Carta para um Eu Futuro

Às vezes eu me lembro, por uma ou por outra razão, algo me faz lembrar. Dela. Ainda dói. Talvez tentei apagar rápido demais, empurrar para longe as lembranças, pela dor que o rompimento trouxe. Mas a memória se mantém, queira ou não.

Comecei odiando o fim. Nosso fim. Odiei ela um tempo também. Depois me odiei, por ter me colocado na situação de amá-la. Me consolaram dizendo que todo amor é válido, que fica marcado em nosso aprendizado. Tentaram. Quem sabe agora eu possa me consolar. Sei que ela não vai voltar. E se ela sente minha falta, ou se um dia vai sentir, se um dia vai me querer de novo, nada disso eu sei. Quem sabe alguma coisa boa tenha ficado, algo do que eu fui tenha sido positivo para ela. Mas não posso ter certeza.

Sei que ela se cansou de mim. Ela nunca realmente quis aquilo como eu quis. Precisei convencê-la a estar perto de mim. Depois de um tempo, numa ou noutra ocasiões, ela parecia me amar, falou isso com todas as letras, ela que nunca expunha assim seus sentimentos. Ao menos não para mim. Quis que ela se desse mal com outros, que sofresse com os próximos, para entender o quão bom eu era. Ou quão bom poderia ter sido, se ela tivesse lutado, se entregado. Mas isso tudo é uma fantasia estúpida. Tudo é o que tem que ser, sem vírgulas que se possa alterar.

Amores vêm e vão. Não tenho problemas com fins ou começos. Gosto deles. Para um lado e para outro, significam liberdades. Liberdade de acariciar ou de procurar. Liberdade para mergulhar na intimidade, ou para garimpar novas escolhas. Amor eterno, se um dia vou vivê-lo, quem sabe. Mas não tenho problemas com começos e fins, enquanto isso. Minha angústia, minha dor, não é perceber que o amor se apagou, que a história terminou. O sofrimento dessa passagem é uma noção de um amor que não esteve realmente lá. De que ela nunca esteve realmente lá. Comigo.

Os beijos, aconteceram. Mas foram apressados, intensos demais, como que empurrados. A paixão, aconteceu. Depois ela me disse que eu fugia para a paixão, enquanto as dificuldades ficavam de lado, sem solução. Eu só achei que estava fazendo amor com quem me amava. Para mim, não era uma fuga, era uma alegria. Mas eu realmente me tornei um chato, aos poucos. Percebi isso claramente. Para ela, tudo estava normal, as coisas que ela me falava, o jeito como me tratava. Mas eu sofria, punhaladas certas, aqui e ali, pouco a pouco me indispunham. Eu fugi da minha própria consciência, da percepção de que estava sendo destratado.

Ainda dói. Às vezes algo me faz lembrar dela. De um jeito ou de outro, vou me lembrar dela. Mas quero guardar algo bom disso, tornar esse veneno que ainda me corrói, em bálsamo. Foi bonito, teve seus momentos. Eu estava lá, ao menos. Eu tentei. Fiz tudo que pude, lutei pela conexão. Mas não houve recíproca. E enquanto eu tentava desenvolver uma proximidade, ela parecia fazer de tudo para se manter distante. Ela nunca tirou uma foto de nós dois. Nunca vestiu aquele vestido que eu trouxe de presente de viagem. Nós nunca acordamos juntos, nunca nos beijamos após uma noite de sono lado a lado. Pressa e pressão. Não havia solução.

Agora ela está longe. Sei que ela vai ser feliz, seguir seu caminho. Sei que ela vai fazer coisas que vão me machucar, se um dia eu ficar sabendo. Ela já está fazendo isso, sei que está. E eu previ que faria, seja como for. Tudo que preciso é olhar para a situação de uma maneira positiva, entender que não podia fazer nada além do que fiz. Ao menos, aprendi que sei amar, de mais um jeito.

Aprendi que meu amor é forte. Que sei cuidar de uma mulher. Que posso dar aquilo de que ela precisa. Se for de mim que ela quiser receber, enfim. É essa a lição. Sentir a recíproca. Dos gestos, da entrega, do compromisso, da curiosidade. Sentir que existe uma escolha consciente, de boa vontade. Poder enxergar com clareza que a conexão evolui com a soma das intenções, com a combinação das decisões.

Já não importa tanto o que ela nunca fez. A água vai me salvar, a água sempre salva. Pelo suor, pelas lágrimas, pela saliva que ri, que fala e que cala. Algo bom vai ficar disso tudo. E eu vou conseguir recomeçar, mais uma vez, recomeçar.

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