Combonos

Um homem
tem de saber
ter suas favoritas

e mais que isso, tem
de saber mui bem
escolhê-las.

Um homem
deve saber
alimentar-se de enigmas

alimentar-se do caos
da incompreensão rugidia
do poder da semente diminuta.

Um homem
tem de aprender
a ter suas favoritas

e tornar-se mestre, em
fazer delas enigmas
incompreensões
e sementes...

Trimão

Se na prática
não há diferença
entre o eu e o objeto,

se sou das coisas o mesmo
em quântica inefável
se sou pedra e ar...

Mas há nisso desespero:
ser todas as coisas -
e nenhuma!

Pois se fria e calculadamente
sou o dentro e o fora imoderados,
poeticamente

abraçadamente
há sim uma linha esgazeada
que me permite um nome entre nomes...

aquilo mutável
vulnerável mas feroz

que subsiste em mim
de toda adaptação

-aquilo que define
esta pele que chamo minha

aquilo que a separa
de uma e outra peles:

não é científico...

a fronteira...

é poesia,
pura e salgada
criação poética...

Grátis Gratidão

Queres saber
dos mistérios o maior?

Queres encontrar
em você seu melhor?

Queres ver
além-de-ver
toda magia se reter
toda alegria se sorver?

Desejas...?
... tal visão?...

Pois nada há mais simples:

Apenas
pense em ter
gratidão para com a vida,

crie vera e profunda gratidão
para com a vida
e a melhor ação
sobrevirá.

Do Caos à Lama

A lama
me chama.

Fria
molhada
mas tão passível de calor
tão receptiva à ensolação.

Só quem dançou na lama
sabe que ela esquenta sob os pés.

Deus
dançou sobre a lama do vazio
e do pisoteio nasceu o cosmos.

O melhor de mim
dançou sobre a lama
e da jornada veio a alma.

Alma
e lama
-um anagrama inesperado!

Deus criou a lama
como berço da alma,
e se em sirius ou centauros
houver uma argamassa díspar disforme
composta das substâncias mais absurdas,
mesmo que não haja linguagem
nem a mínima noção do senso
ainda em tal mundo distante,
daonde brotar ali vida -

Isto será ainda lama.

( ... )

Serão suficientes?

As palavras?...
dificilmente...

Com palavras não consigo
colocar a lama sob teus pés
descalços furiosos bailarinos...

tens de te locomover até ela...
louco, mova-te!

À lama!

Vem entender
àquilo que,
somando ar e um relâmpago

terminamos por chamar
de ser humano.

A Árvore Dos Sonhos

Não podemos
nunca
abandonar nossas origens...

e sei
que o eu
melhor meu
nasceu do ventre do atabaque...

a pensar comigo
imagino
se não gostarias de me acompanhar...

se te apetece
o pito, -

o doudo dulce
os préstimos
as alturas sublimes?

Vem
vamos viajar
até a manhã chegar

beber um bom vinho
destilar do sonho
a realidade
as promessas mudas...

Vem
corra
cumule impulso

veloz venha!
não olhes!
-apenas ... veja!
veja tudo,
tudo que é cada nada!

há tanto tempo...
que te quero dizer...
isto que me engasga...

todo este amor
que recebo
e que busco retribuir,

e só peço por uma coisa,
só peço pela humilde paciência
pelo canto de flauta do pássaro eterno...

(é finda a metamorfose, rompe-se o casulo)

Gratidão.

Gratidão.

Gratidão.

(é finda a metamorfose, alça asas a borboleta)

Silêncio.

Pé de Moça

Não me deixe te dizer
em que acreditar
ou como fazer tuas coisas
viver tua vida.

Não me deixe insistir contigo
no que é o bom e o ruim
no que é a honra ou a desgraça
com quantos paus se faz uma canoa.

Não me deixa te dizer
como eu não deixei dizerem pra mim
como não permiti você se intrometer
nem abri todas as portas da alma -

Porque tais e quais portas abertas só atrapalham o trajeto!

