Da Cumplicidade

o riso da hiena
esganiçado em volúpia abutre

há os que desprezam e ignoram ao dinheiro e vivem àrroda das estradas em intermináveis prenúncios de perfeições irretocáveis e absolutamente mundanamente exprementáveis

há os que se apegam à arte da destruição de ídolos e transmitem em singelas monstruosidades sonoras a caliente paciente irreverência indomável do profundo conhecer-se a si

há os que lutam intimamente contra as vinganças perpetradas quase imperceptivelmente através dos desabafos e dos testemunhos amargos de aprendizado moralizante

em simplicidade
engana-se o alienado que crê a caridade valor reservado unicamente aos miseráveis
engana-se o alienado que crê o conforto luxuoso ulterior segurança aos ladrões
engana-se o alienado que crê a medida de sua percepção o limite de sua devoção

são infinitos os caminhos ao futuro
isto enquanto estivermos presentes
que naturalmente inclusive o indigente carrega qualquer pedra chamada virtude caridosa
preciosa ou de tolos a pedra seja a que seja
assinalada virtude caridosa
que em todo peito humano pulsa um coração genérico
e formalmente modernamente o desinteresse pra consigo mesmo é um bem irrefutável

porém também o indíviduo corrompe o dogma
esta invenção tão recente e tão misteriosa
a fronteira da presença individual separando eu de você e nós de nós
o apego à manutenção da loucura em prol dum talento
ao contrário da antiquíssima neurose coletiva que nutria à loucura em prol da justiça

ah, justiça, palavra funesta
regimento acabrunhado das constituições de silício e silicone
justiça moderna, teus juízes decadentes e teus veredictos tão carentes
carentes de justiça afinal
da justiça que o indivíduo inventa a si e somente ele mesmo pode compreender e consentir
da justiça silenciosa furiosa decapitando a mando de disposições apenas estomacais

quisera cantar ao mundo o avesso de minha tristeza
tornar colorida a treva desta celebração

quisera presentear ao leitor
com um arrepio bem gelado
e honrar em sua atenção
a precisa tensão do bailado

Virada

aprendi a cronometrar minha lucidez
estender e distender minha alegria em incólume transe

aprendi a entender o fundo profundo das coisas
libertino e liberto das agudas bronquites
um mutante em inspirações destroçantes exaustantes
conquistando presença em solidão inequívoca
presenteando a si mesmo com dúvidas perversas e certezas ainda mais cruéis
bailando como touro em tourada
sangrando mel de marimbondos
contraindo tantra em axiomática elucubração
ceifando dores e propósitos em solilóquio imperativo
nato caçador de imprevisíveis mananciais
rubra juba dum rei do fractal de si

e sigo inconformado
apesar de atento e displicente pra com minha insatisfação -
talvez até um tanto satisfeito do mundo e da vida
como se satisfaz uma tarântula no liquefazer em peçonha à vítima
como se satisfaz uma manada de gnus em estouro mortífero
como se satisfaz a abelha em sua empreitada fatal de proteção do lar
como se satisfaz um espírito demasiado humano na ceia da musa
como se satisfaz um hálito demasiado nítido no constranger-se de toda impulsividade

sigo também entre melancólico e comediante
como uma ponte atravessando um abismo infinito, ponte que termina anelando sobre si mesma, ponte que se torna anel e anelo duma vontade de mártir e profeta
entre esfaimado e glutão
alguma pretensão
quem sabe, talvez um talento em ação
um alento que é benção
a nobreza duma intenção
espargida em incredulidade asceta
amainada em delinquente malícia
abusada pelo constante movimento imperceptível das coisas pordebaixo de seus nomes coisificantes
os cunhos enclausurantes
termos indeterminantes
intermináveis teias de insegurança documentando às falhas e seus fiéis desatinos como a honestidades hipocritamente controversas
dissolvendo a maldade em estulto ócio
corrompendo a bile dos frágeis em desjejum ardente de apimentadas omeletes
sancionando a irrefreabilidade duma habilidade simplória
permissão de intrusão
julgamento sem juiz nem carrasco - a vítima em soberania escolhendo sua própria punição

