Teimosias

Se meu dia tivesse quarenta e duas horas
Eu seria o espírito dum elefante confinado num pequenino corpo humano.
Levantar-me pra uma caminhada seria como entrar no chuveiro frio numa alvorada invernal.
Mesmo coçar minha perna direita seria um desafio, quase como me é hoje em dia evitar uma masturbação.

Se meu dia tivesse mil horas, eu o arredondaria pra um dia de quarenta e dois dias.
Eu seria como uma borboleta insone
Que depois que sai do casulo passa a vida toda voando
Um imenso dia em que construo minha família, em que assino meu testamento, em que rio de Tudo até me sufocar.
E tentaria mergulhar no límpido azul celeste como os espadartes mergulham na profundeza oceânica -
Quem sabe conseguiria, em meu último inspirar, voar tão alto, que morresse exausto além da Gravidade
E flutuaria inanimado ao vazio cósmico, uma pequenina vida que durou um dia imenso.

Se eu ficasse sabendo que aos quarenta e dois de idade morrerei atropelado
Ia tentar ficar acordado até o dia do meu Juízo, não piscar mais os olhos pra não perder nada do que se passou pra mim.
Meu mundo só existe pra mim, só existe em meu nome, em nome do meu propósito
Isso tudo que me estarrece, que me afaga com estarrecimentos
Que me acalma com implosões de tesão e me sacode de manhã pulsando cristalino o espírito do mundo
Isso tudo que me inclui em infinitos contextos de que nunca poderia me imiscuir nem conscientizar
Isso tudo que me solapa em revoluções morais e revoltas fraternais
Isso tudo que me arremessa em quarenta e duas direções sincronicamente em torno de um mesmo centro inapontável
Isso tudo que é Tudo, vez ou outra, me vem ao encontro como qualquer coisa que amo.

E nesses quandos
Em que amo Tudo pois sou obrigado a isso
Nesses breves soluços de auto-realização
Infinitamente conjuro a mim mesmo resoluções inomináveis
Me faço dissolver na corrente sanguínea de Gaya
Me forço à crença digital
E exclamo a mim mesmo, quase assônico "hei de viver eternamente".

Como borboleta ou elefante,
Como os pardais cantando aos maiores músicos
Ou o Sol presenteando aos grandes surfistas.
Hei de ressuscitar inconfundível dentre as raízes de Yggdrasil
E, então, sabe-se lá... quem sabe morra novamente, como algum aprendizado que me seja oferecido.
Como rubi escarlate, quem sabe eu me fixe rigidamente nalgum subsolo e aguarde quarenta e dois milênios por uma lapidação que me encaminhe à coroa de alguma rainha moura futurista.
Como petróleo, quem sabe eu abasteça motocicletas de dinossauros ultra-inteligentes e conduza alguma alma réptil estressada a algum belo recanto de quartzo, algum oásis transparente em que se purifique.
Ou, como carambola, visite alguma praia perfeita na pança dalguma criança sapeca
Ou, como figo, visite os esgotos japoneses, depois de ser encaixotado, importado, comprado e regurgitado após alguma ceia exagerada.
Quem sabe o pequenino ponto que é o centro do meu cérebro desapareça
E Deus o agarre vagando pelas estrelas, e o conduza a algum centro educacional de fractais perdidos.
E daí eu posso até renascer em algum Éden que nunca degenera
Passear nú Eternidade afora pelo holograma sem peso que é a Vida.

Por enquanto eu ainda recupero o fôlego
Gozei sozinho, não resisti -
E a libido violada, o ego sedento por mais sempre mais, o espírito um tanto pesado
Vou me empurrando virtual à frente
À próxima esticadela estúpida de vértebras
À próxima dormência de tornozelos por escrever um poema todo na mesma posição de pernas cruzadas
Ao próximo imprevisível infinito que certamente há de florescer
Ao seguinte quarenta-e-dois que se me apresente e me faça pensar de novo um pouco sobre o arrependimento do orgasmo solitário.

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