Não me permita te ensinar
nem tampouco se faça de sonso
evite ao máximo pensar como eu penso
porque do que penso até eu mesmo pouco ou nada sei!

Não me deixe delinear em ti
as bordas e núcleos do sonho
os fios e gumes agudos da opinião
não me entregue teus valores
nem os deixe a ver navios
desfaça-se do modelo do exemplo
esqueça a regra e os títulos

-mas atenha-se ao que segue,
o fixo e ilusoriamente fixo
a aura da permanência irremovível

atenha-se ao eterno interino
à tensa ternura do que vem a ser
atenha-se ao sopro da imortalidade:

porque, realmente
uma imagem
vale mais que mil palavras.

Invicções

Abracei o impossível -
Fiz amor com ele.

(de mim parte uma seta de anil chumbado
que atravessa o coração do mundo)

Abracei a vida,

todo seu descaso, todo seu horror
abracei dos males o pior, toda dor
abracei de braços abertos, em flor
abracei a vida e sua violência cabal

E ela
Ah imensa e eterna musa!
Ela com seus braços luzidios
de fúria esparsa e misteriosa
Ela com seus dedos
tateando as bordas reversas do infinito

Ela me abraçou de volta
Ela me sorriu de volta e assentiu
Fez de toda vida o meu despertar...

e então
terei morrido e tornado?

terei num piscar de olhos
visitado a fonte das fontes
reencontrado a origem das origens?

Pode um lapso
a lástima dum átimo de esquecimento
oferecer desta vez uma terceira inocência?...

(de mim parte uma seta de anil chumbado
que atravessa o coração do mundo)

Catálises

"Cada vez que pensamos que o problema não é nosso,
essa atitude é o problema."


o mundo... e a vida...
não são problemas nossos?...


- falar que tudo é problema nosso 
é quase se abster de todos eles e sentir
no fundo que nenhum deles é realmente nosso... 
É mais funcional perceber o que nos cabe
que nos diz respeito e assim mudar 
não virar mais uma utopia...


- mas se mudamos o que está próximo e dentro 
assim fazendo simplesmente nossa parte...
isso não poderia ser exatamente cuidar 
dos problemas do mundo e da vida?...

Olho Dos Olhos

Consideremos a seguinte observação:


informação -> conhecimento -> sabedoria -> cultura -> espírito


A informação são os grãos colhidos pouco a pouco pela curiosidade, mas para que a informação ganhe vida e propósito, ela precisa se superar através da interação. Quando as informações interagem, elas formam conglomerados inteligentes estruturais, as redes do conhecimento. Mas o conhecimento também precisa se superar através da interação, pois somente em relação direta e transformadora com outros conhecimentos ele pode se tornar sabedoria.


A sabedoria é a capacidade dos conhecimentos de interagirem com a realidade, assim tornando o aprendizado introspectivo, em verdadeira prática de vivência no mundo. Eventualmente diversas sabedorias esparsas se reunirão, atraídas pelas densas gravidades umas das outras. Em seus choques, embates e matrimônios, as sabedorias serão vagarosamente destiladas pela ditadura eterna da natureza, até que as mais vigorosas e empáticas enfim se aglutinarão sob uma mesma égide, uma mesma tábua de valores e conceitos mais ou menos fixos ou dinâmicos, que chamarão sua cultura.


A cultura se caracteriza portanto como um método de harmonização interna entre múltiplas sabedorias, sabedorias que por sua vez eram um método de harmonização interna entre múltiplos conhecimentos, conhecimentos que por sua vez eram um método de harmonização interna entre múltiplas informações. Mas e quando as culturas se encontram?


Bem, quando as culturas se encontram, ou melhor, quando seus mundos colidem, teremos resultados tão variados que os chamaremos sumariamente de guerras, de esperanças, de ciências e de divindades. Quando as culturas se encontram fica claro que, apesar de o ser humano ser verdadeiramente, absolutamente incapaz de compreender a totalidade do objetivo maior para o qual serve no universo, ainda assim ele é plenamente capaz de compreender a parte que lhe cabe nesta plano supremo, a minúscula mas imensa fatia de responsabilidade e beleza que lhe pertende dentro deste mesmo propósito. O fenômeno da cultura confirma que a compreensão nãé um requisito para a cooperação.


