Remembro

Amor funesto
Sangrara irado
Infeccionou-se de sua própria saliva
Ao provar do cabal
Vermelhidão inócua
Metálica alcalina
Fluído de nossas baterias etéreas
Quânticas
Multiversos em cada ponto indivisível.

Pernas fremiam
Pudor alegre
Ardor da raiz
O coração ordenava desdém
Fazia central o sangue
Objetivizava até a mãe de todo gozo
Nuclear
O arco pulsava
Distendia-se e ragava o ar
Denovo e denovo
Flechas com pontas de amazonita
Esculpidas mortíferas
E uma dose fatal de kambô à extremidade.

A cura infligia ânimos
Solertices
Alertismos
Sinapses esfuzionantes
Infinitesimalmente doudas
Sanhadas sagradas e tresloucadas
Ah assanhada
Ah jardim florido em pleno oblivion
O rága do rasta
Que bem ah quão bem arrasta
As lições de vida profundas
Íntimas pessoais
Sensíveis
Quando se vive momentos sem destruir
Sem destruir o fractal tão sutil
Da presença úmida
Do barro em composto magnético
Mares e lagunas pele adentro
A superfície suspira
Cadela prenha
Resmungando rumores dum futuro lindo
Cobrando ceias fartas com suas tetas inchadas incobridas no carpete peloso viralata.

Em invernos
Vez ou outra alguém se contentava por uma vida
Ao ver a olhos nús no arlivre o azul de fundo e os ouros solares
Ai benção exclamam
E o calor sobe
E sabe-se que o amor queima na grande fogueira duma irmandade
Faz em fumo
Vapor sumiço
Que leve seu tempo
E o tempo some
As arestas e frestas das janelas se espaçam
Se engolem
E não resta senão a grande borboleta.

Cronicália

Era límpida manhã no trópico
Mariasfedidas acasalavam sobre casco de pitangueiras
O suor pórtico da glória musical abençoara os despertos
A imaginação ingênua genuína aprisionava o poeta travesti
A argamassa do presente social pulsava em fétida e alegre criolina
E um poucado engravatado sem rosto nem nome dava as ordens ao maquinário pesado.

Sem opções
Inútil dispensável
João carregava formigas mutantes em suas veias
População que tirava-lhe proveito
Em troca de obediência
Até que certo dia
João pediu aos insetos por paz mundial
E noventenove centézimos da população humana
Foram devorados por libélulas e lagartixas ensandecidas.

Criança em cruzada astral
Nascera com quatro braços coordenados
Aprendeu a voar livre
Latejava amor infinitesimal trapézio adentro
Esquadro monumental
Rota das índias infalível
Sagrado ohm silente
Os trinta dedos tensionaram
Em vôo solo à citara
Espargiu-se em luz invisível
Depois tornou em cera e seda.

O médico doutor tossia asco
O estudo corrompera-o
Fizera-o sádico irrazôneo
Estresse funesto o messias trocara as linhas
O grande experto em anatomias
Tomou gosto cruel perverso
Envenenava dolorosamente seus pacientes
Com receitas que jamais seriam decifradas.

O que mergulhou de crânio em rocha
De oito metros acima
Não morreu mas esqueceu
Esqueceu segredos vitórias e lamentos
Amnésia violenta que o libertara
Diz que só fazia o bem depois do incidente
Tomara o blecaute por dádiva
Decidira dar-se uma chance
De ser quem sonhava ser.

Milagre da dona de casa mestiça
Negra desprezada de nossa terra
Dando-se à prole fazendo fé
Pondo lenha ao fogo da água
Paridora
Que nunca terá um retrato publicado nos jornais
Nem no dia de sua morte
Inválida
Mãe feroz do futuro valente
E empregadinha honrada
Cabisbaixa à patroa patrícia
De bocetinha azedinha marcomida
Desleixo burguês ordenando a gentalha
Mundo injusto se dizia
Primeiras revoltas.

