Cosmodésia

No começo
Não tem começo
Porquê quando começou mesmo pra mim a coisa toda já tinha começado
Eu mesmo já tinha começado.

Aliás
Só fui me dar conta bem mais tarde
Apesar de ter lutado sempre pelo momento em que eu finalmente poderia me dar conta
Das coisas
De mim mesmo vivo
Como alguma coisa importante
Alguma coisa que valesse e significasse algo importante.

Eu queria ser muito importante
Mas de uma maneira completamente insana.

Aliás
Eu comecei com essa estória toda de me dar conta de mim mesmo bem num momento de insânia
Meu primeiro dupla-face
Alice no país das maravilhas original.

Comecei a me dar conta completamente alucinadamente
E óbvio não entendi bem o que se passara
Só fui entender há bem pouco tempo
E no fim também acabei entendendo que essa coisa toda de entender ou não é bem mais complicada que eu imaginava.

O problema talvez fosse bem esse
Eu vivia demais na minha imaginação.

Queria ser muito importante pra evolução do próprio universo como um todo
Veja só!
Mas só conseguia fazer isso em alguma grande imaginação fantástica
Em que conspirações das mais absurdas se encaixavam perfeitamente na minha ânsia de fazer algum sentido profundo por existir.

Eu queria que meu amor fosse tão grande
Mas tão realmente imenso e poderoso
Que num passo de dança num trance sagrado
Eu conseguiria usar a energia de todo amor à minha volta pra dar uma pane no sistema
Mas tipo
Dar uma pane mesmo no sistema.

No grande sistema.

Como se de algum jeito eu pudesse descarregar uma faísca transcendental na atmosfera
Que de algum jeito faria eclodir o amor mais violeta em todos os viventes do cosmos
E com isso o pulso magnético e afim seria tão absurdo
Tão monumental e poderoso
Essa faísca do amor infinito
Faria dar uma pane nesse mundo de máquinário
Que tem sugado do ventre de nossa mãe Gaya
Essa explosão invisível de prazer e paixão
Em nome da terra e de tudo que é mais sagrado
Essa explosão invisível do imenso amor do homem por sua própria evolução
Seria tão perfeita
Que faria todos os relógios mecânicos pararem
Todos os circuitos elétricos tudo mesmo daria pau
Um bug do milênio se assim convém
Só que um pouco atrasado claro
Eu queria pensar que ele viria em dois mil e treze.

É
Tudo uma grande conspiração fantástica
Em que o amor venceria
E claro eu seria talvez o ser mais importante que já existiu.

Seria o rei de todos os bailarinos cósmicos
E o próprio tempo pararia
E viveríamos então imortais eternamente numa rave
Uma rave que na verdade era um sonho perfeito
Um sonho perfeito como uma dimensão paralela real
Em que todos teríamos tudo que mais desejamos
E que a vida se tornaria um paraíso de imortais depois do fim do tempo.

Engraçado
Pensar que estou fora do tempo!

Saber que estou fora do tempo
Num sentido um pouco diferente.

Então de algum jeito as coisas continuaram.

Eu fui descobrindo o quão profundas eram minhas ilusões
Dei sorte de me dar conta do quão absurdas eram minhas crenças
De quanta coisa eu tinha aceito em nome dessa superstição
Construída em nome do amor supremo
Que livraria a terra dessa monstruosidade gananciosa que não preza o próprio lar
Pouco a pouco
Entendi minha fantasia.

Entendi a construção estranha que fiz pra mim mesmo
E apesar das imensas desilusões
Pouco a pouco
Me tornava grato a mim mesmo.

Grato por sonhar este sonho maluco de mudar as coisas
Mesmo que de um jeito tão egocêntrico e vaidoso
Imagine
Eu dançando ser a coisa mais importante do cosmos
Se eu não danço
A vida pára
Se eu não der o passo de dança perfeito do amor
O mundo não tem salvação.

Tudo bem
Eu estive cego
E agora posso ver.

E apesar das tristezas terem se tornado mais frequentes mais profundas e mais inconsoláveis
As pequenas verdades que fui construindo
Pouco a pouco
Formaram um verdadeiro alicerce.

Busquei minha saúde
Verdadeira
Busquei entender a natureza e seus efeitos sobre mim
Pra ser o máximo que a natureza me permitisse ser.

É o que busco ainda
Saúde
Sol
Rios cristalinos
É o que buscamos sei bem.