Enfim, quando as culturas se harmonizam, produz-se com efeito aquilo que em tempos mais polidos e perseverantes se chamava espírito. O espírito considerado como a habilidade da inteligência magnânima de reconhecer-se e estudar-se a si mesma e aos próximos, espírito como a capacidade transcendental da transmutação, herdada através da reciclagem infinita de todas as gerações da existência, herança descontada constantemente no agora imponderável.


Como se pode presumir, a interação dos espíritos finalmente daria luz a ainda um outro mecanismo, que seria por sua vez um método de harmonização interna entre os vários espíritos viventes. Como poderíamos chamar a isto?


Aqui, o xamãnismo pode nos ajudar. No xamãnismo, a evolução do desenvolvimento de cada pessoa é entendida como pautada por ciclos de sete anos. Em paralelo ao esquema da observação original, podemos dizer que:


terra -> ar-> fogo -> água -> estrela


A terra é a fase da primeira infância, a criança cria suas primeiras memórias, fixa suas primeiras raízes emocionais e intelectuais sobre a face do mundo. No ciclo da terra aprendemos a nos relacionar com o fato de que estamos vivos, de que nascemos e dependemos de outras pessoas e de que todos estamos sobre uma mesma casca de ovo maravilhosa e misteriosa cunhada planeta. Na segunda fase, o ciclo prévio à adolescência, o ar é a grande novidade, o ar como elemento que representa a expressividade, a força do raciocínio e do senso de virtude e verdade, o ar como totem da energia vital, integrando assim a comunicação e a interação como recursos necessários para o surgimento das revoluções positivas.


O fogo, como terceiro ciclo, explica a puberdade e o nascimento do ente sexual, da entidade reprodutora humana mais ou menos leal ou ignorante. O fogo é o desejo essencial do instinto, é a fome e a sede que precisam ser saciadas, a malícia que precisa conquistar e gozar da conquista. O fogo, claro, pode queimar, e brincar com ele pode causar descontroles mictórios cedo ou tarde na bonança ou na aposentadoria. Finalmente a água toma sua vez, e encerrando o ciclo dos quatro elementos, acalma e refresca a fogueira, o vulcão que até então queimava. A rebeldia se torna vontade de trabalho, a imprudência se torna uma busca por gratidão, uma saga pela criação de algo inédito que possa quem sabe, no mais brilhante dos sonhos, ser uma recompensa à própria vida por nos ter criado.


Enfim, maduro, o indivíduo alcança o estágio de estrela, que é a fusão de todos os níveis num mesmo. Neste ponto ele sabe que a vida é vivida sobre a terra, que o ar é a energia e a linguagem, que o fogo cura e aquece o âmago das paixões e das entranhas, e que a água é a grande mãe, que esclarece a estratégia vitoriosa simplesmente contornando seus obstáculos. Então se está preparado para o vôo longínquo, para o destino único da personalidade dedicada, para a postura, os gestos, e os pensamentos do sol de si mesmo.


Claro que depois disto, nos perguntaremos, e quando as estrelas entram em interação, em evolução? Bem, esta seria exatamente a mesma questão do que acontece quando os espíritos se fundem para criar um único objetivo sublime, mas usando-se de outras palavras, por meio de diferentes cosmologias. Resta-nos o enigma: o que seria a supernova dos espíritos?