A hora da estrela do circense
Pobre jovem confusão
Lançara-se sem aviso ao abismo
Sonhara planar
Mas trocara sentir por saber
E a mente mentiu
A casa caiu o circo faliu
Quis que a ânsia fosse pronúncia
E se perdeu na denúncia
Deixou o prazer por amor
Fez rinha por carinho
Beijinho pra resolver a dor
Que antes de casar sara.

Na Berlinda

Benção do vazio
Espaço vago dissoluto
Tudo que lhe restava
Era saber respirar.

Os grandes olhos da criança carente
Encaravam a pior resposta concebível
O silêncio mortiço amargor da injustiça.

Mas ah sábado incomum
Num protesto pacífico
De krishnas e haribôs
Indigentes largavam-se tranquilos à calçada
Sastifeitos da prachada vêgan grátis
Consagrada em plena avenida paulista.

A índia palhaça salvatriz
Mãe de luz na procissão
Alegrou sorrisos na sem lar
Fez dourados até as horas
E sob suplícios de não se vá
Chorou por ter de ir embora
Ter de tirar a maquilagem
E deixar de volta a criança
No anonimato da estatística.

Faniquitos

Liberdade
Ilusão e trégua minha
Cegueira que me parte
Estilhaça
Em truculências da ginga orgástica.

De onde esta ojeriza contra a merda?
Perguntara denovo encolerizado
De onde vem este nojo abominável?
E então calmo
Ouvia gatos em cio
Rodeando suas núpcias tão naturais.

Eram inaugurações
De templos inefáveis
Mentes despertas
Brilhando nas estrelas dos sorrisos das grandes boas venturas.

E a memória vive ainda
Explode em matreirice
Nossos pés fugazes rogam
Pelo coração do cego
Que conhece o mundo pelo tato
Pelo faro
Pelo monocromo do canino
As mil vistas da abelha
Todo infravermelho orgânico que nos permeia
Ai espiral tão perfeita
Sou a ira do tufão nefasto
A maldade do tirano ignóbil
Ah materna gratidão
Ah meiodia de minha surpresa
Fiz sonhar
E tento e tento
O tempo é o grande sonho
Não tenho nada e possuo meu tempo
Tempo meu que é todo meu espaço
Ah vôo platinado
Maturado
Ai foice que poda
Ai vinhedo maturado de minha discórdia
Quero ser a luta pela vida
Pelo lilás que me honra
O renascer da emoção.

Ah alvorada do inesperado
Fizeste-me chorar
Desacalentado
Num assento banal de condução pública
Agarraste-me
Na voz dum cantor mendicante
Estiraste-me no pranto redentor
E a figura daquele homem vive agora em mim
Palco móvel interino
O latino cantou dandaras e odaras
Depois passou com o chapéuzinho
Três canções durante talvez quatro paradas
Mas ah tenro eterno
Sagrada lição
Hermetismos em cada esquina
Somos o povo com a batuta na mão
Pois que segredo-lhe comparsa
À tôa
A evolução do mundo é o samba.

Inconveniente

Por que eu tinha que amar o que mais dói?
Por que eu tinha que perder curiosidade por tanta coisa só porquê me apaixonei por algo tão distante?
Por que minha vida tinha que ficar triste porquê eu te conheci?
Tinha outro jeito?
Será que eu posso estar alegre com tudo isso?
Por que eu tinha que ser um idiota perdendo tempo com imaginações românticas?
Por que eu tinha que me desgastar pensando nela só porque estou desocupado?
Será que não é melhor eu ir trabalhar pra esquecer?
Inventar qualquer diabo de ocupação sem sal só pra me esquecer?
Esquecer pra ter paciência e deixar a dor curar?

Dor de que afinal?
Eu não sou nada pra ela
Nada
Sou só uma esperança estúpida fora do lugar
Uma criança chorona que não sabe querer
Quem sabe se eu sou alguma coisa pra ela?
Talvez só um ser confuso vidrado naquela pinta que ela tem no rosto?
Ou um inconformado sem salvação amargando o impossível dum desencontro?

