um senso de responsabilidade vago
por vezes me alcança entrementes porventuras
um pranto imenso
eu debaixo do chuveiro
um banho incompreensivelmente restaurador
em que toda água do mundo eram minhas lágrimas
eu chorando por minha mãezinha
o pequeno tronco d'água deslizando por minha pele como uma outra pele se me agarrando
e então toda tristeza duma vida expurgada num pranto sem medida
um engasgo de libertação de toda conformidade
e a água rolava macia acariciando meus pêlos e cabelos
como um tronco d'árvore ereto e imóvel eu recebia aquela chuva
apenas panturrilhas contraídas, o resto do corpo mera massa esvoaçante em gravidade zero
um banho incompreensível
um pranto sem medida, nó na goela por tanto maltrato à minha mãezinha
e então o chuveiro corria
o magnetismo de minha aura dissolvido naquele fluxo
encanamento acima e abaixo minha eletricidade viva viajando velozmente pela continuidade do fluxo líquido
eu me fundindo à geometria de meu lar no abraço quente da higiene
num pranto engasgado em que tentei sentir minhas lágrimas
e vi um oceano em torno de mim como uma lágrima infinita
minhas lágrimas como meras gotas fundidas ao fluxo do chuveiro
um pranto que durou um minuto e uma eternidade
por vezes um senso de responsabilidade me alcança
e tenaz sigo em minha intenção hiperbórea
sabendo que tudo é possível e que inclusive o impossível, por não ser senão o infinitamente improvável, é muitas vezes o próprio óbvio latente
sabendo que nada é proibido
penso no sol
e em como quero ser íntimo dele
e na dieta que isto implica
penso em como penso ser importante a intimidade com o sol
e compartilho de minha mesma opinião, previsivelmente, porém não senão através de um contínuo esforço de transparenciação espectral
amo o sol
sua delicadeza e sua monstruosidade
o grande tirano de meu coração
ah, sol, quão ridículo me percebo ao cantar-te
tu, que não invejas nem mesmo uma alegria demasiado grande
ah, nobre astro
como lhe sou grato
como lhe quero como símbolo último de meu despertar
e creio que você saiba bem de que estou falando
apesar de ser sempre sol e sol somente, apesar de não comunicar nada senão silêncio solar, silêncio que exige o silêncio e o sol de cada um
te amo tanto
e por vezes até alucinadamente
e por amor de ti esmago minha fraqueza
por amor de ti cultivo o jardim de meu matrimônio e oro em valsa perversa
por amor de ti encaro o insólito de minha patética existência
e me percebo ferramenta bela, ótima, à construção dum palácio de magia
graças à tua hospitalidade sei da grandeza de meu destino, mesmo sem poder saber que destino seja afinal
peço permissão então
pra sonhar contigo em meu coração
permissão e benção
pra surrupiar de ti esta clareza implacável e benevolente
pra viver minha cintilância como fazes tu, irretocável, supremo redentor de toda dor, afago último da original instância
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