Em suma, podemos certamente afirmar correta, em todos os âmbitos cósmicos, a seguinte equação:


inteligência + amor = evolução

Da Treslação Fisiônica

Quero construir o sentimento perfeito
quero dançar sempre de dentro pra fora-

e o que é o querer nesta trança líquida
o que é querer qualquer coisa nesta perdição de sílabas truculentas
o que é desejar qualquer coisa

no vão aberto da poesia que escorre
que sua pelos músculos do destino maravilhoso
desejar números ou nomes pra se alcançar o divino de tudo que há
o que é esta canção que sempre me puxa de novo pro âmago de si

-sim!

ela me leva ao âmago de mim

ela é mais que minha entrelinha

é o parágrafo sem bordas nem maiúsculas

é estes espaços forçados pra mostrar a música de fundo

...

são estas retiscências

...

estas retiscências espaçadas dentro do tudo infinito que cabe dentro do si

...

este retiscenciar incólume e pagão

que mais inspira suspiros de impaciência...

Folgazão a brincar de rebarbas
nas fossas áureas dos cadernos verticais

brejeiro metido a fauno, pontuando com uma vírgula a pancada
o soco gostoso do infinito que nos compõe...

...

dando faces fagueiro
em todo branco em que se mergulhe.

Publicação Especial -Homenagem ao Mestre

O Ar



"Este blog atingiu o ponto em que a emoção virou comoção ...
   e com o coração nas mãos que dedos são , digito em tremulação o pouco deste sentimento , em aflição ...
   Se eu escorregar , cair , e não mais me levantar , não precisais 
de me vir levantar , porque na hora em que a mão amiga a mim se estender , o que achareis não será o meu corpo , nem qualquer réstea semeada neste preto embrulhado em vermelho em forma de palavras que a minha alma ditou ... 
   Não , não encontrareis do corpo - meu - nada !
   Olhai para o céu ! Vedes o azul ? É lá que moram todas as 
linguagens que emanam deste espaço humano que somos todos nós ; é lá que todas elas se encontram e comunicam ...
   A atmosfera , energia em movimento , encarrega-se de elevar 
e levar a outros mundos , a todos os mundos jamais alcançados , o produto ou soma de tudo o que é essencial ao unviverso , porque não há nada mais leve e imponderável do que o pensamento e tudo o que é imponderável pode habitar qualquer lugar no espaço dos
   infinitos .
   Longe de mim cair na presunção de que este corpo que me 
transporta produziu algo que outras civilizações aproveitarão , o que eu estou a afirmar é substancialmente diferente : 
   - Tudo fica disponível enquanto somos seres vivos e para além da vida ; tudo está e é pairando ... algures ...
   Quem sabe no mundo x tempo y haja uma simetria , imagem , de 
nós mesmos .
   Passamos a vida a fazer cópias de segurança , salvaguardando as 
coisas que consideramos importantes guardar. Presumir que o fazemos apenas porque , agindo desse modo , protegemos o que é nosso - é presumir o imediato !
   As flores silvestres , as pedras e tantas outras coisas , são nossas ?
   Quem disse que o são ?
   Em suma o que é nosso é de mais alguém também ...
   Aqui e além ...
"


Vagueios

Se toda planta
tem sua flor

a árvore homem
que flor terá?...

(pausa intelectual
- em prol do fluxo emocional)

A prioridade
é o ritmo.

Ritmo
do silêncio
ritmo de pensamentos certos.

Ritmos da amplitude
dos horizontes vespertinos!

Em cadência
atento ao suíngue
lá estará -

Lá estará o melhor de você.

Cambiando Marchas

Diria que há
o sonhador
mundanamente leal,

diria que apesar
de ele não ter um coração de pedra,
tem um coração tão forte e calejado
que quase passa por um insensível...

Talvez haja o 'recomendável',
mas e o mais elevado?

-não seria o sublime da existência
tão perigoso e raro ao ponto de
se tornar 'não recomendável'...?...

Veramente, o amor pode
e deve matar muitos eus,

mas o eu derradeiro,
sinto que ao despontar
no horizonte da luz,

ele não deixará de carregar
sentimentos nobres
por debaixo de suas pesadas armaduras.

Anelus Matutinus

De repente eu vejo:
é isto o que eu quero ser.

De repente eu vejo
porque afinal significa tanto pra mim!

Tenho que voltar
pro lugar
de onde eu vim.

(...encontre sua força e saberá em que acreditar...)

ESTÓRICO