Nada
Nada
Sou pó ao vento
Uma personagem uma caricatura
Que talvez enquadre neste ou naquele sonho dela?
Mas ainda assim só uma imagem idealizada
Não alguém que ela quer
Talvez só um bando de traços que por sorte ou azar fizeram-na pensar
Pensar que podia ser
Daí eu fui me deixar pensar nela
Fui me deixar ter esperanças
E pra variar
Melhor era ter feito silêncio
Ter evitado a ilusão
Assim não tinha me tornado tão insensível ao prazer que me rodeia
Não tinha deixado pra escanteio a paixão ao pé de mim
Pelo sonho duma incerteza triste.

Cale a boca
Cale a boca idiota
É o que peço pra mim mesmo
Cale essa boca ignorante
E faz o que deve
Deixa o tempo passar
Não adianta chorar
Ela está longe
Ela é só uma imaginação afoita
Que você se permitiu moldar
E agora ela te odeia e sofre também por isso
Porque ela quer ser ela e você você
Mas assim não funciona
Porque amar não quer dizer que as coisas dão certo
Só quer dizer que é amor
E caraca a coisa é complicada viu
Eu queria esse prazer
Ai idiota
Não consigo abandoná-la
E me exaspera não saber
Se ela precisa de mim
Em algum nível
Se ela ao menos acha que precisa deste nada infantil
Sentimental inútil apaixonado
Talvez seja egoísmo imenso achar que ela me faria feliz
Que tem ela com minha felicidade?
Coitada
Que tem ela a ver com meu sofrer?

E se sofro por ela
Por tê-la ou não tê-la
Ainda assim que tem ela com isso?
Deixe-a respirar insolente
E vá desaventar
Faça barulho em seus tambores
Fume até fazer lágrimas pelas orelhas
E esquece
Esquece um pouco pra que possas viver
Esquece que teu grande sonho está bem aí
Esquece que teu grande desejo está a sorrir pra ti
Esquece que ela existe pra que possas de novo te sentires banal meu filho
Esquece pra que possas retornar ao banal da emoção
E não mais queira se afogar em angústia juvenil
E não mais sufoque o destino dela com tua fraqueza humana.

O Frescor

Gargalhada gozada
Ê atulhada santa dona desgovernada!

Pânicas e pêias
Piras prolongadas por pernas longilínias
Lótus loucas lisas sedas
Azuis anís sutis ardis
Olés rastapés parangas e raparigas.

O sono sonso do sem sonho
Sina sacana trétrébacana
Úi rima enrrasgo ruidosa
Tudo ruindo e o rico rindo
Patacos escorrentes de titica!

Xânas cheirosas estremilicantes
Chama inflama imensa paixão
Linhos lilázes lázulis louváveis
Secretos reclusos mistérios leais
Verdades veredas vinhedas virgens
Voltagens vontades ohms impedâncias.

Sofrido sufoco
Densa ditosa fonte
Fome firça fúria foco
Finas facas foices fumos
Broca trocas força fossas
Moça torta louça crica
Despertos apertos.

Crise crônica da crítica
Contra versos controvérsias
Canções cansadas caladas
Sangue suingando suor
Ardor sem dor dom de amor.

Vou voar
Vil vadio vigorar
Vai vir valor
Virá vento vão
Sopra o sopro ancião.

Cantiga candanga
Falácia mulamba
Cortina curtida
Mel cruel ao papel
Viço vasto vicioso
Arrisco arisco
Ponto em ponte
Conto me conte
Deonde praonde?

Mutualismos

Não ouvira a voz de seu ármario
O jovem desatento esbarrou
Fez roxo à coxa
Quase se faz coxo
Mas não ouviu o aviso tão claro da mobília
Que dizia tende cuidado
Seje mais calmo
Não esbarres à toa
Em teus espasmos de ações gratuitas.

