Desabandono

Sequestrado por minha alma
O corpo é agora refém
Daquilo por detrás do detrás de mim

Aquilo que vê com olhos pralém do rosto
Aquilo que sabe dançar e quicar isento das gravidades

O que não ouve o som
Mas as totalidades musicais
O que não o sente o cheiro
Mas captura o flagrante fragrante
Que não entende o sentimento
Nem se importa em senão sentir

Que é pra alma o entender?
Que é senão sentir com as pontas dos pelos e cabelos?
Que é a razão senão o que sente o cerebelo?

 Sequestrado por minha alma
O coração agora cativo da arte esmera
Amando em vôo sucinto acima dos bueiros

Subjugado pelo supremo silêncio de mim
Aquilo eterno que não desabafa nem desalenta
Aquilo sóbrio e sórdido que beija a tormenta

Transparência cor e profundeza me ajeitam
Toda canina lealdade vibra ao pé de mim
Renasce a paixão pela folha em branco

Mãos que pela superfície alcançam o âmago de tudo e nada
Hálito dileto soprando bálsamos sutis no exposto
Despertar alegre do orvalho que o mundo renova a cada manhã

Aquilo que respira ritmo e ginga antes do ar
Aquilo que abraça as estrelas com braços abertos

Que investiga o pulso do impulso
Sem ceder à densa repulsa
Que não troca por troças a trova
Nem morre de sede ao deserto
O que não rejeita os espinhos
E faz da dor doce oceano

Que é viver para a alma?
Que é senão se erguer onde tudo faz dobrar?
Que é o viver pra alma senão sonhar o sol na meia-noite absoluta?

Sequestro divino
A alma cheia de graça
Não negocia resgate
Nem ata os punhos do prisioneiro

Sequestro sagrado
A alma criminosa
Não contesta a liberdade
Nem esconde as chaves do carcereiro.

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ESTÓRICO