Brinquedos

Que há no homem que não seja brincadeira?
Que há de realmente relevante na estória do humano e em todas mais que não seja brincadeira?

Aos aduladores e inconvenientes
Afianço simplesmente que aquilo que não querem chamar de brinquedo
É no máximo brinquedo de gente grande ou brinquedo de gente amarga.

Não que Sócrates pudesse estar completamente correto
Tanto quanto eu não posso ser inteiramente certeiro
Mas em geral nossa espécie só busca o chamado bem
Não um bem absoluto livre de dissonância ou de refutação
Nem mesmo um bem universal duma tábula rasa de inocência hipócrita
Buscamos nosso próprio bem
Se é que me entendem
Nosso prazer pessoal
O bem que nos cabe
E na maioria dos casos a nós somente
Bem que é o mal de muitos outros bem que é um esquecimento de toda generosidade.

Queremos diversão e perigo
E inventamos brinquedos de acordo
Brincamos de amor e nos ferimos nos perigos dos enlaces femininos
Brincamos de ritmos e cores e saímos de nossos ensaios com dedos e juntas inchados calejados da procissão e da mandinga
Brincamos de elementos e elementar nos queimamos nos afogamos fomos soterrados e soprados pra longe de nosso conforto medíocre.

Me pergunto na explosão do gozo
Como pode ser assim tão bom brincar de viver?

Tudo satisfeito por um instante
O vulcão tranquilo
Por um momento
Retomando o fôlego após a volta na montanha-russa divina.

O que brincava de carrinhos quando infante hoje vende seu espírito pra brincar de carrão
O bebê devidamente exposto ao chocalho hoje brinca de elevar almas alheias pululando em seus pianos
O que brincava de palavrões e piadas sujas hoje tem o riso como ciência o sorriso como sintaxe
A moça que brincava de cuidar da casa hoje brinca do mesmo jeito só que com mais afeto e histeria.

Mas e as guerras?
As batalhas sangrentas?
Que brinquedo é a medicina ou a física quântica?
Isto me perguntarão os que estão ainda carentes da vera imoralidade.

Ah bem as brincadeiras nunca estiveram numa esfera diversa da da competição
E assim por conseguinte também nunca diferiram essencialmente das disputas mortais
O horror e a agonia são os golpes sujos as trapaças inevitáveis aos nascidos em berços funestos.

E enquanto a seriedade do mundo escraviza os desavisados
Vou brincando de inverter os costumes de inventar meus hábitos
Brinco com as trevas e as melancólicas depressões
Não que saia ileso
Que assim brincando não me deixe de sujeitar à tristeza
Mas ao menos eventualmente me percebo brincando uma brincadeira chata
E me rio de mim
E jogo fora o brinquedo
Ou brinco de destruí-lo
E então invento outra aventura adulta em que me deliciar.

Brinco de decifrar os porquês da gente que passa cabisbaixa
Brinco de iluminar os cânticos dos que vivem em seus cristais.

E quando o brinquedo que é minha vida se quebrar
Quero brincar de morrer
E engraçar-me de meu medo e rir-me de minha insignificância.

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