Não ouvira a voz do semáforo
O trêbado atropelou a criança
Passou batido nem viu
Que socorro que nada
Ele desconexo estava atrasado
Corria pro tempo de ver o pontapé inicial
Da partida de futebol duma quarta-feira imbecil
E o vermelho
No farol em alerta e na rua em sangue
Passou sem voz.

Ignorara o mofo e o musgo
Em sua goela perdiguenta
O banqueiro ria
E seus olhos azedos de traição ardiam
Nobre vingança do verde
Não regozijava realmente em sua chamada alegria
Ela era um espirro catalítico
Que o fazia odiar-se mais e mais
E por isso destruição era sua única saída
E lutava contra a umidade inerente
E pessoas morrendo.

Códigos impostos à força
Uma sociedade cega de bilhões
E todo niilismo arrefecido num bom banho de sol de meiodia tropical.

Que as hortas familiares hão de continuar
E vamos como sempre passar por de banda
Contornar esta manipulação genética decrépita
Que a Pindorama perdida há de sobreviver
Não vamos sucumbir ao envenenamento de nossa comida
Não vamos nos dobrar à proibição de toda cura natural
A Terra Brazyw tem a farmácia no quintal
Não vamos trocar os aceroleiros de nossa mãe
Pela palidez dos ciborgues adictos do fastfood.

Fastfood
Yeah
Mas a digestão é lenta
Lenta como a burrice aspartâmica
Lesmática.

Punhado de sal sobre esta nêura
Vejo a lesma derreter
Ah bela vingança poética
Não é o homem que é sutil mas sua crueldade.

Crueldade alegre
Do caçador brincando com a caça.

Pensam eles que brincam conosco
Peões em seus jogos de conquistar o mundo
Jogatinas da politicagem
Pensam eles que brincam conosco
Mas é diverso
Enfim seremos nós os últimos a rir
Pois a felicidade do amor segue
Dobra eternidades torna e segue sempre
Mas a felicidade do bastardo ganancioso
Esta nem nunca chega a nascer.

Da Majestosa

Finas linhas
Caules de flores invisíveis
Desabrochamos em esferas infinitas
Parceiros no crime.

Crime de amor
Violência à avessa
Armada de carinhos
Escuderia de respeitos
Estratégia humilde.

Vislumbro algo em mim que é comum ao próximo
Um pensamento secreto partilhado
No toque sensível da relva
Desliza a pequenina
À brisa
Sente-se em pleno vôo em sua corrida infantil
Sua alienação sincera dotando-a de magias
Coração clandestino.

Ela talvez nunca tenha sabido
Ou talvez nunca se tenha lembrado
Ela talvez não possa se lembrar
De quão vera e profundamente bela é
E amo-a desconjurada
Indefesa uma rainha
A pele branca tenaz
Teu olhar sério inquiridor
Esqueceste-te de inquirir a si mesma incomparável musa
Ou quem sabe saibas
E sejas tão correta de não te levares tão a sério?

Quem sabe saibas de tua mesma beleza
Mas não te leves tão a sério pra que possas viver?
Pra que possas respirar enfim a normalidade dos teus dias?

Santa esquecida
A flor mais bonita do mundo
Que ninguém nunca parou pra olhar bem.

Paro e fito-a eu agora
Fito-a à distância
Tú quase desconhecida amada
Estás dentro de mim
Como um sol acolhedor e curioso
Que faz sempre despontar ao céu.

Não te esqueça mulher
O dinheiro todo que roda
A máquina com que e à que se sujeita
Toda balbúrdia de maus temperos
Nada importa quanto a límpida saliva que reluz em teu olhar
Desfaço-me do mundo
Música é tudo que me resta
E bailando a canção da natureza em mim
Deste-me a mão
E pensei que sorte
Pensei comigo comovido
Que sorte a nossa.

ESTÓRICO