Comun In Dios
me sinto forte pra qualquer coisa
minha preguiça morreu
sufocada por uma energia infinita incontível
Mãe Gaya me acariciou
afagou meu ventre cósmico
e minha bandeira branca tremula agora ao vento divino
o amanhã que não existe senão como promesso de um hoje sempre mais promissor
hoje o dia mais importante da minha vida
ciente duma responsabilidade e dum privilégio
a honra dum conhecimento esquecido
conexão singela e simples com a potência assustadora da profunda paz
a comunhão dum sentimento elevado
a partilha de armas e armaduras entre irmãos
na guerra pela luz
e me lembro de tudo
essa viagem de chá
insólita
que me tornou um com os vagalumes na floresta encantada
a intensidade dum sol queimando em minhas veias
o ardor duma loucura absurda que conquistei em inspirações um tanto desesperadas um tanto sábias
a morte do verme em mim
a nítida fronteira entre a volúpia e a morte
a noção de interpolação de todos os pensamentos vivos
como se minha mente fosse um pára-raios
recebendo relâmpagos imensos sem interrupção durante uma hora
quis saber como seria uma dose dupla e soube
e agora sei que pra se mudar de vida
basta mudar os pequenos hábitos
trocar uma refeição exagerada talvez por um bom chá de camomila
trocar uma masturbação funesta talvez por uma valsa favorita, um yoga
trocar um humor forçado e afetado talvez por alguma estaca zero do sorriso
trocar minhas opiniões enferrujadas talvez por um silêncio receptivo
trocar todo meu amor talvez por um todo novo, um novo começo impontuável
ah, propícia estação, cio da terra
ai das minhas lágrimas estancadas
pranto recluso se recusando à covardia
a água de mim querendo transbordar por excesso de alegria quântica
e então o cristal de mim segurando as pontas
pra lá e pra cá nas ondas do grande oceano de emoção
não choro
e faço relato inequívoco
do sucesso duma tranquilidade curiosa
sucesso que carrega uma imensa tristeza aos ombros
o peso de mil mundos e martírios
sustentado num coração dourado
doce como mel e forte como a própria vida
encerrando em si toda coragem que digere a miséria
concentrando forças em direção duma virtude simples, humana e mundana
e então o horizonte do homem
o ser humano em sua evolução tão constipada
o perigo da esperança cega
a certeza da necessidade de dádiva ímpia
Pela Janela
Sermão Do Fauno
Talvezes
Pranto
um senso de responsabilidade vago
por vezes me alcança entrementes porventuras
um pranto imenso
eu debaixo do chuveiro
um banho incompreensivelmente restaurador
em que toda água do mundo eram minhas lágrimas
eu chorando por minha mãezinha
o pequeno tronco d'água deslizando por minha pele como uma outra pele se me agarrando
e então toda tristeza duma vida expurgada num pranto sem medida
um engasgo de libertação de toda conformidade
e a água rolava macia acariciando meus pêlos e cabelos
como um tronco d'árvore ereto e imóvel eu recebia aquela chuva
apenas panturrilhas contraídas, o resto do corpo mera massa esvoaçante em gravidade zero
um banho incompreensível
um pranto sem medida, nó na goela por tanto maltrato à minha mãezinha
e então o chuveiro corria
o magnetismo de minha aura dissolvido naquele fluxo
encanamento acima e abaixo minha eletricidade viva viajando velozmente pela continuidade do fluxo líquido
eu me fundindo à geometria de meu lar no abraço quente da higiene
num pranto engasgado em que tentei sentir minhas lágrimas
e vi um oceano em torno de mim como uma lágrima infinita
minhas lágrimas como meras gotas fundidas ao fluxo do chuveiro
um pranto que durou um minuto e uma eternidade
