Psinapses

Tão belo e acessível me pareceu o mundo esta manhã
Tão perfeitamente pálpavel e cheio de sentido
Sentido radial sempre mas sentido afinal
Profundo e verdadeiro sentido humano.

Me desfiz do respeito da gleba
Outra falange me devorou
E desta não pretendo fugir -
Desta pelo avesso
Só vejo futuro
Beneverente futuro
Máculas e dores
Sim também claro talvez como não
Mas ainda
Claro e sumptuoso futuro
De amizades sinceras
Entre seres tão diversos
E tão afins
Amálgama pagã
Livre de rótulos
Livre de inseguranças e egoísmos desgovernados
Livre da ganância asceta e dos dessabores dos dogmas -
Ah vertiginosa queda
Dos anjos modernos
Ainda presas fáceis aos bramanismos e cristianismos
E veja bem
Que não dispenso à mística inegável
Compreendo sua inexplicabilidade
Compreendo sim organicamente o mistério de sua glória
Mas a mente é só uma ferramenta
Me faço aceitar
A mente é mera instrumento ao instrumento maior
Coração pulsante
Claro que neste caso digo mente querendo dizer razão
Mente no sentido vulgar de componente lógico da alma imortal
Que há também a mente no sentido de controle ultramagnético do relâmpago interno sagrado
Mente no sentido de abertura do labirinto e ativação completa do cerebelo.

Não quero usar a ciência pra confundir aos cheios de fé
Se Deus existe
Que importa
Ele certamente há-de estar preocupado consigo mesmo tanto quanto nós estamos conosco mesmos
Por isso
Melhor não esperar muita coisa
Como eu ao menos aconselho que não se espere de mim.

Não sei nem mais se dou
Se sou
Se o que fui e o que é se entrecruzam.

Creio que viver seja dar
Mas dar a ninguém -
E daí por isso tão fácil a intervenção divina neste ponto.

Quem se conformaria
Em viver uma vida tão cheia de obscuro sofrimento
Em nome de ninguém?

Em nome do vazio cósmico
Ou do inanimado solar?

Quem se contentaria
Com o fato de que todos os momentos
Todos os sentimentos
Que inclusive costumam passar tão quase completamente despercebidos
Tudo enfim que há
É em nome de ninguém?

E então o grande desafio
Poderei viver minha vida
Tão cabalmente banal
Somente em nome de mim mesmo?

Poderei me conformar
Me satisfazer e gozar
Na iminência do silêncio desastroso
Do anonimato irrevogável?
Serei um dia feliz
Sabendo sempre que tudo que faço
Só pode ser em nome de meu coração
Em nome de meu coração de carne e músculo
Completamente insano em sua crueza?

E uma gama nova de valores salta à vista
Ah graças aos bons céus
Os ventos sopram e frutos maduros quedam das copas em meu jardim.

É este o hábito que quero
O que é em nome de meu coração e nada mais.

Não em nome de minha inteligência
Não em nome de minha vasta cultura
Nem mesmo em nome do conhecimento
Da evolução da honra da virtude nem mesmo em nome do próprio Amor!

Se há Amor
E sei que há
Agora me dou conta
De que ele é o que se faça em nome do próprio coração.

Não em nome do próximo
Não em nome duma pátria melhor nem dum mundo mais justo
Não em nome de qualquer entidade
Não não não mil vezes não!

É meu silêncio que me fará justiça
Silêncio que ouvirá meu próprio coração
Na treva de meu tórax
E tirará disto os desígnios de meu espírito -
Em nome deste silêncio que quero viver.

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