Então aprendi que a mentira pode ser bela
Porquê ela inventa muitas vezes algo engraçado só pra fazer as emoções rolarem
Aprendi que a própria verdade na verdade é um tipo de mentira
Uma mentira mais engajada mais honesta
Tudo bem
Mas ainda assim
Uma invenção bem humana
Mesmo as ciências
Com sua grande valia pra compreensão da existência
Mesmo as ciências são baseadas em padrões selecionados que nunca podem ser medidas perfeitas e absolutas da realidade
Mesmo o número é uma ilusão porquê com ele supõe-se que haja coisas iguais
Objetos iguais que se pode contar
Sendo tão óbvio
Que nessa imensa argamassa do universo
Não existem fronteiras
Não existem leis escritas
Não existem bons e maus nem certos e errados.

A coisa mais difícil que aprendi
Foi que na vida tudo é empurrado
Tudo é engatado.

As coisas se empurram
Somos uma infinita desenvoltura de empurrões supergalácticos
Essas pequenas borboletas de amor atraindo e repelindo com o simples ato do foco
Nossos olhares na verdade que nos movem pra cá e pra lá
Não são as pernas que nos levam pra lá e pra cá
E sim a escolha do olhar.

Mesmo que do olhar dum cego
A escolha de simplesmente se aceitar que estamos vivos e que temos olhos que abrem
E que estar vivo é estar acordado
Acordado e sadio e sob controle de si mesmo.

Tudo está aí
Não se pode evitar
Há sim muita miséria
Sofrimento horrível
E gente sofrendo paga bom dólar pra ver gente sofrendo em cadeiras de cinema
E existem jardins de orquídeas
E veredas e oásis secretos.

A decisão que podemos tomar é a de aceitar
Respeitar o fato tão incrivelmente belo de que não temos escolha nenhuma
Podemos somente viver e viver e viver.

E pra viver
Tem-se que ser um consigo mesmo
Dono de si
Mestre dos próprios sentidos.

Só isso
Saúde
Lucidez
Harmonia com a natureza.

Nossa loucura sonhou os sonhos mais distantes do amor
E agora ela acordou pra realidade
De que temos que agir.

De que temos que colocar nossos ideais em prática
E treinarmos nossa bondade
Mesmo que tenhamos que vestir a máscara da alegria estando tão tristes ou angustiados
Porquê pouco a pouco
Aquele que aprende os gestos e trejeitos do alegre
Aquele que atua sempre a alegria e busca a escola do riso
Mesmo que comece com falsidade
Enterrando e esquecendo tanta coisa ao fingir a felicidade
Aos poucos o treino vira prática
E então vivência e experiência
E o que aprendeu todos os gestos do amor
Imitando os irmão que admirava e invejava
Logo é realmente contente
Consegue perceber-se como o que quer ser.

Não é mero trabalho de visualização
Tem muito beijo abraço e aperto de mão.

Tem paixão que esquenta e esfria o coração
E o importante é que tudo flua
Que alcancemos nosso silêncio
Pra que nossa maturidade venha com plenitude.

Pra que nossas palavras não brotem de nossas cabeças
E sim de nossas mãos e pés
Mãos que massageiam e pés que bailam.

Estas palavras que quero dizer
A luz e a alegria sem rótulos nem preconceito que meus pés dançam sobre a terra
Todas as estrelas que encontro reluzindo nos olhares dos amigos
A música que minhas mãos fazem quando dançam
Tocando o vento como se fosse instrumento.

Amo rodopiar
E sentir-me leve e desperto.

No mais trabalho minha postura
Busco a perfeita hidratação.

Quero ter mil e um filhos.

Quero navegar o mar e conhecer o mundo
E quem mais não quer?

São uns poucos que controlam o sistema
Mas o sistema não é tudo
Eles acham que têm nas mãos o mais importante
Mas não sabem que o amor brota escondido
Que nossa redenção
Tão distante e para poucos
Vem e vem de boca cheia.

O amor sempre vence
É o que sobrevive
Passa o tempo e as lições são as mesmas
Muda o nome do messias
Mas botar em prática que é bom nada!

Daí pareço um cara comum
E sou feliz por isso
Porquê me tornei alguém importante porquê aceitei que sou pequeno
E que nessa pequenez posso ser algo inteiro
E esse inteiro mesmo que pequeno pode fazer uma diferença.

