Um Gancho No Queixo

quase faço propaganda de cigarro
quase passo por louco incompreensível

amo minha tabacaria
se é que é arguido que se ouça

o inevitável

novas tábuas com novas leis
trançadas em transes entravados
enquizilados encalistrados
leis folgãs em madeira de nó
talhadas com as lâminas oblongas
sabres de luz das presenças

uma guerra nas entrelinhas

a guerra pela conquista de si

não pela definição racional e patonômica da pantomima progressivista
não uma conceituação do si nem um grupo de sintomas e evidências como referência da usurpação do si de si

a vera conquista de si

ser o rei do além dos sentidos
a divindade que se prostra em nossa cerâmica tão frágil
uma emoção solar arrastando um desenho impreterível

ser o mestre do encanto e do desencanto de toda gramática pretensamente dotada de lógica
e tudo como uma individualidade mui bem cientificamente catalogada
tudo como um profundíssimo conhecer-se a si no mais perverso esquecimento de si
o esquecimento do querer tudo
o funesto labirinto que é a infinda saga da vida
a que assim a paz seja uma vitória

a paz uma vitória sobre si mesmo
preconceitos
propósitos
todos os valores e toda memória espiralando como água nas esquinas quadradas dos rios de alva pedra

o piscar de olhos
tão fenomenal

o próprio controle das pálpebras, oh torpe fábula
então respirar tresloucado
como cachorro em ação
o hercúleo esforço de aceitar a si como trança de cor e nada além
o sucumbir de toda hesitação na solene noção de peso zero da existência

voar voar voar

o quê a que aqui viemos, afinal

Em Mim

algo evolui recôndito
algo meu mas também além de mim

não que meu eu seja conspícuo a ponto de se enquadrar em qualquer coisa que eu dê nome e considere aquém de mim

evolui como a planta do espírito do mundo
floresta impenetrável no coração de cristal da vida
e eu sou talvez uma gota de chuva
e ou o barro em que ela se verte e reverte

este algo em mim além de mim
de que não consigo nem posso me imiscuir
esta encefalografia
reverbera um linguajar de chakras
e cabe a nós o silêncio honorífico
não o fim das palavras
senão o riso estapafúrdio da erudição
cabe a nós suportarmos nosso próprio peso
devagar e sempre como se diz
a conquista irrefreada dos sentidos
a condução de nossas síncopes
e vencer à morte no xeque-mate imprevisível
cabe a nós a usurpação de toda nossa mesma energia
a cada um de nós, cada um de nossos irmãos solares
da ameba tirânica à águia tranqüila
a cada qual cabe seu mesmo processamento neste tal instintivo sentido
e não de se desesperar claro que o humanóide nesta estória o único alienado deste plano em anomalia

afinal um jovem traduzindo em português sua ressonância de magenta e púrpura
um que se afirma desdobramento duma transubstanciação completa
cientificamente embasado em ninharias suficientes
ombros ao vento como velas ao mar

e então uma tal tafera parece novamente demasiado inaudita
talvez
ah da densidade
da imensidão
cores em ignição!

O Único Mantra

num lampejo
a cintilância
tudo a isso se resume

o universo todo um mantra

um único mantra

cada fração infinitesimal de partícula contendo um cosmos todo em si
infinitas estórias em todo relance
uma vida toda entre os dedos
entre os ouvidos
entre o coração e a testa
entre os quadrantes da abstração
tudo em meio
tudo como meio
o divino meio
um único mantra

cada pequenina vida manifesta
todas elas das amebas aos computadores pensantes mais impressionantes
cada pedra em cada sonho
cada todo o resto da natureza em cada sonho e em cada instante desperto n'O Grande Sonho
todas as lembranças de tudo que é familiar e bizarro
todos os grupos coloquiais reunindo padrões de valorações e sentimentos
as escuderias das egrégoras inevitáveis
os fantasmas os mitos toda fama e toda luxúria
cada abraço transmutante e beijo escaldante em amizades e desesperos
as formigas as abelhas mariposas borboletas - suas vidas a nós tão ultrajantes em seus vôos que atraem e arrastam como sóis
a própria Engrenagem
o quê-que-quer-que-seja que aglutina em amores perfeitos toda irrefreabilidade
a marca virtual da gravidade ordenando descompromissadamente toda mínima secção de emanação
A Criatividade
toda noção de Existência, d'A Existência, imersa numa imensa bolha de platina translúcida em que se respira por guelras invisíveis
tudo um único mantra

