SONHOS FÁTUOS - O que é o invisível?

Há quantos dias não comias
Quantos anos sem companhias

Em conversas apenas com as vozes estranhas
Que brotam corrosivas de tuas entranhas

Ao passeio com tuas nódoas largado
Como embrulho de lanche amassado

Invisível em teu paradoxo de palpabilidade
Que terá outrora vivido na flor de tua idade

Que foste antes da tua exaustão
Deste teu odor canhestro e malsão

Foste quem sabe rico
Um destemido ou um impudico?

Sei que nalgum mundo eu sou tu
A roer os ossos dum cadáver cru

Nalguma vida pequei como pecaste
Em tal futuro revira-se o contraste

Eu com tinta e papel em punho
Pela alva inocência testemunho

Vejo em ti a mãe de todas as fomes
A sede das almas que perderam todos os nomes

Sonhas em plena luz ao relento
Sonhas talvez uma paz de teu rebento?

E se sonhas bem compreendo
O despertar desfaz qualquer remendo

Preferirás tu certamente a paisagem imaginária
A qualquer sombra lúcida da agonia intermediária

Quem sabe o que é para ti viver
Se será benção ou castigo morrer

Foste um motorista de caminhão
Desbravando as rotas remotas do Maranhão?

Quem te ensinou a tirar da pedra fumaça
A penhorar teus vestígios de fé pela cachaça?

Haverá qualquer esperança em tua vida
Ou apenas dormes e sonhas a derradeira partida?

Terás amado louca e perdidamente
Bebido cores do orvalhado sol nascente?

Viveste a promessa de uma carreira
Saboreaste um dia a ceia sem fronteira?

Tiveste filhos pródigos nos vãos de tua sina
Pariste varões prodígios hoje órfãos de disciplina?

Haverá destro pai aos prantos
Calculando o saldo de teus desencantos?

Quantas mazelas suportaste
Antes de abandonar-te como um traste?

Arrependeste-te de teu pior vício
Ou fizeste da calçada e andrajos um ofício?

Foste um dia escriba com cacife
Antes de encalhar tua nau em anônimo recife?

Que calçados ampararam estes pés
Que seda te acariciou prévia ao último revés?

Foste um dia poeta de grandes ambições
A questionar quem teve do existir só os grilhões?

Respostas jazem no amanhã desconhecido
Quem sabe se terão mais voz que um rouco gemido

Nossas vidas na eternidade se entrecruzam
Além muito além dos interrogativos que abusam

Que perturbam teus sonhos talvez angelicais
Na esquina esquecida dos absolutos marginais.


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ESTÓRICO