Portabandeira

Estou em vias de enlouquecimento
descalço de pés molhados na sacada atrás de grades.
estou pronto pra escrever o texto mais importante da minha vida
estabilizando delicadamente a fornalha onde cozinho minha insanidade.
sei que hoje é um grande dia
porquê me subiu goela acima aquele engasgo
que é a tristeza de uma imensa alegria -
e estive com medo recentemente
com medo de meu hálito estar cheirando a vômito
de ter abandonado à fé que me acalentou à esperança em meus dias mais incautos.

só que eu não abandonei meu corpo
e por isso tão somente não pude abandonar àquilo que me é crucial à ascenção
e então flutuo translúcido
enxergando uma incomparável canção valsar ao ar
metais madeiras pelugens plásticos
uma estrela invisível sincopando-se a si na cintilância do disco que a carrega
e me é nítido:
o peso do corpo
os solados dos pés
a maneira com que ombros e calcanhares contrapensam-se eliminando a sensação de impotência da saúde quando saúda aflita e incerta à melodia das estranhas
o vento
meu hálito
estar ereto e focado em mim, alerta
alertíssimamente brincalhão
belo pagão
ungido vão
antiplatão
um piratão
os sonhos e as formas e as cores do universo todo em volta em movimento metassincrônico
um zilhão de sendas de luz miltintencionadas
o tempo em sua magnitude transparente nos provendo de intermissões e intromissões, de musas e furacões
um helicóptero por sobre a coroa
carros na avenida logoali
as telhas por sobre a garagem a árvorezinha de flores brancas em nossa calçada lilás as carangas dos vizinhos um carro ligado logaqui estorvando o sutil e delicado estéreo em supremo ato de amor severas interrupções acelerando à paixão três sujeitos cruzando a rua os cachorros latindo nosso bairro em guerra uma carta virtual instantânea em redesemfio uma gata e outra o vizinho da frente entrando a pala incandescente aos lábios a doçura da perfeição o salgado da translação lembrar que cortei mais um pouco meus cabelos hoje em busca do rijo mastro
e então enfim me lembrar de que tudo é real
e que o universo está logo aqui mesmo, bem aqui, lá no fundo do fundo do inencontrável impontuável indefinível inalienável
o começo e o fim como a faca quente e a manteiga
os sonhos
o trovão que habita o sangue
a saliva degustando à morte em cada infinitesimal reverberação de Deus
o interminável fluxo por entre portais de momento
a respiração e a força da lâmina dágua nas íris
um par de fogos de artíficio prenunciando o fimdomundo ogoldotimão carregamentodomorro ou só pipôco mêmo e do brabo us mâno tudo na pegada o trote da sequestrada
prédios cheinhos de gente, atolada, milhões bilhões despreocupada, Babilônia desesperada em sua imodéstia em seu musgo em sua infantilidade desilibida
o fantasma da carapaça, chame-o como chamar, o desenho perfeito de todo fluxo energético pelos corpos cabos aços concretos a complexiação da documentação da reverberação de dúvidas e vinganças pelas linhas nos postes mileuma damas de luz pairando corpofechado em derredor no místico do propositado do coraçãobatente batendobatendo batendobatendo batendobatendobatendobatendobtendobatendobtaendo batendobatendobanteod banteodnbanteodbantendobantendobanteodbatendobatendobatenodbatendobantedobatendobatendobatendobatendobatendoabatendobatendobantendobatendobatendotbateendobanteobatendobatendobatendoabtebatendobatendobadentobatendobabatendobatendobabatendobtendbatendobatendobatendobatendobatendobatendobatendhobatendobatendoobatenobatendobatendobatendobatendobatendobatendobatendobatendodeolhos fechadosbatendotebatendobatendobatendobatendobbatendobatendobatendobatendobatendobatendobanbaendobatendobatendbobatendobatendobatendobaendobatendobatendbbotrapaceeisorritropeceidesiludimeinconsternado entendendo o profundo da palavra do ato do sopro quintessencial de John Coltrane
a Morte
tão simples
como uma força em contraponto ensinando a entrega à colossal assinatura genética
a gratidão longeva e sua vingança
a fúria benevolente e sua elegância
possibilidades nomináveis ao fim dos infindáveis ciclos do Halo
e tantas quantas impossibilidades também até que o universo terminasse
só que não tenho todo esse tempo honestamente
e então o poema livre como um filhote de crocodilo
eu aqui na sacada atrás de grades o mundo a correr
a loucura constatada
a alegria da mais funesta constatação
um aprumar-se rebelde e irreverente
a crença profunda na relativização
a resposta imunda da meditação
nosso Amor pulsando na brisa ditirambos bacantes em marés de milicores em plasma que veleja às tranças solares na velocidade do zerabsoluto
o segredo
orar
ser corajoso
ser audaz
ser leal
ser atonal
respirar em meio à loucura da verderva maculada ciente do xamãnismo e do maracatu
saber o sabor de Iemanjá e ter ginga no capoêrar
cá pôêêêêrááárrcá pôêêêêrááááácapoê êêrááácapôeeeeÊÊÊÊrahhhh
vai musquitim dôido vai musquitim doidão
pega na minha mão vê se senta pra Lição
sem alardação pouca falação o troar do sino na capela de Cião
um resmungão o vizinho gorduchão
o lixêro pedindo pras donas a caixinha da Páscoa
o Lar
saber que tesão é quantizável e infelizmente não infinitamente renovável
alguma porcaria de equipamento em curtocircuito ou mais probábel o secador de cabelos da perdida que passou pra lá de quarenta e dois minutos com o jato empiriquitador só hoje mas que horror esse zunido devia ser proibido, pior que o helicóptero que ao menos dava sugestão cinematógrafa ou qualquer confusão monstruosamente lubrificada mas enfim pelobenditonome o zunidonãopára!, a mulher vai ficar careca, coitada, fazer o quê, e esse zunido na sacada no meio bemnomeio do poema até se fazendo de esperto através do baixo acústico peça magnâmima seus praládecemcentímetros imponentes sendo atacados em estacatos e rubatos em formatos recatados por um longo arco de pêlo do mais nobre gato e então ainda o zunido e o solo de piano e o saxofone de novo em adimensionalização
mas o poema nem acaba nem desgraça só pelo zunido
cá estamos de novo em berço esplêndido
cá dentro debaixo de teto no escritório sonar
lá fora o luar
o cão pentelho arranhando a porta querendo entrar pra malcheirar ao carpete que maistarde hei de lavar
uma amiga em gozar
uma vida a passar
e a destreza divina de ironizar qualquer construção autoafirmativa fundamentada nalguma inconsequência orgânica subliminarmente transviada de moral suprema.

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ESTÓRICO