um único mantra

repetindo-se infinitamente
uma canção sem fim em improviso esparso
modelando a Esquina
nos arremessando inequívocos em solavancos magnécticos às infindas tangentes d'A Presença
cada pequenino ser existente pulsando em sincronia na entrega de sua expiração solar
e inclusive nós suposta humanidade civilizada em temporreal O Instantejá em denso enrolar
infinitamente tecendo a si mesmo em profundidade sinuosa o Céu ó! tão nobre azul! sua escola de magia
uma única rede de emoção destilando o inócuo do criativo
estes corações todos das biosferas e tudo o mais pulsante pensante que já houve em conexão contínua sincrônica
todas as células em irrestrição
padecendo da mesma angústia
uma dor imortal
a Certeza
acerca d'Ela
A Famigerada
A Ilustríssima
A Dama
Maria
A Sacrossanta
A Matremór
O Sim
O Grande Sim
O Óbvio
O Grande Óbvio
- e quem mais? -
A Vida
voz una
voatriz
faunaflora
sinestesia do tempo
imensidão anil grandiloqüente
todo vazio inventado em alucinações niilistas
toda neurose multidestilada e cada passo de dança de tudo que se move nas majestosas marés das galáxias
o búfalo ruminando
a grama nas trevas da terra sua raíz úmida vibrante deliciosa
o aroma distinto da relva e sua explosão entre as mandíbulas do mamífero
o ruivo leão abanando orelhas
sério
alimentado
O Pai do Mundo
sua ardência macia em juba irretocável
todas as máscaras que vestimos
cada transdução de vontade espiralando alma adentro de tudo que participa de comunhão e lealdade
enfim todo movimento que constrói mundo e memória
um único mantra

chegando ao impensável de si e transubstanciando-se ao irreversível de si

toda matéria e imagem de matéria
toda linguagem em referência a matéria e imagem de matéria e toda metalinguagem concorrente
todos as degustações e fidelidades orgânicas
todas as canções amadas e valsadas mesmo que em prisões e Morte
todo gesto denotando confiança e confiabilidade, inexprimíveis, a própria cegueira do nó do laço de luz d'O Mais Perfeito Amor
tudo um único mantra

um único mantra

o medo no silêncio
a involuntária contração de diafragma do atento
A Mulher
toda redenção inescapável
o rio de seivas troncos e copas acima e abaixo
a fragilidade do sustentáculo de nossa sabedoria
a guerra intermitente
o ouro
um único mantra