por vezes um senso de responsabilidade me alcança
e tenaz sigo em minha intenção hiperbórea
sabendo que tudo é possível e que inclusive o impossível, por não ser senão o infinitamente improvável, é muitas vezes o próprio óbvio latente
sabendo que nada é proibido
penso no sol
e em como quero ser íntimo dele
e na dieta que isto implica
penso em como penso ser importante a intimidade com o sol
e compartilho de minha mesma opinião, previsivelmente, porém não senão através de um contínuo esforço de transparenciação espectral
amo o sol
sua delicadeza e sua monstruosidade
o grande tirano de meu coração
ah, sol, quão ridículo me percebo ao cantar-te
tu, que não invejas nem mesmo uma alegria demasiado grande
ah, nobre astro
como lhe sou grato
como lhe quero como símbolo último de meu despertar
e creio que você saiba bem de que estou falando
apesar de ser sempre sol e sol somente, apesar de não comunicar nada senão silêncio solar, silêncio que exige o silêncio e o sol de cada um
te amo tanto
e por vezes até alucinadamente
e por amor de ti esmago minha fraqueza
por amor de ti cultivo o jardim de meu matrimônio e oro em valsa perversa
por amor de ti encaro o insólito de minha patética existência
e me percebo ferramenta bela, ótima, à construção dum palácio de magia
graças à tua hospitalidade sei da grandeza de meu destino, mesmo sem poder saber que destino seja afinal
peço permissão então
pra sonhar contigo em meu coração
permissão e benção
pra surrupiar de ti esta clareza implacável e benevolente
pra viver minha cintilância como fazes tu, irretocável, supremo redentor de toda dor, afago último da original instância
Riso
Sorrindo
Riso
Rindo
Rindo-se de si
Riso risonho
Em risadas rimbombantes
Relaxando
Em rasante
Fazendo tábula rasa
Em razão rosada
Raspando respiro
Em ruído engraçado
Ah!, Risada!
Minha maior amiga
Minha mãe e meu pai
A ponte por sobre todos os rios da ignomínia
A esperança cética do prodigalizado
O punho do cunho do vernáculo
Entorpecido à taberna
Em divino espetáculo
A crua singeleza
A sinistra estafa mística
As mandíbulas do tubarão boca afora em brado certeiro
Saravás
Salve mãe cabocla do sertão!
Salve os padrinhos e aliados!
Salve Chico Mendes e Mussum!
Ao povo do realengo,
Aquele abraço!
Banana pro domingo,
Não quero estar dormindo!
'Bananas!, bananas!',
Já dizia o piadista.
Salve Mãe Iemanjá!
Salve Ci, Mãe do Mato!
Salve nosso Imperatore sem caráter!
Salve a sanha do Brazyw!
Mah quê!
Pois pois!
Ora bolas!
Sensacionalismos!
É, só.
Possacrê.
Bote fé.
Concertezas.
Tiozão faminto,
Moleque sabido,
O carente no colo,
A menina de fada na fantasia do estrangeiro.
Êia, povo de Deos!
Creaturas iluminadas do café com leite,
'Mani!', já dizia, em nome das filhas da macaxera.
Creação formosa
Nos vagos dos planos e planaltos
Nas danças de quentes e frios das brisas redemunhantes.
Creação tão bela
Esta imensa primavera
Lar de mansidão mesmo à fera
Instigando comoção da vera.
E mesmo ainda distante do próximo pranto,
Mesmo ainda controlado e seco e rígido em deletrear de segredismos,
Mesmo inocente em excesso de poder,
Não me dóem as mandíbulas nem me desespera a loucura.
Mesmo em sandismo apócrifo e extramemente dubitável,
Mesmo em cínica profilaxia e lúcida anomalia,
Mesmo em fustigante inspiração hiperbórea,
Não me creio detentor de qualquer ulterior segurança espiritual.
Como o parto dum dragão.
Ou a morte em guerra contra o inimigo invencível.
Como uma pluma de platina
Esvoaçando arrepios às nucas
Levando fumo aos lábios
A satisfação da semente que germina.
Salve Paim Iexuá!
Amém.
E amemo-nos, mas não amenamente!