvel,

ai afagos felpudos
e olhares oraculares,

a vida é uma ode
com seus engasgos
rouquidões, desafinos
mas bem marcada harmonia

leve e intensa melodia
os dedos cantam os toques
de amenas fúrias improvisadas,

que não há amor
sem interpretação -

interpretação dos fenômenos
esparsos e lânguidos
em suas correlações...

A vida
é o nonsense

mas damos a ela
o ar de toda graça

Ela vem do caos
mas lhe extraímos a noção...

E inventando a beleza, por fim
terminamos por estabelecê-la
realizamos sua presença na existência.

ESTÓRICO