Ela

A Didática

A Suprema Indestronável

O Amor

A Vida

e tudo o mais que se encaixa em vôo sem vírgulas
um único mantra

O Único Mantra

Apnéia

há-de sempre nos faltar algo que não possamos bem saber o que seja

e o fruto persegue um açúcar secreto raízes afora trevas adentro

como a necessidade de mais vida num coração vagabundo

ou olhar-se ao espelho curioso e descobrir-se insaciável

a vontade de mais sempre mais

o transbordar de num-sei-que do cálice de nosso amor

dores e conquistas que preencham o livro em branco de nosso futuro

eu poderia morrer hoje

ainda posso afinal

e iria grato em veneração

como um mistério eterno

irretocável

iria como a águia senil suicida

ou a libélula agarrada em pleno vôo pelo peixe saltador

sem remorso nem culpa

sem dúvidas nem conflitos

iria como vai o rio em seu curso

desaguando numa lagoa ou ao mar

se elevando como chuva e abraçando o verde como orvalho

dando força ao moinho no córrego

inspirando confiança à construção da ponte que liga dali àqui

e então me percebo como mera ilustração cognitiva

um emaranhado de sol e cristal

em fusão profusa

infinitesimal

ai, tão densa espiral

em jazz e samba e rock

em metais extremistas ou em jongos fatalistas

em marakadãbis e em mantras

pura valsa ao vento

meditando desleixos em prosa versada

agregando anseios como imenso furacão

redemunho destroçando os fantasmas que nos habitam

preciso me ultrapassar

não há hoje comum

preciso ir além de mim

cantar vida que justifique a vida

busco um olhar purificador

no silêncio de meu templo

templo vivo pulsante cujas muralhas são uma pele meio mole meio dura

templo organismo d'eu cuja gente são sangue e sangue correndo pelas veias

desacelero

assim hei de ultrapassar-me

a eternidade se arrasta

mais lenta que a lentidão mais lenta

estática e extática

silogizando contratempos

contrapontuadamente

dando sempre a outra face

e incansável

infindas faces e máscaras

infindas cores e sons

um mar de benevolência cruelíssima

tornando crú o leal

eu de carne crua

vou me assando ao sol

quero o charque de mim

noutra parte sou outra coisa

e de instante em instante me desconheço

inevitável

uma pedra inerte

dando um berro invisível

tocando todos os cantos de tudo com hastes de loucura

preciso superar-me

fazer deste intenso agorinha tão valioso quanto ele realmente é

e penso em ti leitor

penso em como nunca hei de saber de meu sucesso

se te arranquei lágrimas ou gargalhadas

se te fiz mais furioso ou sensual

se te ensinei da elegância e da força

me pergunto: que te importa o autor?

escrevo por mim como tu lês por ti

e então o que nos une? que te importa o que sinto?

quem sabe um testemunho

o relatório duma ânsia

o conluio de infortúnios desmembrado em razão e prudência

será que satisfaz? será que alimenta?

de que tens fome, leitor?

será do mel que escorre de nossa emoção ao centro do mundo e então ao sol e a todos os sóis?

ou tens fome de solilóquio? fome de serdes ouvido, assim como tenho fome de escravizar?

certa vez me dei conta de que a grande loucura do homem é sua lógica

uma frágil construção intracrânio se debatendo por definir o indefinível através de abreviações e lastimosas conformidades

quisera um leitor ardiloso

vil e imundo

tal qual o lobisomem em sua lua cheia

tal qual o minotauro em sua vulnerabilidade

quisera tornar-te de pedra

desenhar olhos de Medusa num verso

e abandonar-lhe incauto ao vulcão do real

ultrapasso-me?

me vejo num passado distante e noutro logo aqui

enxergo minhas primevas lembranças

a primeira vez na valsa do oceano

os primeiros pesadelos duma infância disforme

e creio não ser nada disso

que afinal cá estou, outro

quase plenamente alheio a mim

uma continuação imprevista

bolhas de sabão a saltitar ventre adentro

lembro de sonhos perfeitos em que era outro

ou melhor, o mesmo

mas em outra esfera, outra infinitude

como vivesse milênios numa soneca

desovando realidades inconcebíveis no relaxamento da pragmática

concretização de sonhos inócuos em pura extravagância ignóbil

lembro de sonhos perfeitos em que era o mesmo

porém outro

vidas inteiras que vivi não sei se milênios atrás ou afrente

e me vejo vivendo novamente esta vida

como buscasse realizar o definitivo sonho da vigília

como canalizasse infinita sagacidade na mais simples entrega

um abandono de si em infinito apego a si

contração insolente destrinchando toda volúpia juvenil

uma ampulheta bailante

atemporalizações

que é de mim então?

que hei de ser em seguida?

se não aquela criança nem o outro de sonhos de vidas paralelas

que hei de ser?

que sou?

