Paixão

Às vezes penso comigo mesmo que nunca mais serei capaz de escrever mais um verso.
E aquilo acaba sendo um novo verso, primeiro de uma estória supostamente impossível de se contar.

Daí fico querendo escrever sobre tudo de que me arrependeria
Se soubesse que amanhã é o dia em que enfim morro.
Fico querendo falar sobre o mundo do agora como qualquer coisa distante e incompreensível
Como parte de um eu que não tenha futuro longínquo
E assim posso olhar pras coisas como fosse minha última chance
Crio a ilusão de obrigatoriedade de aproximação ao universo
Me pressiono à culpa de estar ainda vivo
E ter em mãos uma vida inteira de escolhas e perturbações.

E então chegar ao fim de um dia de trabalho pode ser algo intenso e mórbido
Encarar a madrugada de repouso pode ser um vacilo, uma hesitação do tirano que quereria reger as nações todas.
A não ser que o dia de trabalho tenha sido mero cumprimento de abnegações espirituais.
É, estou perdido, um tanto enlouquecido, esperto ao frio do culto
Expectante ao truque do idoso
Aspirante à difamação em meio aos bocejadores.

Às vezes os versos são só confissões imprudentes
Não podem ser mais que desabafos únicos e estupidamente sinceros.
Às vezes a ode suprema é um simples agradecimento à chance que a Vida dá de repararmos nela.
Às vezes a superação ulterior de si mesmo é uma inspiração pisciana
Ou uma confusão teimosa em que a vaidade se amarga por afinal pertencer ao tempo
Ou uma insolência inadmissível em que o orgulho se adocica por afinal não constatar-se a si onipotente.

Sei que amo
Que te amo
Que me amo
Sei do amor dos súditos pelo amo
E o amor constrói nossa sabedoria polindo nossa curiosidade com algum diamante axiomático.

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ESTÓRICO