Pedestral

É mordendo a fruta verde
Que se entende o sabor da madura
É provando um pouco do veneno
Que se conhece a doçura da cura

Apreciar o momento
Amar a dança do vento
Destilar a ira do tormento
Saber que só a fé faz o alento -
É esta a suprema arte
A força de toda filosofia

O sentimento é o compasso
Apontando ao norte da evolução
Ao leste o sol é firmamento
Colorindo os percalços da razão

Raro aquele que se dá uma chance
Oportunidade ao experimento
Rara é a alma que faz seu lance
Apostando o sangue na missão
Bela a vida que inspira entrega
Fazendo degraus e pés à trégua

Todos os Césares e Augustos
Filhos pródigos em seus abusos
Todos os santos e beberrões
Dos tronos oblíquos que me perdoem

A vida não está no peixe
Nem em se saber pescar
A alegria ultrapassa a vitória
O mito é bem mais que ganhar

Comediantes comedidos me perdoem
Toda pompa do austero manobrista
Náufragos da sorte e afogados
Perdoem-me os por si mal amados

A vida é mais que um roer de unhas
Mais bem mais que fisgar as rinhas
O mundo é vasto e ainda inexplorado
A felicidade é sempre nau sem lastro
É beber a chuva do esquecimento
Chorar lúcidas lágrimas de criança

Raro o homem que respira
E ainda mais raro o que transborda
Rara a alma que sonha
E mais rara aquela que acredita

A vida aguarda ao ponto de ônibus
De capuz absorta em sua poesia
A vida vai amando o dia de hoje
O ontem e o amanhã são sua lisonja
A vida sabe olhar o que lhe afronta
Tira mel da pedra que desaponta

É sofrendo o fim até o fim
Que se começa um recomeço
É esfomeado e sem vintém
Que se vê de cada qual o certo preço

Deixar o quitute derreter na boca
Sambar loucamente sobre a loucura
Alongar-se onde tudo é contração
Ter-se a si na palma da mão -
É esta a suprema arte
O segredo de toda magia.

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ESTÓRICO