Primevoo

Regozijai! Ah o ar puro do supremo amor!

Pelas calçadas megalopáticas da capital
Caminham ainda de mãos atadas o poeta e sua musa

Musa transestelar
De poros e pensares escancarados
Modelo e manequim irretocável de fotógrafos amadores da Vila Mariana

No ponto de ônibus duas senhoras veem passar o casal
Que estanca circunspecto subitamente para um beijo ardente

Toca um telefone na loja defronte
Rasgam os motores vociferantes pela rua mas o ósculo divino não se incomoda

Sem nódoas bastardas ou cânticos de reprimenda
A gratidão galopa destroçando a mesmice do passeio paralelepípedico

Pascente beijo o emplastro de todo engodo
Cura de toda fria obliquidade das almas

Flores lumessenciais ornam a lentidão do compasso
Ópa trepa à pitangueira a guerreira da emoção!
Gostoso gostosinho!

É vivaz meio-dia inconsternado de horários veronis
A hora varonil funde ponteiros e descompassa a pressa...

Regozijai! Ah o tempo maravilhoso da paixão confessa!
Da paixão brutalmente sincera e perfeccionista!

Anunciam-me tempestades em cada esquina
Mas o que vejo é a promessa do arco-íris

A paciência veste coroa de maduras daturas
Uma transeunte nauseabunda cata cacas de seu cãozinho
Crianças absortas afagam filhotes felinos às prateleiras do petshop banal

Linhas de ônibus e baldeações confusas não conduzem a esta felicidade
Tal amor pertence às calçadas machucadas do bairro velho
Às camadas esquecidas do palimpsesto multimorfo

Há guerras e produções cinematográficas multimilionárias em andamento

Mas ali
A três passos do ponto aleatório e suas duas senhorinhas desmoralizadas
De frente ao comércio deserto cujo telefone ninguém atendeu

Ali o poeta e sua musa
Estancam o passo e se beijam

E o universo deixa de rodar
Os oceanos cessam o agitar
Pombos e pássaros sortidos congelam ao ar

Na palma da mão de Deus
Que diga-se de paragem nunca precisou de Nietzsche para amar
No fluxo freado em velocidade de milagre

O beijo estala molhado
Olhares de indescritível ternura se entrelaçam
O dia cai e o mundo se esvai e se repõe em duas dúzias de segundos

A meditação completada
Tornam abstratos ao trânsito
Pitando sal sagaz na rotina destemperada...

Regozijai! Ah o ar puro do supremo amor!
Abençoados artistas da emoção
Esculpindo e polindo o marmóreo magma do coração!

Contemplar a vida e a criação
Abraçar a Deus
Entregar-se à redenção.

É uma nova eternidade respirando afoita
A borboleta ri seu riso visceral
As senhoras relembram sonhos de outrora
O asfalto ruge e o sol atravessa o cinza da segunda-feira parametral...

Regozijai!

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