Significado

Começo com um tom
Um mote.

Não é tão somente uma intenção
Vide que minha ação é em sua maior parte inércia inevitável.

É talvez um tema
Um dedo apontando uma direção difusa
Que indica não uma localidade a se perseguir
E sim um momento em que mergulhar.

Aqui
Aponta o dedo.

Aqui
Este momento
Agora.

Quase faz uma contagem virtual
Sibila pracima e prabaixo três vezes
Como batuta de maestro indicando rota
E quando estanca o derradeiro um
Aí está solta
Voa a canção.

Ou ao menos supõe-se que voe.

Voa enfim a prodigalizada
Voam tantos gênios.

E este dedo
Gesto bastante desprezível
Numa pletora de quimeras cosmopolita
Versa da soltura
Do espírito aterrado que voa o vôo do mundo.

Órbita singela
O pequeno dedo giróla.

Acompanha o compasso.

O Compasso.

A Harmonia.

Não como uma desistência qualquer
Nem mesmo como uma abstração redentora.

A Harmonia Das Esferas.

Sim.

O encontro perfeito de todas as esferas
Suas infinitas tangentes infinitamente tangenciando-se entre si.

Sim
Canta o supremo mantra.

O silencioso e indelicado sim.

Ele é som e nada mais.

É esta a grande ciência
O ruflar de asas humanas
O soberbo sonho da vigília
É este o grande enigma
Ah como pôde ser tão ignóbil como pude eu mesmo ignorar por tanto tempo -
Ah sim é dança
Sempre a dança
Minha corretagem serena.

E me dou conta de que toda minha dança perfeita não foi senão desenhar esferas com meus dedos
Mais ou menos cegamente
Desenhar esferas com meus focos
Com meus dedos dentes e punhos
Desenhar esferas de lembranças e surpresas
Esferas de sonhos e alegrias esferas abraçando uma esfera infinita
A Esfera Infinita
De que nenhum jamais pode escapar.

Afinal insira risos cá estamos.

Ao menos por enquanto.

Padronizadamente talvez eu devesse sentir neste momento uma ânsia de criar uma opinião pessoal acerca de minha mesma pessoa.

Mas que importa!

O sol me renova
Apesar do negrume noturno reger o horizonte.

O sol se esconde
Ou nós que damos-lhe as costas
Quem sabe
Dizem por aí as horas dos relógios
E contam os dias para o último dia do sofrimento
E eu ímpio consagrando ateísmo em trilha de buguiuguis cósmicos.

Os bichos todos sabem tanto mais
Partilham árvores todas as espécies mui mais sociavelmente que a gentama burguesa em seus condomínios privativos -
Sem doença
Os bichos se amam
E o temor que há é só esperteza do menor vislumbrando a fome do maior.

Conhecem-se mútua e profundamente
Cúmplices duma contemplação quase
Não fosse o instinto feroz a inalienável lei.

Seja como for
Testemunhas
Boquiabertos frente a obras relatas.

Partilhando dum suor
Obreiros rasgando a pedra em busca da imagem reclusa
Lascas voando estalando longe
O pégaso que no mármore repousa
Pouco a pouco se liberta
E sem pressa nem apego o criador abandona a tarefa
Quando sente que a opacidade inerente respirou
Dando brilho ao pálido
Brilho sem prova
Escondido
Vermelho pulsando na testa inundando a vista
Dando calor à cor
Vermelho secreto em minhas íris
Paixão pela flôr
Que me arrasta ao jardim
Suas delícias tilintantes
Odes marrôtas
Sujas de barro
Beijos de bafo dormido em manhãs inesquecíveis.

Esquecidas e inesquecíveis
Sobrevivendo como borboletas em meu estômago
Como o amor pelo próprio ato do desejo
Como a entrega à música
E o imprevisível de seu avesso
O tema desbobrado reboteado
Espelhando a dedicação
Numa técnica inconsciente de sublimação -
Chamem como quiser
Eu
É a isto que eu chamo Amor.

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