porém não finjo não ser

repreendo em mim a desconfiança pra com o inalienável

e me dou conta da sabatina de tais termos

libertinagem exata em gélida honestidade

talvez alguma hipocrisia também

afim de segurar-lhe a atenção

afim de transmitir-lhe, caro leitor, uma extrema unção

que não sei bem qual seja

um dom indecifrável que impele à fogueira

quem sabe um demônio tomando meus dedos e redigindo um supremo chamado à imponderância

e se me perguntassem: há solução?

responderia que não sei

responderia que talvez devêssemos trucidar a instituição

e com ela nove décimos dos bilhões gente vivente

mas não é paradoxo demasiado insípido solucionar com morte à vida?

quisera perguntar a pergunta mais adstringente

um tal ponto de interrogação inescapável

que não permitisse a quem o lesse uma fuga ao banal

uma dúvida tão profunda e angustiante que nos arrematasse em certeza insolente

vá lá, sem hesitar, nem pestanejar, hei-de improvisar:

permites a si mesmo uma morte e um renascer em nome da vida?

e então sou outro

ultrapassei-me

insólito

e tão só

imaginando se em trezentos anos isto arrefecerá o ódio dalgum andarilho

ou se na esquina da eternidade Deus computará isto como devaneio propositado

sempre em frente

a lentidão implode

em paixão estupenda

uma guerra sem fim

o medo da morte

se desenrolando em mil antecipações reducionistas

concebendo mil epifanias alucinantes

não quero viver temendo à morte

porquê não sei o que ela seja

e apesar de tanto afirmarem ela ser a única certeza

me indago: como pode ser tão certa se nos é exatamente a fronteira separando experiência de desconhecência?

já disse hoje que morreria justificado se morresse hoje

e me coçam os pés já em sede de baile e estupro

me açoita já minha sinceridade autômata

exigindo que sele meus lábios e sorria

que conceba um linguajar inédito

que transmita irrestrições como quem faz cafuné

que em lampejos expulse o asco e demonstre a beleza do fato

ai, desse vício factóide

há muito que não se pode ver

e muito do mais importante não podemos ver

mas também não nego a intrépida solidez da aparência

acato à superfície

respeito a intuição

apesar de mansamente me afogar em descrença

apesar de cinicamente me endurecer a força de irônicas insapiências

e então vejo um oceano de negação

como a mais potente certeza

um oceano de negação como a mais potente certeza

o inexplicável como estatuto da lógica

o indeterminável como lei suprema da constatabilidade

o inimaginável como constituição última da arte

o inconcebível como afirmação pétria da capacidade

o inegável como perfeita comprovação da incerteza

o intransponível como imensa dispersão de foco

o irreprimível como insidiosa ferramenta ao descaso

o inevitável como explícita possibilidade de remanejamento

o inapreensível como eterna seita de sapientização

o irredutível como soberba tirania da entropia

o imponderável como profunda noção de presença

o inabdicável como cintilante ânsia de desprezo

o insustentável como primícia duma experimentação

levanto a cabeça

respiro fundo

e que mais tenho senão isto?

que mais temos senão isto, leitor?

senão o podermos levantar a cabeça e respirar fundo?

Mãe Maré

solta na roda de ciranda
no vai e vem do vento que corre
no clarão da fogueira que arde e queima
no ritmo da batucada em noite de luar
pés no chão, movimentos leves, sutilmente ela roda na roda...
solta na roda da ciranda
e deixa ela rodar...
a roda roda
e ela se deixa levar
seu rio a cirandear
vai e vem às rodas do mar

Seresta

Canção secreta do alvorescer
Tua harmonia só faz enobrecer
Tua rara beleza vai além do ver
Sinfonia orgânica de alvo reger.

Substância secreta do enternecer
Mel do amor incita à fúria do corromper
Rio largo vertical e lento a enrijecer
Banhando a esfera infinita de meu ser.

Lira secreta do impetuoso saber
Vivo em tuas linhas o constante renascer
Sigo em tuas sendas o tom do prazer
Mergulho em teu ventre pleno a florescer.

Amável conduta a que me restrinjo
Suor da luta em que me supero
Deserto sem a culpa de um Lutero
Conquisto a alegria - não o finjo!