um lance de dados em trapaça
ternura Afrodite

Banho Frio

de tanto abuso o brinquero quase quebra -
fantásticas epopéias sobre maratonas da libido

numerei e cataloguei organogramas de valores
planifiquei os abismos do desespero e conferi à minha virtude sentido humano -
bebi da mais fresca fonte e repousei ao mais delicado regato
sonhei com preces atendidas e despertei solene em sorriso solar

pouco a pouco me dei conta de minha inevitável expiração
da sutil surrealidade da posse de meus gestos
do pormenorizar de eloqüências tão abruptamente exigido por minha solidão

pouco a pouco me entreguei à tarefa de morcego insone
detalhando sensações e sentimentos em deletrear vilipendioso
sugando sangue inocente no descuido do breu
preparando armadilhas aos ladrões e mágicas poções aos fanfarrões
deitando poesia à brancura como deita veneno à presa a cascavel
sacudindo a poeira milenar de idolatrias superticiosas
estilhaçando os espelhos da conscienciosidade, do altruísmo, da bondade
impacientando-me em deleite de meditação
atraindo em magnetismo meu irreversível, meu funesto, meu ensandecido mestre
Picasso de olhos cerrados violentando sua musa tão grata pelo estupro
Einstein espirrando pigarro na banheira morna pai duma quântica bruxaria
Jung tão confuso em sua circunspecção delimitante, horror da liberdade de gênero e razão da desrazão esquecida da multiplicidade de faces do cristal
Bonaparte em sua seita inaudita rogando à Maria compassiva um oblíqüo oblivion de dinamite e igualdade de direitos

a desgraça de aperceber-se antípoda de inúmeros antepassados
a alegria de reger-se a si déspota magnificente
capitão da nau do templo chamado corpo
rei dum castelo de ossos e músculos
insígnia sórdida do falo estupendo
mortiça irrepreensibilidade em soluços fragrantes de lírios delirantes

um despudor em sucesso e retorno
esfaimante amante
salivar escaldante

Pródigo Retorno

não me querem aqui

não querem o ingrato
o bicho selvagem sereno que prefere o chão duro de campanha à cama burguesa rainha das escoliozes
o bicho feio feroz e suas bacias de salada indecentes
não querem aqui o ingrato barulhento em seus maracatus e bebops solos
o corneteiro sorveteiro malévolo expondo sempre o fato no flato

não me querem aqui
querem o bicho no mato longe onde a cantoria de lavadeira passe desapercebida
onde os grandes mitos e suas tumbas e catacumbas estejam reservadas ao silêncio bestial do medo
onde a felicidade é prática que não se dá conta de si
onde vivem os outros bichos selvagens indomados javalis nojentos babando grunhindo fumaças azuis e lilás em ilhas pluviais

e eu não me quero aqui
não me que em sujeição de caráter
cabisbaixo
tendo de apoio uma cama de faquir
não me quero aqui
desgostoso das atitudes em que irrefreado rebento de ódio de bicho
desgostoso de meu coração por força de regras e cronogramas em que uns não partilhem das conquistas dos outréns

e não me deito com putas
nem me apetece a constelação das anfetaminas
e por tanto portanto vou embora pra um adestino
antidestino da andança pela estrada sem fim do brazyw de macunaíma
indestino do intestino forte e distante vagueando na brisa como dente de leão prenhe

Bitinique

conquanto contratempos e amiúde desventuras porventura fora do tempo imensas alegrias
unolho escancarado
ôxxh benza dja pai do dia
fina finalidade finalmente levando a um fim.

sabedoria sofrida da sardinha na latinha
faroeste caboclo nas transversais de asfalto e vidro temperado
arroze fejão
boatos de saudades que sentem de mim lá de onde vim no onde me sinto tão só.

lucidez portabandeira esvoaçante flagueando golfinhês
zamzaras xibalbas siãos agartas pangéas macedônias espartas cavalcantes
picote nela
suadouro invisível no deserto cerrado batizando de fúria silente o bitradeiro.

xiquexique amizades enervantes a partilha impensada do sacrossanto pão
o de ruim àtrás e tudo de bom vai que vai venha venha
mamaluca superação
certezas místicas cintilando presença ônix magenta em bacolejos violentos.

ESTÓRICO