Guilhão

Depois que a chuva
Tiver caído
Depois que as lágrimas
Tiverem lavado tuas vistas.

Vais descobrir
Que se tudo sumir
O amor pode refazer
Num piscar de olhos.

Depois que os trovões
Tiverem falado
Depois que os relâmpagos
Tiverem sido despejados.

Vais descobrir
Que se tudo acabar
Ainda assim haverá
Amor no mundo.

Quando estranhos
Já não conversarem mais
Aleatoriamente
Indiferentes aos nomes.

Quando as buzinas
Já não tocarem mais
Reclamando do beijo
Que segurava o trânsito
De sinal aberto.

Quando o despeito
Tiver desistido
De replicar
E as ofensas sutis
Passarem ilesas
Sem resposta oposta.

Quando se deixar
De dançar
Em sonhos lúcidos
Quando se deixar
De respeitar
Os trincos trancados.

Quando toda esperança
Tiver se amainado
E no futuro longínquo
As crianças se esquecerem
Do pegapega e do escondesconde
Quando toda alegria
Estiver controlada
E do sol só restar o pó
Quando toda humildade
Estiver soterrada
E da perfeição só sobrar
O julgo da utopia.

Ainda haverão rebeldes
De corpo e alma
Cortando os pulsos
Pra regar de sangue
A terra ressecada.

Ainda haverão guerreiros
Artistas ativistas
Se atirando coquetéis explosivos
Bibliotecas da moral adentro
Institutos do arrependimento adentro.

Ainda haverão imbecis
Crendo em algo além
Rogando sem vintém
Evitando cuspir aos altos
Focinhando trufas no alfasto.

Ainda haverão sublimes
Esplendorosos doudos
Afirmando o firmamento
Do diamante etéreo que nos sustenta
Reclamando óleos tônicos
A lubrificar as engrenagens da razão.

Depois que a luz se apagar
Depois que o som se afogar
Depois do calor se esvair
Depois da cor descolorir.

Ainda haverá eternidade
Ainda haverá bondade
Ainda haverão contatos
Ainda haverão soldados.

Depois que a chuva
Tiver vindo à foz
Depois que as lágrimas
Tiverem rolado rio abaixo.

Se tudo sumir
Irás ver
Que num segundo
O amor tudo refaz.

Depois que os trovões
Tiverem cessado
Depois que os relâmpagos
Tiverem calado.

Se tudo findar
Irás notar
No mundo há de haver
Ainda muito amor.

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ESTÓRICO