Perfecção

Minha vida é um haiku
Folha solta ao vento
Ave em primevo vôo.

Minha vida não é minha
É a vida dos ventos livres
Que não voltam nem repetem.

A vida é um tempo astuto
Escapando nobre ao estulto
É toda noção de economia.

O tempo é o sabor sentido
É o sentimento firmado
Firmamento da desdita.

A sabedoria é infantil
E a maturidade inalcançável
Sonho louco da vigília.

Damos nomes pra escapar
Olhamos horas pra impensar
Botamos preços pra preguiçar.

Sou uma bobeirada
Em desatino apressado
Contagem regressiva agressiva.

Vestes rasgadas felizes
Somos filhos do amanhã
Dando força à mãe terra.

Improvisão

Larga dose de moralina
Depacotaram Elis Regina!

Rumo ao universo paralelo
Troquei cocaína por copaíba
E não destroco mais não sinhô!

Andirobas e janagubas
Babaçus ah cura milagrosa
Meu sangue é leite de coco adocicado
O momento implode silencioso a aurora massoterapêutica.

Me banho com sabão
Que sabonete é coisa de fresco
Quero alma lavada
Parcerias livres retas firmes como eu
Como o não eu infinitesimal do buda
Quero jade lapidado polido a gema mais rara
Traduzir o arrepio
Quero troçar em termos minha alegria violenta
Minha libertinagem truculenta
Deixando àtrás a inveja frígida do cristão repressivo
Quero desenhar em linhas abstratas a mônada de minha atividade
Pintar surrealista os borrões coloridos da fronteira entre sonho e real.

O máximo de mim
Por favor
É o que peço ao vazio.

O máximo de mim
Sempre
É o que peço à espacialidade incerta
Ao silêncio que talvez tem olhos e ouvidos
Preciso do máximo de mim
Que meus amigos me ajudem
Me ignorem e sigam colossais
Se notarem que me desleixo
Que me relapso das vovós sagradas a que sou grato.

Quero falar lá no alto
Alto e claro
Como lêsse grandes letras escritas no céu
Pra todos me entenderem
Preciso ser entendido
E preciso te entender!

Vagabundo
Fala alto e claro
Grita sem rasgar
Grita grave sem arranhar
Sem caretas
Seje macho
Fale grosso porra!

Irmandade espartana
Amaciamos escudos e espadas
No cotidiano fútil das encenações
Gastamos solados cingimo-nos bolhas doídas
Lascamos dentes vertemos sangue e ossos precavidos
Mutilações morosas que nos permitimos em nome da suprema dureza.

O fraco aponta-me meus erros
Mordo-lhe fora o dedo imbecil!

Mastigo juntas degusto o sumo
Ele agora reclama arrepende-se de julgar
Covarde cozinhando gastrites sem cura
Destroçando a sapiência renal
Perdendo a chance de ser sol e água cristal
Deixando de lado a suposição mais corajosa.

Suposição da liberdade
Ilusão de domínio da ação
Nosso controle é mínimo
Quase completamente desprezível
A opção que temos é quase nenhuma
É contrair-se revolto à inanição
Espasmo rígido de toda fibra
Ímpia expansão em todas direções
É repousar inerte em mãe terra cheirosa
E levantar-se com a força pura do olhar
Do foco que seleciona e magnetiza
Observação ativa que faz ímã
E une à obrigação os predestinados.

Endomorfismo

Quando duas pedras se fundem
Além dos confrontos faiscantes
Quando duas pedras penetram
Casam e combinam pedra nova.

Os raios coloridos num coração transparente
Elementos diversos que alteram o cristalino
Ela cravou em mim novo mineral fez forja
Ruiva sarará deu tom diverso ao pedregulho.

Depois ela se questiona se duvida
E eu pergunto serei só eu certeiro?
Devo eu estar sempre em certeza
E ignorar a fraqueza sobrepujá-la?
Devo ser carrasco que não ouve
E fingir não sentir o medo dela?
Ser só eu o completo inteiro
Sempre a restaurar a insegura?