Do mesmo jeito que outros pequenos fizeram a diferença pra mim
Me ajudaram a simplesmente parar e aceitar
Encarar a solidão da viagem
O fato de que mesmo juntos seremos sempre como o andarilho solitário
E que mal há nisso?
Toda borboleta todo bicho enfim é assim
Sua solidão sua busca por evolução sua grande saga por fazer parte do ciclo
A necessidade que a natureza nos impõe
Natureza sem dó nem piedade
Que nos ordena sermos fortes
Pra que nossos filhos sejam fortes
Porquê só assim seremos verdadeiros elos com o futuro do mundo.

Nossos filhos são também aqueles a quem ajudamos
Aqueles a quem damos lições humildemente
Pra que os que estão insensíveis possam vislumbrar a chance de amarem-se a si mesmos.

É isso que desejo incentivar
Por mais perigoso que isso possa ser.

Amem-se a si mesmos
Pra que possam respeitar a si mesmos
E então a clareza finalmente trará a recompensa maravilhosa da visão
A simples visão transparente das coisas
Um olhar purificado
Que não precisa julgar nem venerar
Que observa o mundo com olhos de águia e desliza sob o sol com a ginga da serpente.

A eternidade está em todo lugar
E apesar da vida individual de cada ser acabar
O que acho que Deus nos dá é isso e nada mais
Você nasceu
E se deu sorte percebeu
Que a eternidade existe
E que apesar de não sermos imortais
Ela existe e sempre existirá
E por isso sempre existirá esperança de que a vida brote
Esperança infinita de que de algum jeito
Dentro das infinitas explosões cósmicas
O tempo tão sábio
Faça a vida aparecer em algum canto
E evoluir até sentir
Até pensar e amar.

É estranho pensar que não seja algo planejado por um criador
Por ser tão perfeito como é
Mas sei que meu pensamento humano é algo que veio a ser
É uma longa estória construída por um longo tempo sobre este mundo.

Por isso aos poucos também me tornei mais ignorante em muitos sentidos
Pra que pudesse me concentrar naquilo que realmente preciso
Mesmo sabendo que tudo poderia ser um grande equívoco
Aprendi que tudo em nossa condição é algo que veio a ser
E que basta estudar e meditar pra se entender o grande enigma.

As coisas são empurradas
Não somos responsáveis.

Nos culpamos até por termos nascido!

Como poderíamos ter escolhido?

Tudo bem
Respostas não faltam
E tenho certeza de que sempre haverão respostas mais completas e irrefutáveis
Porém realmente as coisas simplesmente são
Simplesmente estão aí.

Não nego que em algum nível exista sim consciência e escolha
Como momentos em que realmente você olha pra uma coisa e pergunta pra si mesmo
Direita ou esquerda?

Mas é tudo instinto
É tudo uma longa estória acontecendo
E a gente no meio
Sendo empurrado por tudo
Sendo empurrado pelo amor graças aos céus
Que só assim pra chegarmos aqui
Pra realmente sairmos do tempo enquadrado.

Daí parece até um pessimismo
Pensar que tudo que acontece não tem como evitar
Que tudo que acontece é porquê tem que ser
Mas sem existir Deus.

Tudo obra do acaso.

É bela obra do acaso
Isso ninguém discute
Apesar de muitos reclamarem em suas poltronas do excesso de tédio.

O que importa no fim
Fim este que é mais um começo sem começo
É que neste acaso
Neste vir a ser sem sentido ilógico e caótico
Eu me dei conta de mim mesmo
Me dei conta de que não tenho escolha e de que tudo é como tem que ser
E nisso algum significado nasceu
Uma estranha liberdade nasceu.

Não nasceu em nome de algo nem de alguém
Apesar de muitos algos e alguéns fazerem parte crucial da coisa toda.

É como se nada realmente importasse
Porquê tudo passa
Daí posso viver minha vida sem levar as coisas tão a sério
Porquê percebo que minha própria existência é pequena demais pra ser levada tão a sério
E com isso aprendo a rir de mim mesmo
Consigo relaxar no fato de que não tem volta
E me dá coragem pra dizer como amo estar vivo.

Um amor tranquilo e também ágil como predador.

Um amor natural
Integrado
Sólido como a certeza do sol
E maleável como o curso do rio.

Um comentário:

Papillon disse...

...Se eu não danço
A vida pára
Se eu não der o passo de dança perfeito do amor
O mundo não tem salvação...

ESTÓRICO