Da Fidelidade Sintética

Ainda tenho esperança pelo ser humano, fé de que aquela antiga promessa se cumpra. Amo o passado e o presente como quem não tem escolha, construo a dignidade de chamar tudo que existe de perfeito pois reconheço a impossibilidade de qualquer coisa ser diferente do que é neste instante. Mas isso não elimina nossa habilidade de alterar o percurso em meio à jornada, isso não é um mero conformismo que afiança a perfeição universal a fim de abrir mão de qualquer esforço por transformação. A vida é um irretocável passível de polimento, uma obra máxima que convida à criação de novos capítulos.

Se me questionarem a sina desgovernada de acreditar na promessa do ser humano como um salto de inteligência no mundo, se caçoarem da minha vontade talvez juvenil ou otimista de ver a modernidade como um estágio belo e integrante da história de um aperfeiçoamento, faço apenas oferecer uma simples homenagem a meu avô, sábio jornalista, mestre vernacular que, em mil novecentos e oitenta, junto de parceiros de profissão igualmente prolixos, precisou buscar no dicionário o significado da palavra ecologia, quando esta subitamente passou a ser repetida por um visitante pragmaticamente vanguardista.

Se em trinta anos a ecologia passou de desconhecida ao que é hoje, quem sabe em outros trinta o ideal ainda obscuro de energia ilimitada e harmonia política global se torne algo corriqueiro e prioritário. Ainda creio na maioria esmagada, em sua vontade de superação, nos sonhos abafados da emoção, na genuína revolta do amor que semeia dúvida no lamaçal das certezas comodistas.

Sofro pelo mundo e pelo ser humano, por sua dor e seu horror. Mas sofro infinitamente mais por sua promessa, por tudo aquilo que ele poderia e quem sabe deveria ser, sofro pelo carvão que chegaria a ser diamante, pela rocha bruta enterrada que aguarda o supremo escultor. Sofro, mas alimento minha fé, com paciência e milênios à disposição, amamento a esperança de um dia a humanidade se tornar tudo aquilo que ela almeja ser.

A felicidade é rara, raros são os que vivem sem reclamar, sem culpar os divinos mecanismos pelas desgraças da superfície. Mas reclamar dos que reclamam ainda é reclamar. Danço para me libertar, canto para me reconhecer, danço e canto para me esquecer e então relembrar. A vida é fantástica, transtranscendental, é um sonho de olhos abertos e um sonho que sonha de olhos fechados. Minha alegria é a lealdade de amizades, é compartilhar elogios rebuscados à existência. O mais, são minhas fraquezas, que são também minha beleza.

Acredito ainda no ser humano e em sua suprema promessa. É este meu dom e minha arte. É este meu banquete, sirva-se à vontade.

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