Mas daí ela quer crer em liberdade
Quer dizer que há escolha decisão
Então deixo que ela reflita o medo
Quem sabe a ilusão acalme aceite
E sejamos só um par de pássaros
Sentados num galho antes vago
Um par de pinguins determinados
Empurrados pela inescolha viva.

À Mão

Escrever à mão
Tem seu encanto
Gostinho de coisa da vovó
Aquele bolinho de fubá incomparável.

Vê-se bem
Se o autor vem em flocos
Crocante ou mais redondiço
Como a caligrafia acusasse mais intimidade
A garranchada fizesse sentido mais humano
Que hoje em dia nem toda prosa tem seu original
E quem sabe aos poetas do futuro
Em épocas um pouco mais distantes
Seja incompreensível a maisvalia do manuscrito
Que se se esqueça o porquê dum pequeno pedaço de papel arranhado poder vir a valer milhões em museus.

Que se se esqueça a noção soberba de eficiência e economia possível
Que a criança apreende quando é forçada a caber numa folha finita
E ela ainda tem tanto a dizer
Mas as linhas se exiguem e vem o sonho
Escrever em letras menores
Mais detalhadas
Legíveis
Mínimas
Querer expremer o máximo da eloquência ainda secreta no branco da página.

E já não pula mais linhas entre estrofes
Adota símbolos para transcrição posterior.

E começa a abreviar palavras
E a usar vagas na seda virgem até então jamais tocadas
Aqueles contornos horríveis entorno das espirais da cadernetinha.

E glozo comigo
Querendo ver valer o verde posto ao chão
Que habita este seminal embrulho
A agenda inusada.

Então solução
Compressão
Menos é mais
Sempre
Sim
Pouco mais precisa ser dito
É o milagre.

Como me dissessem que só poderei dizer mais mil palavras em meu espírito
Que diria então?
O que?

Que amo a tudo e todos
Que todos merecemos ser felizes
E que isso é muito fácil
Se a gente leva a sério toda aquela antiga lengalenga
Sobre o caminho do bem
Da paz
De ajudar o outro a se sarar e alumiar
É tarefa dos mais maduros a de alimpar e ensinar
Pois sem estas simples obrigações
Como pensaremos um futuro digno ao homem?

Não posso mudar o passado.

Mas vivo por ele e por tudo que me tocou
E por todo futuro que também viverá pelo passado como vivi.

E hoje agora será um dia o passado inspirador
Que não
Não
Mil vezes não!
Não deixou esquecer que o que mais conta
Vai ser sempre a alegria de trocar alegrias com os outros.

Negócio

Abrir bem todos olhos
Aprumar-se ereto pétrio
Equilibrar verbos e hálito
Genética e fenética cósmica.

Tensão desenrolada em eixo
Arrepio assustador denunciando a natureza de energia
De biomassa ululante suave sutil
Ondulantes chapadões plásmicos cristais
Ressurreições de ventos e águas refrescantes
A brisa do mar
Um vizinho de condomínio usando a serradeira contra algum cobre
O ventilador no três
Fortaleza incrível ô meu Ceará!

Relaxar as mãos
Relaxar o coração das mãos
Respirar o sal da fêz viva
Ai tiros em meio da rua!
Ai balas perdidas da esquina violenta
Mulheres gritando socorro estridente
À beira oceano
Caboclos descontrolados da grande esquina
Pânico e furor dominam o horizonte
Ai sarrafas de espoleta
Ai medos desgovernados da imprevisão
Brasil escorraçado
Chibateado ao osso
Brasil feliz ignorante fechado em arcondicionado
Vacilando entre frízeres ambulantes chiques
E a oblonga tropicalidade
Vera ardência transparente equatorial
Sopra fétida decomposição das toneladas de caranguejos camarões e lagostas
Se nado sempre enfrente dou com caras em Mama África!
E a histeria das vítimas dos assassinos de aluguel em plena Santos Dumont
Passa esmagada sem testemunho
Silenciada nos jogos virtuais.

Talvez preguiça
Que não deixa corrigir
Que prefere abandonar intocado
Ou euforia vergonhosa
Desencanando do imaginário
Desencantando
E cantando
Ah sempre cantando!