Homenagem Ao Mestre

Hoje ao recitar
A poesia dum falcão
Me fiz mais nobre
Aprendi uma lição.

Tal contexto galanteia
O fundo do fundo da vida
Nosso espírito norteia
À verdade ungida.

Com rios e mata floreia
Aos poucos enternece
Vai tecendo sua teia
Põe em pranto de quermesse.

Poeta falcão em rasante
Me joga a teus pés
Um exagero inspirante
Contigo não há revés.

Santo guerreiro do sertão
Te venero sem vergonha
Tu és a gema do barão
Príncipe na boca da cegonha.

Te quero sempre bem
Com tua paixão de pescador
Me multiplico por cem
E brinco com os céus em louvor.

Tua destreza impressiona
É palco de comunhão
Tua lira alciônica
Nos carrega de arrastão.

Em quatrilhos faz a troça
Ensina a sagacidade
De quem entende da roça
E é feliz com simplicidade.

Te conhecer foi uma benção
Te ter como amigo é inda mais
Faz colorida nossa emoção
Traz à tona o que bem apraz.

Tua tristeza é uma escola
Nos educa a preservar
Pra tua prova não levo cola
Sei que o essencial é amar.

E de amor em amor
Como de galho em galho
Superamos nossa dor
Refletimos como orvalho.

Em tua prece discreta
Vejo a coragem divina
Tua espada de poeta
Há-de tornar-se sina.

Em humildade juvenil
Venho cá elogiar
Àquele que se diz senil
Mas que é forte como o mar.

Na estampa de teu sorriso
Sinto uma luz abrasante
Fogo dum saber conciso
Acalenta em teu semblante.

Tua rima envaidece
Melodias que cintilam
Fina arte que se tece
Em linhas de comoção.

Te agradeço bom falcão
Pela presta simpatia
Te agradeço pela lição
Que com destra avalia.

Desfalques

às vezes quase odeio à Vida
e percebo a impossibilidade de tal sentimento -
no máximo odeio a mim mesmo e a tudo em torno que irreversivelmente considero parte de mim

às vezes me afasto da alegria
como uma vingança estúpida contra aqueles que desejam minha ruína -
mesmo os que a desejam imaginando me protegerem

às vezes em afeto exagerado me pergunto o valor das coisas
quanto vale eu estar aqui colocando em termos minha essência em trânsito
quanto vale eu deitar ao branco minha honestidade
quanto vale tudo que já consumi os comes e bebes a droga a família a nação
quanto vale eu ter nascido e saber me perguntar o que quero de mim e do mundo
quanto vale eu me aprisionar em tais questões horrificantemente depressivas

e então minha doença se expurga em ódio macio e solene
e sinto meu fluxo vital com familiaridade e prazer
e então já os antigos hábitos degenerados dos bastardos da terra se me afiguram como brincadeiras de criança que terminaram em atropelamento

o mundo subitamente parece minúsculo
as distâncias se resumem a meros espasmos de inconcordância volátil
meu medo se condensa numa bolota de remorso em que digladio com o nada como numa última expiração dum afogamento

e sinto luz digital percorrer minhas veias
meus poros tremeluzem silentes um arrepio sutil e avassalador
e são inegáveis a soberania da beleza a harmonia da natureza

ao menos piscar os olhos me é um ato mecânico de mera lubrificação ocular
não um abandonar-me a mim em escuridão
nem um restringir-me à interiorização em prolixidade amarga
nem um fingir-me espiritualmente inócuo e superior à existência toda logo antes da piscadela

ainda há musas a degustar
ainda há sol em que se escaldar
ainda há fauna e flora
ainda há o tudo que inclui a mim
e o outro tudo que não sei bem o que seja
quem sabe talvez mesmo o nada haja - apesar de em certa e inescapável inação

vou corromper a dúvida
estuprá-la vertiginosamente
e sucumbir divinamente caso descubra o revés da intuição soterrada

ESTÓRICO