Fendas E Zéfiros

Sou um passado próximo
Uma janela de sete dias
Um furo no furor do banal
Traço colorido no cotidiano.

Cotidiano pê e bê
De sonhos infrutíferos
Dos que estão em excesso
Fadiga da terra e do amor.

Somos a flecha
Locomotiva
Bogatires de flúor
Somos a flecha de fogo
Que ascende à pira divina
Que religa o antigo farol
Dá segurança sorrateira
Ao oceano imprevisível
Sua magnética maternidade
Genes e fenes dos sóis que somos
Unidos somos a flecha
Viajando retos
Em direção da unidade de nosso silêncio.

Nosso silêncio
Aquele que nos pertence e a ninguém mais.

Não porquê roubemos do silêncio alheio qualquer autoridade
Nem porquê nosso silêncio seja especialmente relevante à evolução daquilo que o possível leitor considere como o mais essencial à evolução
Mas porquê é nosso silêncio
Nos pertence descompromissadamente.

Não importam os valores -
Que ética ainda é redenção e salvação?

Quero a força do foco
A solidão que abraça o infinito
Que ressoa o infinito
Em faíscas em olhares sinceros
Em aplausos em suspiros em lágrimas em sossegos.

Quero a ternura dura
A pedra rosa
Jaspe doce
Quero o azul invisível do rio do amor
O verde que nutre cada ínfimo detalhe
Quero todos os sonhos desamparados
Todos os desejos inomináveis todos os ansejos impostergáveis
Quero a brisa quente do meiodia
O grande meiodia
De nossa teia
Nossas gerações porvir
Jardins de nossas fantasias mais mundanas
O desconhecido
Que tecemos em nossas genealogias
O elo com o futuro
No samba desbragado
A crista da onda
Nós sabíamos
Nós sempre soubemos
Já tínhamos o comunismo
Já tínhamos a lei unificada da relatividade gravitacional
Já tínhamos a ciência cristal dos aceleradores de partículas e explodíamos supernovas secretas em nossos balangandãs sabíamos ser a onça o tatu o morcego o babuíno
A fonte suprema da criatividade
O infinito oceano de caridade
Caridade déspota e ardente
Nos incendiando mesmo nas madrugadas mais gélidas
Dando norma a nossos ossos
Pondo em fôrma nossas ânsias
A vida nos modela
E ainda temos nossas pequenas -
Pequenas grandes -
Escolhas.

Ainda temos os pontos finais
Àpesar da libertação das vírgulas
Prosa soprada
Em contratempos povoados
Cortejos lancinantes da nova era
Era do novo vinho
Do novo sangue.

Nossa era
Tão repleta de primeiras vezes
Tão transbortante de incógnitas e sucessos monumentais
Este tempo tão incompatível com o tédio
Época assaz profunda e real
Sufoco lento
Dum novo começo
Que pelo amor
Ah pelo amor
Um dia há-de florescer.

Há-de bendita aflorar enflorir florescer fosforuscar
Suingar raízes e copas junto de calcanhares e timos
Ah nossos cimos
Neve eterna
No alto da cordilheira
De nossa rara irmandade
Branco caiado
De nossos reikis transviados
Dos terreiros de nossa ira.

Há-de bendita voltar sempre sorridente
Mesmo que fria e moribunda
Mesmo que abandonada
Há-de triunfar em sua ruína
Pois que sem ela não há esperança -
Sem ela
Não há qualquer quê.

Ai bendita retorne sempre
Sorria-me de novo e sempre
Por favor me dês sempre esta ternura
De me fazer humano por tua doçura
Mesmo que em tua doçura mais acre
Mesmo que de lábios costurados e olhos furados
Me perdoa
Me dá sempre
Quero tudo teu
Quero ser você
Ser você gozando mil vezes
Eternamente esquecida
Queimando
Numa fogueira sagrada
E então os frutos de nossas sementes
Então de novo tudo que possamos inventar.

Vem e volta
E mesmo que distante
Mesmo que inelutavelmente distante
O grande fogo
Ah ele sempre queima
E aos que esfriam
Fica a alegria do relaxamento
O supremo relaxamento
Grato ao calor
E também acostumado ao frio
Uma esfera em si
Mística holística
Toda dança de minha vida
Toda dança que minhas mãos e meus pés e todo eu já dancei
Ah toda esta dança ela sim é minha salvação meu julgamento final.

Sou um furo
Um tempo anormal.

Somos a flecha empaladora
Rabo acima da ditadura.

Somos a tribo sem fronteiras
Os reis sem pátrias
Os últimos que serão os primeiros.

E quando a hora vier
Esta hora que forço que venha
Quando eu olhar pro meu agora
Quando eu encará-la face a face a face a face a face a face a face -
Sem dízimas periódicas -
Quando eu vislumbrar meu instante
O presente de minha presença
Esbugalhando testa e pulmões
Ah aqui estou.

Isto sou eu.

Um indivíduo com sua estória
Um cristal carregando uma lembrança
A memória de meus dias.

Memória viva
Em que perambulo
Sem lar senão meu coração
E sem coragem senão o amor que tenho por meus fraternos.

Amo-os
Ah como os amo
Meus grande amigos.

Ah como estúpida e romanescamente os amo
Talvez em minha fraqueza em meu espasmo sôfrego
Porquê derramo lágrimas por ti
Isto nunca ninguém me poderá responder.

Os amo esquecido
Amo-os como vivo
Respiro-os sem querer
E depois querendo
Mais e mais e mais e mais.

Ah como amo a amizade
Amo o amor
Redundante até bem brega.

E como um novo começo novamente se me apresenta.

Se me apresenta como o ruflar de meus dedos
Traduzindo em folha nova sensações inéditas
Como o sangue de minha prole pulsando em mim
Meus filhos em mim meus filhos por aí aqui e ali.

Energia infinita do amor
Que nos lança sempre na esquina
A dor empurrando o resistente
A esquina do fim do tempo
Onde nossas alegrias convergem
O vazio do nada vindouro
Onde todas as alegrias tornam de volta à origem de si mesmas.

Quero este fluxo.

Quero a afirmação
De nosso silêncio.

Na ruptura do tempo
A mente transgredida pela ânsia de evolução
Fito manso ao espantoso banal
Tento não levar as coisas tão a sério
E também não levá-las tão ao de leve.

Leve nisto e pesado naquilo
O silencioso mantra do sim
E toda saliência de símbolo
Que nos permite ousadia e prudência.

Que nos lance inadvertidos
Às mais altas esperanças
Que as geometrias espirais nos abençoem
Náutilus e berrantes prosaicos
Chaves e fechaduras no mais absoluto breu.

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