Cantando e fingindo
Verdades e mais verdades
Finjo verdades mentidas
Porquê só assim nascem as verdades
Do seio da ilusão
Sempre do inebriante
Do psicodélico alucinante as mil cores do sultão supremo
Da cauda do pavão transmundano
Oblíquio sóbrio com seus chás maternos
Engolindo choro
Desfazendo o bico
Abrir todos os olhos
Venham todas as imagens!
Ai denso torpor!
A que me levo?
Sou mãos destravadas distraídas
Gozando sanha enssoletreio!
Suor que não vem mais à tôna
Ah santa guilhermina ah santa ana de todos os santos
Teus lábios vermelhos de batom degustado
A cigarrilha carregando larga cinza
Ah santa engraçada
Teu despudor levou à santidade da dureza
Provou as formas e as cores do sonho real.

E a fome no fim da tarde
Lembra o estômago que ainda não viu feijão
A felicidade está em cada canto
Sem escolhas
O clímax de cada pranto
Ai bebam água!
Ai por amor bebam tanta água translúcida quanto puderem!
Ai se pudesse fazer sentir minha angústia
Por este mundo que se coze
Cuzcuz de gente salsando na frigideira
E no fundo azul no teto do céu
Todos comprazidos franzem sim
A felicidade sem escolhas
Róseo fluxo do vívido
Faces ruborizadas
Tônux infinitus
O volúvel
Ao lar.

Aquele querer dizer mais alguma coisa
Aquele não parar de mugir suspiros
Necessidade ferrenha de cutucar mariscos
Petiscos ariscos ah que causamos de rebuliços!

Barbárie banal
Que mergulham
Com golfinhos.

Da Fome De João

Caução ao mofo
Mizifí
Atenção redigo-lhe
Areje arestas
Ventile cada esquina
Água sanitária às paredes
Deixe repousar.

Raspe a pele
Crosta suja
Arranque o ranço
Ânsia escrota
Tire este azedume de tua língua purulenta
Por céus vadios
Por todos os santos imorais
Destroça este ardido horrível de inanição
E dá tinta nova ao lar
Com todos antimofos permitidos
Passe-lhe dez demãos se aprouver
Se o orçamento eventualmente permitir.

Ai rasgado João
Na cidade pensam que o Brasil é de hoje
Pensam que nosso povo está por dentro
Mas quem viu o sertão
Quem vai e volta no ribeirão
Bem sabe do abandono
Também bem sabe dos sorrisos sutis
Superando a lamúria interminável do abandonado
Sem estradas
Sem luz nem água encanada
Cantam graças aos céus a caipirada
Já disseram
É o em torno que conta
Sem paisagem certa não há alegria.

Viciado em pessoas
Elas me afrontam
Ai quando a ofensa é morosa
O caçôo fraterno.

Consigo perdoar quem me decifre?
Mais
Consigo perdoar um mais forte que eu que me decifre?

E então que será perdão?
Condescendência pra com minha mesma fraqueza
E ainda orgulhosa condescendência
Aguardando perdões
Pra só então poupar a vingança
Ai dialeto ignóbil
Entre ursos coiotes águias e leões
Faunaflora de amizades mundanas
Plantas e fantasmas
Gutural habitual
Me recosto
Incrédulo
Fazendo risco à quebradiça bibelô
Bailarina mascarada
De porcelana frágil
Deixei-a cair
Porquê sei que não devo destruir
E por um instante destruí
E gozo do torpor triste
Destilo a ira
Fadas rasta me resgatam
Ah ruiva lilás vívida prima
Primeva Ariadne
Pisoteando vinhas em meu ventre
Encarcerando em mogno meu mel
Bebo o vinho da idade
Estou velho de súbito
Ai cabelos brancos
Ai minha vida que correu
Que correu em imaginação
E me fez agonia
Ai salvação do verbo
Me dou de novo ao novo
De presente o presente
Tenso e inútil como é
Refulgente perfeito como é.

ESTÓRICO